Cresci num tempo em que as transmissões televisivas de jogos de futebol eram raras. À parte os festins dos Mundiais e, em menor escala, dos Europeus, tinha-se direito às três finais europeias, aos jogos fora de casa da Selecção, à final da Taça de Portugal e pouco mais. Assim, o radio era o melhor meio para acompanhar o futebol aos fins-de-semana e a narração um elemento primordial na experiência das emoções do jogo. Por isso, ainda hoje não consigo seguir o conselho do poeta Artur e ouvir Brahms enquanto vejo bola; nem deixar de lamentar a decalage de três ou quatro segundos entre a rádio e a imagem do cabo.
Claro que a falta de imagem criou uma propensão para o exagero que não tínhamos maneira de contrariar; se o narrador delirava com um Salgueiros - Fafe na lama do Vidal Pinheiro, tínhamos de aceitar a sua palavra. Já com a TV, o problema é o contrário. Como o telespectador tem alguma ideia do que se passa, os relatores sentem-se inseguros e tendem a cair registo oposto, ensonado e redundante.
Mas, às vezes, os relatores na rádio e na TV estão à altura da ocasião, e as suas palavras e tom tornam-se tão icónicos como os grandes momentos desportivos que descrevem. Aqui ficam cinco grandes exemplos:
5. Bjorge Lillelien, TV Norueguesa, Noruega-Inglaterra, Espanha '82 (Qualificação)
“Lord Nelson! Lord Beaverbrook! Sir Winston Churchill! Sir Anthony Eden! Clement Attlee! Henry Cooper! Lady Diana! Maggie Thatcher - can you hear me, Maggie Thatcher?! Your boys took one hell of a beating!! Your boys took one hell of a beating!!”
Um dos grandes escândalos do início da década de 80 foi a derrota da Inglaterra em Oslo, face a uma Noruega cuja maioria dos jogadores nem sequer era profissional. A surpresa foi tanta que, com apito final, o eufórico relator da TV norueguesa entrou numa diatribe em inglês que ficou célebre.
http://www.youtube.com/watch?v=PqZTP8-8wIs
4. Fabio Caressa, Sky Sports Italia Alemanha-Itália, Alemanha '06
“Palla tagliata… Messa fuori… C’é Pirlo, Pirlo! Ancora Pirlo!.. Di tacco! Tiro…! GAAAAAAAAAAAAAHHHHH!”.
Pode ser o meu fraco pelos azzurri a falar, mas é uma magnífica peça de relato. Tem um toque de histéria, mas inteiramente ajustado a quem vê o seu defesa-esquerdo assegurar um lugar numa final do Mundial com um golo fabuloso a um minuto do fim do prolongamento. O relato do golo de Del Piero em cima do apito final é igualmente fantástico.
http://www.youtube.com/watch?v=g7_2qI-VQYM&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=jNiNwsXoGmM (do lado alemão)
- Comentadores da Radio Caracol, Argentina-Colômbia, EUA '94 (Qualificação)
“Ataca Colombia! Ataca El Tino! El Tino! El Tino! Incredible! Incredible! Incredible! [ouve-se a histeria geral no estúdio] GOOOOOOOOOOOOOOL dééééé Colooommbia!!!
Um post destes não podia deixar de ter uma homenagem aos grandes narradores sul-americanos, que inventaram a narração “colorida” que é hoje regra na rádio. Acabaria tudo de forma horrível nove meses depois, mas naquela noite no Monumental de River Plate em Buenos Aires, Valderrama, Asprilla, Rincon & Cia. humilharam os então vice-campeões do mundo e detentores da Copa América com uns estrondosos 5-0 e selaram o 1º lugar na fase de qualficação sul-americana. A citação é do 4º golo, um chapéu fantástico de Asprilla da quina da área, mas a mistura de exuberância e incredulidade em qualquer um deles é uma jóia .
http://www.youtube.com/watch?v=MyvnXemunk0 (video com os relatos dos dois lados)
- Jack van Gelder, NOS Radio, Argentina-Holanda, França '98
Esta tenho de pedir ao Groeneleeuw para transcrever. Mas a emoção transmitida é universal: o comentador holandês comovido até às lágrimas enquanto Dennis Bergkamp decidia uns quartos-de-final de um Mundial aos 89’, com a frieza e a perfeição técnica de um ginasta chinês.
http://www.youtube.com/watch?v=exlBHTyB1R0
- Jorge Perestrello, TSF, AZ – Sporting, Taça UEFA 2004-5
“Último minuto da partida. Último minuto, Sporting! Vai ser levantado o pontapé de canto lá pela esquerda… Pontapé de canto vai ser levantado… Coração da área…! … Golo! Golo! Golo! […] Eu te amo! Eu te amo Sporting!”
O último relato da vida de Jorge Perestrello, que morreria algumas horas de enfarte. Se alguém me perguntar como resumir resumo o misto de raiva, amargura, esperança e loucura que são necessários para se ser do Sporting, ofereço-lhe este minuto e doze segundos. Agora desculpem-me enquanto vou buscar um lenço.
http://www.badongo.com/pt/vid/49041
http://www.youtube.com/watch?v=zn-MOBOgiN8 (do lado holandês)