Um adepto norte-irlandês morreu na madrugada de hoje, horas depois do jogo Polónia-Irlanda do Norte (1-0), do Euro’2016 de futebol, ao cair de uma altura de oito metros para o mar em Nice, informou a polícia francesa.
O adepto, na casa dos 20 anos, sofreu uma queda de sete a oito metros para o Mediterrâneo por volta das 2h00, revelou fonte da polícia à agência AFP.
A situação levou a que fosse aberta uma investigação para determinar a causa da morte, que se pensa ter sido acidental e não ter qualquer ligação com os confrontos entre adeptos que aconteceram em Marselha.
Ao contrário do que se viveu no sábado, por ocasião do Inglaterra-Rússia (1-1), o jogo de domingo em Nice, também do Euro’2016 de futebol, não provocou problemas, embora no dia anterior adeptos norte-irlandeses e locais se tenham envolvido em confrontos.
Mais graves foram, no entanto, os incidentes de Marselha, entre ingleses e russos, que resultaram em 35 feridos, quatro dos quais em estado grave.
Que vergonha! Não sei se a policia e as autoridades francesas têm culpa. Mas a verdade é que quando um grande grupo de pessoas decide fazer porcaria, não há policia que as consiga parar.
Inglaterra e Russia deviam ser mandadas para casa. Ou ficavam proibidas de ir ao próximo europeu.
[b]"O futebol é um sucedâneo moderno da guerra"[/b]
Os sucessivos episódios de violência no Euro 2016 só surpreendem os mais distraídos. O fenómeno do hooliganismo é crescente no leste europeu e agrega manifestações racistas e de xenofobia. A Renascença falou com o sociólogo João Sedas Nunes que sublinha a simbologia violenta e militar do futebol. O investigador lamenta que as autoridades não tenham feito o trabalho de casa.
Os casos de violência que surpreendem quem acompanha o Euro 2016 traduzem o crescente fenómeno do hooliganismo no Leste Europeu.
Os adeptos russos têm sido protagonistas dos episódios violentos que varrem as cidades francesas no europeu de futebol, um facto que não surpreende João Sedas Nunes.
O professor auxiliar da Universidade Nova de Lisboa, com trabalhos de investigação na área da sociologia do desporto e futebol, lembra ser um fenómeno conhecido em países como a Rússia e a Polónia de onde surgem notícias recorrentes de grupos de adeptos “cuja dimensão ainda não está inteiramente estimada e que se envolvem em confrontos físicos agregando manifestações de xenofobia e racismo”.
Futebol como sucedâneo da guerra
O especialista sublinha “a dimensão de violência simbólica no futebol tal como noutros fenómenos sociais da vida moderna”, e chama a atenção para a linguagem guerreira e militar do desporto rei, uma das principais indústrias à escala global.
A linguagem futebolística corriqueira, acrescenta, está cheia de termos militares. “Já pensaram na expressão ponta de lança e outras semelhantes?”, questiona o sociólogo que conclui haver “um lastro militar e uma linguagem muito ligada a uma cultura guerreira”.
João Sedas Nunes não hesita por isso em considerar o futebol como “uma espécie de sucedâneo moderno (e mais pacífico) da guerra que tem nas fracturas nacionais uma das formas fundamentais de se constituir”.
O investigador alerta ainda para a gramática violenta que o futebol envolve como “a gramática da hostilidade, da vexação, da desqualificação individual e colectiva. E “isso faz parte do universo do futebol”, sublinha.
Questionado sobre se os desenvolvimentos recentes no Europeu de França poderão ser associados ao actual momento político na Europa e à crise migratória, o professor universitário diz não encontrar ligação directa. Ainda assim admite que o momento político “pode dar lastro para as narrativas nacionalistas dos grupos mais radicalizados”.
Eventual falhanço das autoridades
Todos os elementos descritos poderão permitir assumir que a eclosão de cenas de violência no europeu era previsível. Razão pela qual João Sedas Nunes considera ter havido falhas na forma como as autoridades policiais preparam o Euro 2016.
O sociólogo lembra que no quadro da organização de grandes eventos desportivos, sobretudo no futebol, uma espécie de colaboração das polícias europeias no sentido de controlar e monitorar grupos mais radicais. O investigador coloca a hipótese de tal não ter acontecido “sobretudo do lado russo, onde a situação não foi controlada, autoridades polícias e políticas não fizeram o trabalho de casa”.
Nesta entrevista à Renascença, o professor de Sociologia sublinha, contudo, a dificuldade em impedir actos violentos durante grandes manifestações desportivas, mas sugere modelos de actuação para evitar violência sobre violência.
Sedas Nunes recupera a ideia da simbologia violenta do futebol para sugerir que apenas a violência física deve ser prontamente reprimida. “A hostilidade e a vexação realizam-se apenas de forma simbólica, através dos cânticos por exemplo, pelo que não se deve reprimir todas as formas de adversativa simbólica mesmo como modelos desqualificadores, mais violentos”. Caso contrário, acrescenta, “a violência vai aumentar”.
A violência, conclui João Sedas Nunes, um apreciador confesso de futebol, “é ela própria uma característica intrínseca da prática futebolística, do futebol jogado e falado”.