Por acaso já me tinha lembrado que com fim da Liga profissional, a altura era propícia para o Sporting reabrir a secção. Parece haver um consenso (embora ainda não se saiba se o Porto mantém a intenção de extinguir a modalidade) que a competição deve ser organizada pela FPB e ser não profissional. Só o Porto é quer manter o profissionalismo, porque os outros clubes querem é competir, independentemente da prova ser organizada pela Liga ou pela FPB.
[b]Os segredos do V. Guimarães, a equipa que abalou o basquetebol português[/b]
A cumplicidade entre os jogadores e o treinador ajuda a explicar a proeza minhota na Taça.
O próximo grande objectivo é integrar um campeonato com as melhores equipas nacionais
No V. Guimarães, os êxitos não se esgotam na equipa de futebol e na colagem ao segundo lugar da classificação do campeonato. Esta temporada, o clube segue imparável em várias modalidades e é o basquetebol que mais dá que falar, com a conquista inédita da Taça de Portugal. Qual “tomba-gigantes” do futebol, o conjunto minhoto derrubou o primeiro, o segundo e o terceiro classificados da Liga profissional, arrecadando o troféu mais importante da sua história e espoletando uma discussão que poderá levar à dissolução do actual escalão principal.
O feito da equipa - que se passeou ontem com o troféu conquistado no Alentejo, antes de disputar a penúltima jornada da Proliga -, abalou mesmo as estruturas do basquetebol luso, a ponto de o treinador dos minhotos, Fernando Sá, afirmar que “nem Liga nem Proliga são um modelo com sucesso suficiente, dado o desnível entre as equipas que disputam as duas competições”.
Posta em causa a superioridade competitiva da Liga principal em relação à Proliga, os clubes já estudam novos formatos competitivos. Os dirigentes do V. Guimarães recusam, por ora, fazer parte de um campeonato profissional. “Liga profissional não, obrigado”, afirma o director do basquetebol vitoriano Fernando Monteiro. “Se houver um campeonato não profissional que traga, por exemplo, um máximo de três americanos, estaremos dispostos a fazer parte dele. Se são 12, 14 ou 16 equipas, não interessa. Moldes profissionais é que não, porque é tempo de crise, as pessoas não pagam a ninguém e nós gostamos de dar a cara quando temos algum problema.”
O triunfo de Elvas, defende o responsável, deixou a nu todas as fragilidades do escalão maior: “Vimos muitos profissionais sem vontade de jogar, estavam ali a fazer um frete.” O contraste era claro com os jogadores do V. Guimarães, que só tem três profissionais a tempo inteiro: os americanos Tommie Eddie e John Winchester e o português Pedro Silva.
Chegar aos patamares de cumplicidade que se nota no V. Guimarães requer esforço e características especiais. Quem o diz é o director Fernando Monteiro. “É uma questão de carácter. O nosso grupo só é formado por pessoas boas”, explica o dirigente. Fernando Sá reforça a ideia: “Os dois americanos que trouxemos esta época são boas pessoas. O carácter é tão importante quanto o talento.”
Tommie Eddie, o poste norte-americano mais influente da equipa, fala ele próprio de “um grupo com gente excepcional”. “Quando há tanta cumplicidade entre treinador, jogadores e todas as pessoas que fazem parte do grupo, tens de dar sempre cem por cento”, sustenta. Na mesma linha está Carlos Fechas, o capitão da equipa: “Não há grupo mais unido e amigo.”
Liderança exemplar
Treinos sempre em inglês, leituras precisas e documentadas das características dos adversários, muitas gargalhadas. São as notas dominantes do trabalho que Fernando Sá leva a cabo todas as semanas. A equipa reúne-se todos os dias às 19h00, com a excepção da quarta-feira. E o treinador, metódico e rigoroso, equipa-se para participar nas sessões.
“Mistura-se com o grupo, como se ainda jogasse. Mas não perde com isso, pelo contrário”, assegura o “capitão” Fechas, explicando que o coach “não é líder por imposição, é líder natural e sabe vincar bem a sua posição”.
Fernando Monteiro, o director, destaca ainda “a ambição e o carácter forte” do antigo jogador do FC Porto: “É jovem, estudioso e tem vontade de lutar contra muitos impérios que existem no basquetebol nacional.”
Está para começar uma ronda negocial importante entre o V. Guimarães e o norte-americano Tommie Eddie, dono da camisola 13. Se a capacidade de decidir a renovação do contrato dependesse apenas da vontade das partes, já teria sido anunciada. O problema é que a cotação de Tommie Eddie tem subido em flecha e já é do conhecimento de clubes estrangeiros.
O poste de 25 anos não é só o jogador que mais pontos marca na equipa: tem revelado especial vocação para decidir jogos - foi assim na final a oito da Taça de Portugal, onde somou 75 pontos em três partidas e ainda terminou com um duplo-duplo de 27 pontos e 11 ressaltos. Em regra, quando Tommie Eddie está na melhor forma, o V. Guimarães ganha. Dificilmente as proezas do poste americano se ficam pelo significado estatístico.
“Esta época está a correr-me bem, melhor do que esperava”, reconhece o jogador, que de Portugal só conhecia o jogador Justin Burns. Do alto dos seus 2.01 metros e 116 quilos, é mais parecido com uma “fera” do futebol americano do que com uma estrela do basquetebol. E perdeu cinco ou seis quilos desde que chegou à Cidade-Berço. “São muitas elevações. Agora estou no peso ideal”, ri-se.
O mais curioso é a agilidade e a velocidade de movimentos que demonstra com uma compleição física tão imponente. A equipa tira partido dela. É a arma que mais usa para desassossegar os adversários. “Ser possante tem sido uma vantagem”, confirma, contando que admira Michael Jordan, o ídolo da sua meninice em Brooklyn, onde o nome de Connie Hawkins continua a ser o mais dourado. Chegou a estudar no mesmo liceu de Hawkins, a antiga lenda do basquetebol americano. Mas nem isso o desviou da preferência por Jordan: “Só me inspiro nele.”
A excelente adaptação a Guimarães não significa que fale português. Arrancar-lhe palavras que não tenham o sotaque nova-iorquino é tão difícil como tirar-lhe a bola das mãos. “Só sei bad words”, atira. E não precisa da língua de Camões para treinar porque as sessões são em inglês. “É claro que isso ajuda”, responde, quando se pergunta a razão para se ter destacado tanto, depois de ter sido pouco utilizado em equipas americanas. “É isso, é um treinador fantástico que tanto parece um de nós como parece o Freddie Kruger [risos]. É também a ajuda do “Karl Malone” Pedro Silva, que se farta de falar comigo”, justifica.
O grande sonho é chegar à NBA “dentro de dois anos”. Se isso acontecer, não terá de explicar o que faz à família. “Telefonei de Elvas a dizer que tinha ganho uma Taça portuguesa. A minha mãe ficou na mesma: “Uma Taça de quê, baby?”. Nunca ouviram falar do basquetebol português. Vou trazê-los cá.” M.R.D. As prestações de Tommie Eddie ao serviço do V. Guimarães já despertaram o interesse de clubes estrangeiros.