Todos sabemos que o futebol do Sporting é uma modalidade cronicamente deficitária, mas por vezes com tanto número para cá e para lá torna-se difícil conceptualizar esse prejuízo. Para contornar este problema pensei que talvez fosse mais simples apresentar uma versão gráfica dos números, um ponto de partida a partir do qual seria possível efectuar análises retrospectivas mais aprofundadas e eventualmente acrescentar outros dados.
Então o que fiz foi um gráfico relativamente simples e que coloca, ao longo de cerca de uma década de futebol, os Resultados Líquidos que constam de todos os Relatórios e Contas da Sporting SAD. Além do valor do resultado líquido de cada época, acrescentei também o Resultado Líquido Cumulativo, ou seja, os valores que vão aparecendo época após época correspondem ao somatório dos resultados líquidos das épocas até esse ponto no tempo. Na parte de cima do gráfico podem ainda ver uma associação das épocas com os presidentes da altura.
Importa sublinhar que na época de 2004/05 o valor que consta do gráfico não é o que pontifica no R&C pela simples razão de que descontei a venda da DE da SAD ao Clube que originou um lucro “artificial” para a SAD de 65 M€. Caso essa venda não tivesse ocorrido o resultado seria o que consta do gráfico.
Ora bem, a minha opinião olhando para o gráfico é que os números confirmam a ideia geral de que o futebol tem um défice crónico acumulando dívidas quase todos os anos a um valor médio de 9,2 M€ por ano… são 9,2 M€ que vão direitinhos para engorssar a fatia do passivo a cada ano que passa. Vou dar-vos um exemplo para perceberem o que isto implica: significa que os rendimentos pelo património não-desportivo que o Sporting vendeu (Alvaláxia, Health Club, Clínica CUF, Edifício Visconde de Alvalade) em 2007 e que serviram para baixar o passivo em 50 M€ no Grupo Sporting são praticamente anulados na totalidade em 5 épocas, voltando o passivo ao fim dessas épocas a ter exactamente o mesmo valor que anteriormente. Não deixa de ser curioso verificar o impacto reduzido ou nulo que teve a venda deste património nas contas da SAD, isto é, do futebol (embora acredite que tenha melhorado algo a nível do Grupo Sporting, mas que corre o risco de ser anulado num piscar de olhos,como já expliquei). Isto já devia ser o sinal de alerta para a conversa da treta dos nossos dirigentes em relação à Academia e Estádio, mas parece que ainda há muita gente que não quer abrir os olhos.
Existe um aspecto que gostava de sublinhar que foi a diminuição dos prejuízos em 3 épocas, 2003/04, 2004/05 e 2005/06. O gráfico aqui colocado não o revela, mas consultando os R&Cs verifica-se que foi sobretudo devido à redução de custos e não ao aumento de receitas, um esforço muito meritório efectuado na era de Dias da Cunha e de Paulo Andrade, muito embora tenha correspondido a um período de performance desportiva insuficiente em comparação com o período que o antecedeu.
Ainda sobre o défice crónico médio, este “esconde” uma variação importante que deve ser analisada e que é a época de 2006/07, altura em que se vendeu Nani por uns excepcionais 25 M€ e se conseguiu um importante resultado positivo. Caso este jogador não tivesse sido vendido teríamos tido uma vez mais cerca de 10 M€ de prejuízos. Este dado isolado permite perceber a importância de vender jogadores como forma de assegurar a sustentabilidade da SAD, uma realidade a que não se pode nem deve fugir, visto estar completamente enterrada a hipótese de ser o Grupo Sporting a suportar a SAD com receitas extra-futebol devido ao descalabro do projecto Roquette e à solução ainda mais destrambelhada encontrada por Soares Franco.
100 M€ de prejuízo em cerca de 10 anos de futebol é muita fruta e deveria levar os Sportinguistas a indagar-se que raio de gestão foi esta que, não tendo sido brilhante do ponto de vista desportivo (com apenas 2 campeonatos ganhos… e não estou a desvalorizar, porque o termo de comparação de brilhante é o atingido pelo FCPorto), acabou por ser ainda pior, eu diria mesmo um autêntico desastre do ponto de vista financeiro. Se estivéssemos na escola, Roquette, Soares Franco, Dias da Cunha e ainda Rui Meireles, Paulo Andrade e José Eduardo Bettencourt (administradores da SAD em determinados períodos sob a batuta daqueles presidentes) estavam todos chumbados com um taxativo “insuficiente”.
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Faço aqui um parêntesis para uma reflexão pessoal sobre estes números e o que deve ser o futuro do futebol do clube:
Na principal actividade do clube (o futebol) estamos pois totalmente dependentes da venda de jogadores para conseguirmos resultados suficientemente positivos para baixarmos as nossas dívidas. Quem ler os R&Cs mais recentes irá verificar que sem vender nem comprar jogadores conseguimos aproximar-nos do balanço zero (ou seja, não temos lucros nem prejuízos). Concordo, mas o balanço zero não é uma posição confortável para nós, dado já termos uma dívida muito grande acumulada e que precisa de ser diminuída mais tarde ou mais cedo e o balanço zero é algo de irrealista, pois não é razoável achar-se que o onze titular futuro será exclusivamente composto por jogadores da Academia… tudo bem que não acarretam custos de aquisição, mas arriscamo-nos a perder ainda mais competitividade devido a não colmatarmos posições onde os produtos da Academia podem não conseguir fazer a diferença. E sem competitividade não só não há forma de valorizar estes jovens das escolas do Sporting resultando em vendas por valores ridiculamente baixos como ainda entramos numa espiral negativa de menos receitas de TV, menos receitas das competições europeias, patrocínios e até bilheteira e quotas (dado que os próprios adeptos desmobilizam).
O ciclo virtuoso começa pois na competitividade e isso permite, entre outras coisas (como as receitas da LC), valorizar os jogadores e estes acabam assim por dar um excelente retorno ao clube quando são vendidos levando a que as receitas subam o suficiente para aligeirar a dívida e ainda reinvestir em áreas prioritárias, como contratação de bons jogadores ou aumento de salários dos que interessa manter, renovando este ciclo. Como ser competitivo, esta é pois a pergunta que todo o director do Sporting se deveria colocar a toda a hora e não como posso poupar o suficiente ou fazer malabarismos financeiros para ter um resultado financeiro positivo. Tudo começa na competitividade, mesmo que depois seja necessário efectuar ajustes para não prolongar situações de descontrolo financeiro, como foi o caso da época de 2001/2002 onde, apesar de termos sido campeões, acabámos por ter prejuízo de 23 M€. Essas correcções são fundamentais para manter a sustentabilidade, mas sem competitividade à priori estamos condenados. Comprar melhor, vender melhor, proporcionar melhores espectáculos e fazer render melhor os jogadores para atingir melhores resultados, “it all comes down to this” e para se conseguir tudo isto o requisito fundamental é ter uma estrutura de gestores e técnicos no futebol que seja suficientemente competente.
© Paracelsus 2010.