SCP Europeu vs. SCP Doméstico - tentando explicar as 2 faces da equipa

Tenho andado alheado desta coisa degradante e patética em que transformaram o Sporting Clube de Portugal, e depois de ver os relatos da última AG, começo a achar que é mesmo essa a melhor coisa a fazer por qualquer sportinguista que queira manter a sanidade mental: alhear-se, afastar-se e esperar pacientemente que a oligarquia se destrua a ela própria; quando se der a implosão cá estaremos para pegar nos pedaços do clube e começar a sua reconstrução; isto para os sportinguistas que queiram manter a sanidade mental, porque os “verdadeiros sportinguistas” estarão demasiado ocupados a chamar filho-da-pu ta quem manifesta opiniões contrárias às da direcção ou a quem não tem um tetravô que já foi dirigente do clube e já ganhou um Prémio Stromp. Tenho andado alheado, dizia eu, mas não tanto que não me tenha apercebido da diferença de produtividade da equipa entre as competições nacionais e a Euroliga. E foi a reflectir nessa estranha e curiosa dissonância que gastei os 4 minutos diários que actualmente dedico ao clube que já só me inspira saudade e pouco mais.

À data em que escrevo este texto, o registo no campeonato é de 2 vitórias, 3 empates e duas derrotas, com 6 golos marcados e 6 golos sofridos, enquanto na Euroliga contam-se 6 vitórias e 1 derrota, com 18 golos marcados e 5 golos sofridos. A explicação que mais se tem invocado para explicar esta disparidade de resultados é a da eficácia, presumo eu que por sugestão do treinador, que no fim de um jogo (Olhanense?) veio ao bom estilo do Kalimero choramingar-se pela falta de eficácia atacante para justificar o mau resultado obtido. Mas mesmo que a explicação estivesse na eficácia do ataque (e creio que não está, embora não tenha aqui os rácios entre golos marcados e remates ou ataques) essa explicação seria insuficiente porque levaria a outra pergunta: por que é que a eficácia atacante é maior nos jogos da Euroliga do que nos jogos do campeonato? Ou seja, voltamos à questão inicial, com tudo a resumir-se à competição em causa: o que há de diferente entre uma competição e outra para que a produtividade da equipa se altere tão drasticamente? O que tem havido de comum entre os vários jogos do campeonato para que o desempenho nesses jogos tenha sido sistematicamente mau, e o que tem havido de comum entre os jogos da Euroliga para que o desempenho nesses jogos tenha sido sistematicamente mau? Avanço com várias hipóteses:

Diferentes tácticas na abordagem aos jogos
Comentando a goleada ao Gent na semana passada, o António Tadeia dava a entender que nos jogos da Euroliga a equipa se apresentava com jogadores capazes de transições defesa-ataque mais rápidas e mais capazes de criar desequilíbrios e mudanças de velocidade, coisa que não acontecia nos jogos do campeonato, em que a escolha de jogadores mais lentos para defrontar as defesas em bloco das "pequenas” equipas nacionais comprometia o sucesso do ataque. Pessoalmente, custa-me a crer que frente a equipas de orçamento 5 a 10 vezes inferiores como o Beira-Mar, Olhanense ou P. Ferreira, uma mera opção táctica tenha assim tanto peso no resultado final, ou que frente a essas mesmas equipas um jogador do Sporting não seja tecnicamente capaz de fazer aquilo que um jogador de alternativa do Sporting não é. Mas se residir aqui a explicação para o problema, então será caso para perguntar por que é que o treinador usa abordagens diferentes e não muda uma abordagem que ao fim de 7 jornadas e 2 meses tem dado resultados medíocres, ou seja, por que é que nos jogos do campeonato faz tábua rasa de uma estratégia que tem dado bons resultados na Euroliga?

Diferença de motivação dos jogadores
Quer queiramos quer não, à partida a motivação de qualquer jogador para jogar uma partida de uma competição doméstica é menor do que a sua motivação para disputar uma partida de nível internacional, mesmo quando esta última é contra equipas de segunda linha europeia como o Gent, o Dínamo-não-sei-quê que ou o Levanapeida. Além de ser muito mais prestigiante disputar uma partida de nível internacional do que uma de âmbito nacional, a primeira constitui uma montra que não se pode comparar à segunda em termos de exposição, reconhecimento, valorização e consequentemente de criação de oportunidades de contratação. Geralmente um jogador correrá mais, estará mais concentrado e empenhar-se-á mais quando sabe que está toda a Europa a ver do que quando só está a ser visto por um país onde, no presente caso, não chegará mais longe do que já chegou (a menos que seja uma maçã tão podre que cause a cobiça do clube mais poderoso do país e aí sim, chegará ao topo a nível nacional). Se for esta a explicação para a disparidade de resultados é preocupante, porque qualquer jogador devia ter interiorizada a ideia de que deve dar o máximo quer jogue contra a Juventus quer jogue contra o Estoril, esforçando-se por contrariar o que é mais natural, e se isso não está interiorizado é porque não lhe está a ser incutida eficazmente essa mentalidade. Mas é compreensível, atendendo à presente situação institucional e financeira do clube, que, não oferecendo nem bons salários nem perspectivas de sucesso, leva a que os jogadores caiam na tentação de só pensar em termos colectivos na medida em que isso sirva os seus interesses privados. Ora, o interesse privado de um jogador que está num clube que não oferece bons salários nem perspectivas de sucesso, é pôr-se a andar dali para fora assim que haja uma boa oportunidade para tal. E essas oportunidades surgirão mais facilmente se o jogador se mostrar na melhor montra, ou seja, nos jogos das competições Europeias. Multiplicando este efeito pelos vários jogadores que estiveram nessa situação, resultará necessariamente um melhor desempenho da equipa no seu todo em jogos das competições europeias do que em jogos das competições domésticas, que é o que se verifica.

Investimento na Euroliga em detrimento do campeonato
Acho esta hipótese muito pouco provável, mas não posso deixar de a considerar. Tendo ficado claro desde bem cedo que nesta época não conseguiríamos rivalizar com SLB e FCP (e esta é uma asserção bastante simpática, pois há comentadores que chegam a dizer que actualmente nem com o Sporting de Braga conseguimos rivalizar) e face às escassas possibilidades de conquista do campeonato, pode ter-se tomado internamente a decisão de relegar esse objectivo para 2º plano e dar prioridade a uma boa campanha (quem sabe até à vitória na final) na Euroliga, a qual, por ser disputada por eliminatórias na sua fase crucial, não exige grande regularidade de resultados e por isso oferece mais possibilidades a equipas teoricamente mais fracas (basta pensar que, em teoria, uma equipa pode até vencer a competição sem vencer um único jogo ou marcar um único golo na fase de eliminatórias bastando-lhe não sofrer golos e assegurar a passagem à eliminatória seguinte através do desempate por grandes penalidades). Com é que, do ponto de vista de quem tem responsabilidades técnicas e directivas, se processa o investimento numa competição em detrimento de outra? Dedicando mais tempo a estudar os adversários actuais e potenciais da competição prioritária; dedicando mais tempo a fazer treinos de preparação específicos para os jogos dessa competição; optando com mais frequência pelos jogadores com mais qualidade e em melhor forma nos jogos dessa competição, e fazendo-os descansar nos jogos da outra; agendando os jogos de forma a que o calendário favoreça o desempenho na competição preferida; não se desgastando em guerras políticas e clubísticas com adversários da competição não-prioritária e manter-se tão neutro quanto possível. Do somatório de todos estes actos de gestão resultará um melhor desempenho desportivo na competição prioritária relativamente à competição relegada, e consequentemente mais vitórias, mais golos marcados e menos golos sofridos na primeira relativamente à segunda, que é o que acontece no nosso caso.

Excesso de confiança por parte dos adversários da Euroliga
Pode ainda dar-se o caso de o bom desempenho da equipa nos jogos da Euroliga não se dever a mérito próprio mas ao demérito dos adversários, mais concretamente por estes subestimarem o valor da nossa equipa e se apresentarem com excesso de confiança e sem o empenho e atenção necessários, sendo então surpreendidos por um leão que não é tão como o pintam. “Mas por que raio é que equipazecas de 2ª linha europeia haveriam de subestimar e não respeitar o Sporting Clube de Portugal?”, vociferam já alguns. Respondo: Porque apesar de o Sporting ser grande, não se destaca nas competições europeias há 5 anos, tendo pelo meio sofrido goleadas de má memória; mas sobretudo porque para conhecerem a equipa de Paulo Sérgio e prepararem os jogos, os adversários tiveram que se basear em observações de jogos do passado recente (os da época passada e os do início desta época) e o que esses jogos revelaram foi uma equipa fraca cheia de fragilidades, que perdeu recentemente 2 dos seus jogadores fulcrais e não foi reforçada ao mesmo nível. São estas observações que podem conduzir a um excesso de confiança por parte dos adversários da Euroliga e à incapacidade de reagir à surpresa quando verificam que a equipa foi sub-avaliada. A nível do Campeonato é pouco provável que isto se verifique, porque do ponto de vista doméstico o Sporting é o mais respeitado e há, por parte dos treinadores dos clubes portugueses um maior acompanhamento da nossa equipa, um conhecimento mais profundo, e uma gestão de risco mais eficaz que, aliada ao maior ânimo dos jogadores por defrontarem um “grande”, se traduz em melhores desempenhos por parte dos adversários nacionais.

Poder-se-ia ainda invocar o estafado argumento da sorte, do azar e do fadinho do Sporting Clube dos “Projectos Atormentados” para explicar os maus resultados no campeonato. Mas esse argumento já é usado há tanto tempo e de forma sistemática dos dirigentes e responsáveis que não passam de incompetentes, que já se apercebeu que esse é, acima de tudo, o argumento de quem não gosta de assumir os seus erros e as suas responsabilidades. E portanto não é um argumento que se possa levar a sério. Assim, creio que a explicação para haver uma diferença tão significativa entre a produtividade da equipa na Euroliga e a produtividade da equipa no campeonato, passa por uma das 4 hipóteses anteriores ou então, se calhar até mais provavelmente, passa por uma mistura de todas, com cada um delas contribuindo em maior ou menor grau para o produto final. Independentemente das causas, há uma conclusão indiscutível que se retira desta disparidade de desempenhos, e que acho chocante e sintomática do actual estado do clube: é que a equipa não está a aplicar em campo a totalidade do seu potencial. E quando assim é, não há vitórias nem goleadas que unam e motivem os sportinguistas e acabem com a crise, porque resultados pontuais não abafam a mediocridade global; se abafassem, estariam muito mais de 15 mil espectadores no jogo frente ao Gent.

Mais um excelente texto do Eddie, concorde-se ou não na generalidade com as suas considerações.

Realmente, apesar de eu não me incluir no grupo de Sportinguistas no qual o Eddie se inclui, acho que só podemos analisar o momento do clube com algum distanciamento, distanciamento esse que permite que sejamos frios e objectivos.

Estou em crer que a diferença entre o Sporting para consumo interno e o Sporting da Euroliga resida na súmula de explicações que o Eddie enuncia. A diferença é tão evidente que seria redutor estar a encontrar apenas uma explicação. Tem que haver mais do que uma.

Mas, nas palavras do Eddie, nota-se tristeza.

A tristeza que todos os Sportinguistas sentem por vermos o nosso Clube completamente arredado da conquista do título ainda antes do 1º terço do campeonato estar concluído.

A tristeza de ver que a equipa não dá indicações de que poderá fazer muito melhor, apesar de obviamente o poder fazer, pois tem matéria prima de alguma qualidade que permite legitimamente esperar que façamos melhor do que um Braga, este ano a sentir muito mais dificuldades do que no ano passado.

A tristeza de ver que o clube não tem ninguém com competência para O servir, antes tem muita gente com competência para se servir dele.

A tristeza de ver que se continuar muito mais tempo pelo caminho que actualmente trilha, o fim do Sporting como nós o conhecemos se aproxima rapidamente.

Afinal, o Sporting não tem duas faces. Tem apenas uma. A face do desespero. O desespero sentido por todos os Sportinguistas. Os que sofrem todos os dias e os que dizem que não sofrem. Os que vociferam nos jogos contra a bola na trave ou nos postes, os falhanços descarados, os erros de arbitragem, e os que dizem que não vociferam. Os que perdem noites de sono a pensar para onde vai este Sporting e os que dizem que não perdem. Os que veêm e leêm entrevistas patéticas e se sentem completamente perdidos com o que veêm e leêm e os que dizem que não o fazem.

Sim, o Sporting só tem uma face. Usa é às vezes uma máscara. E por isso é que nós não o reconhecemos. E somos enganados. Enfim, triste sina a nossa.

Parabéns Eddie. :clap:

Porque será? È de certeza do foro psicológico e não sei se o “dr.” Paulo Sérgio terá condições de extirpar essa maleita. Que há uma diferença abissal na forma como de encara, como se entra numas partidas e outras é escandalosamente evidente. E não basta dizer que é a barra que são só os adversários… é mais a mentalidade com que não reagimos, contrariamos marcações mais cerradas e fechadas.

Bom ponto de vista…

Grande texto mais uma vez, apenas discordo de uma coisa, acho que entre as razões para a melhor produtividadena liga europa a nossa abordagem táctica não tem qualquer influência, pois na minha opinião é mais ou menos a mesma em todos os jogos (como é possivel verificar no caso do jogo com o gent e depois com o rio ave), acho que um dos factores para o sucesso na liga europa é a observação e consequente fraca abordagem táctica por parte do nosso adversário na liga europa, a forma como nós abordamos os jogos acho que é igual só que em Portugal todas as equipas sabem como o fazemos e como parar e na Europa isso não acontece, isto misturado com a motivação que os jogadores levam que na minha opinião é o grande impulsionador dos jogos europeus faz-nos ter grandes jogos europeus e péssimos jogos domésticos.

Para mim, a diferença de produtividade nas duas provas reside em dois aspectos:

  • Como já foi referido, o conhecimento que de nós têm os adversários europeus não será o melhor. O campeonato português não tem o mediatismo de outros, e não acredito que os belgas, checos ou franceses percam tempo a ver jogos da nossa liga. Em sentido contrário, note-se que também nós não assistimos com regularidade a jogos dessas ligas, com excepção da Jupiler League, onde joga o Cercle, pelos motivos que conhecemos. Em contrapartida, em Portugal todos os nossos adversários conhecem a nossa forma de jogar (se é que temos um estilo definido…), e quais os nossos pontos fracos. Os jogos são analisados ao pormenor, em inúmeros programas televisivos, e existem ainda 3 diários desportivos, que passam a pente fino o quotidiano das equipas, e adiantam com algum rigor os “11” prováveis para os jogos vindouros, isto para não falar das transmissões dos jogos, e maior facilidade em observar os nossos jogos in loco.

  • Outro ponto que me parece importante, quiçá O ponto, é o facto de, nas competições europeias, as equipas não jogarem tão fechadas. Claro que terão preocupações defensivas, mas raramente se veêm autocarros. Isso permite aos nossos jogadores maior facilidade em chegar à área contrária. Pelo contrário, na liga interna, os nossos adversários fecham-se muito. Ora, não tendo nós um jogador que consiga acelerar o jogo (não confundir com correr com a bola, mas sim fazer passes ao 1º/2º toque, ou passes de ruptura), o nosso futebol lento e previsível é facilmente anulado. Não havendo inspiração (poderia ser o Fernandez a ter este papel, mas tarda em explodir…), é imperativa a existência de transpiração, ou seja, capacidade para chegar primeiro à bola, para ganhar ressaltos, fazer pressão alta, e não é isso que se tem visto, com excepção da hora do aperto (leia-se, últimos minutos, com resultado desfavorável).

Não me parece uma questão de motivação, pois, apesar da montra europeia, os adversários são de 2ª ou 3ª linha, ou táctica, já que o 4-4-2, que goleou o Gent, viu-se às aranhas com o Rio Ave, e o 4-3-3, que atropelou o Levski, não venceu o Beira-Mar.

Um abraço…

Pode-se teorizar sobre quais as razões de tão diferente «performance» mas só se pode fazer uma avaliação justa quando tivermos que defrontar uma equipa de valor mediano.
Diga-se que, até ao momento. os nossos adversários tem sido bastante medíocres, excepção feita ao jogo de Lille em que prevaleceu um signo de sorte pela entrada verdadeiramente leonina da nossa equipa que fez 2 golos em 2 ocasiões e, apartir daí, limitou-se a defender férreamente a vantagem que ficou ameaçada até ao último momento do jogo.
Os outros 2 jogos não têm história, por força da fraqueza dos oponentes…
Já no campeonato, a defrontarmos equipas bem conhecedoras do nosso tipo de jogo, tem se visto muita facilidade em controlar o ataque do Sporting, dado não haver, sobretudo um meio-campo eficaz e eficiente(aqui, gostaria de referir que, para mim, o nosso melhor elemento do meio-campo é, por estes dias, João Pereira, o nosso suposto defesa lateral direito!!) e isto deve-se ao afastamento de jogadores que trouxessem classe e qualidade: Moutinho e Veloso!
Finalmente, quanto ao treinador, o seu nível é, óbviamente, demasiadamente fraco para liderar uma equipa com os objectivos do Sporting… mas diga-se, de resto, que todas as partes responsáveis, envolvidas na construção deste modelo 2010/2011, equivalem-se em valor qualitativo!
Como já referi anteriormente, o campeonato será um 4º ou 5º lugar no somatório de resultados mais ou menos conseguidos, e a Liga europa terá o seu fim quando tivermos que defrontar uma equipa com algum valor mediano…!

Concordo que a questão motivacional seja a mais importante para explicar as diferenças ( o que é vergonhoso para os nossos jogadores, técnicos e dirigentes ); penso que a questão táctica também terá alguma importância, não pela nossa abordagem mas pela abordagem dos nossos adversários… na Europa estes jogam mais abertos e fazem o jogo pelo jogo, em Portugal tendencialmente jogamos contra equipas mais fechadas, o que num plantel em jogadores desequilibradores, fortes no um para um, marcar o primeiro golo seja um martírio… de resto, no texto do Eddie abordam-se questões estruturais com as quais, infelizmente, estou de acordo.