Parte I
Há alguns anos, numa daquelas visitas de estudo que visam o enriquecimento académico mas que o convívio com uns vapores etílicos e as alunas de Erasmus fazem questão de transformar numa experiência de enriquecimento pessoal, desloquei-me com os meus colegas de curso e uma professora até à Serra da Cabreira. O objectivo era efectuar um passeio pedestre pela serra durante dois dias e contemplar a geografia física, fauna e flora da região. A certa altura da caminhada, começou a pairar por entre o grupo uma sensação colectiva de déjà vu, como se o local por onde estávamos a passar nos fosse familiar, até que deparámos com a mesma pilha de troncos cortados pela qual tínhamos passado três horas antes e fomos obrigados a aceitar a embaraçosa realidade: estávamos a andar em círculos. A professora não sabia usar a Geringonça Para Se-saber-o-caminho (GPS).
Houve quem atribuísse a desorientação ao cansaço e ressaca da noite anterior, mas a explicação era mais simples, como se verifica numa experiência feita por investigadores de um instituto alemão e recentemente divulgada (ver anexo), a qual passo a resumir. Na experiência descrita pretendia testar-se a capacidade dos seres humanos para manterem uma trajectória fixa e rectilínea em terreno desconhecido. Para isso foram colocados vários indivíduos em dois ambientes diferentes (floresta e deserto) e com uma paisagem muito homogénea e foi-lhes pedido que efectuassem percursos o mais rectilíneos possíveis durante várias horas sem o auxílio de qualquer mapa ou instrumento de orientação (bússola, GPS, etc). As trajectórias dos indivíduos foram seguidas pelos investigadores através de GPS e encontram-se representadas nas figuras abaixo:
Nesta imagem representa-se as trajectórias percorridas numa floresta. As linhas azuis são as trajectórias de indivíduos que caminharam em dias de nevoeiro enquanto as linhas amarelas são as trajectórias de indivíduos que caminharam em dias em que o sol era visível.
Nesta segunda imagem representa-se as trajectórias percorridas num deserto. As linhas vermelhas são as trajectórias de indivíduos que caminharam durante o dia (sol visível) enquanto a linha azul é a trajectória de um indivíduo que caminhou durante a noite, sendo que na durante a primeira parte da caminhada a lua era visível e na segunda parte deixou de ser.
A conclusão retirada pelos autores da experiência é a de que o ser humano necessita de pontos de referência visual de maneira a manterem trajectórias definidas e rectilíneas. No caso desta experiência os pontos de referência usados pelos caminhantes na floresta e no deserto foram o sol e a lua, os únicos pontos de referência visíveis num ambiente desconhecido e homogéneo. Quando esses pontos de referência não eram visíveis (caso da floresta no dia de nevoeiro e caso do deserto durante parte da noite), os indivíduos tendiam a descrever trajectórias circulares, em alguns casos cruzando várias vezes o mesmo ponto.
Esta tendência para o ser humano caminhar em círculos foi confirmada com uma experiência adicional, em que se pediu às pessoas para caminharem em linha recta de olhos vendados, sendo estas as trajectórias descritas:
Parte II
Serve este paleio todo para contextualizar a interpretação que faço de um estado de alma de grande parte da nação sportinguista. Também os sportinguistas andam desorientados e sem rumo. A desorientação é tanta que o próprio discurso e mentalidade acabam por assumir um carácter circular. Reparem:
a) Diz-se que não podemos aspirar à conquista do campeonato porque não temos o mesmo orçamento dos outros candidatos; e depois diz-se que não temos o mesmo orçamento dos outros candidatos porque não ganhamos campeonatos e não usufruímos das mais-valias financeiras daí decorrentes.
b) Diz-se que não podemos aspirar a ter o mesmo orçamento dos outros candidatos porque temos um passivo estrangulador; e depois diz-se que temos um passivo estrangulador porque não temos orçamento para fazer investimentos e realizar mais valias que permitam o abate do passivo.
c) Dizia-se que o património imobiliário teria que ser vendido porque não se conseguia abater o passivo de outra forma; e depois dizia-se que não se conseguia abater o passivo de outra forma porque não se rentabilizou o património imobiliário adequadamente.
d) Diz-se que não se justifica a construção de um pavilhão porque as pessoas não vão aos jogos das modalidades; e depois diz-se que as pessoas não vão às modalidades porque não há pavilhão perto do estádio.
e) Diz-se que não há dinheiro para pôr a equipa a ganhar e a jogar bem porque as pessoas não vão ao estádio e não apoiam; e depois diz-se que as pessoas não vão ao estádio e não apoiam porque não há dinheiro para pôr a equipa a ganhar e a jogar bem.
f) Diz-se que a equipa tem que ser jovem e inexperiente porque não há dinheiro para comprar craques; e depois diz-se que não há dinheiro para comprar craques porque a juventude e a inexperiência não permitem o retorno financeiro da bilheteira, dos títulos e das prestações na Europa.
Parte III
Sem saber qual é o caminho, sem saber em que direcção o clube vai, desculpando a consequência com a causa para depois desculpar a causa com a consequência, entrámos num círculo vicioso do qual não nos conseguimos libertar. Da mesma forma que o caminhante do deserto desconhecido ou a pessoa de olhos vendados facilmente se desorientam acabando por andar em círculos, também o Sporting e os sportinguistas parecem andar desorientados ou cegos. No caso do caminhante é preciso um ponto de referência que lhe sirva de guia e permita definir uma direcção concreta. No caso do Sporting, só vejo uma solução para interromper o círculo vicioso a que nos encontramos amarrados e tomar o caminho em frente: encontrar (ou reencontrar) a sua própria referência e seguir a direcção por ela apontada.
A história e os pergaminhos do clube tornam-se referências cada vez mais longínquas e pálidas aos olhos de uma geração que cresce desapaixonadamente a assistir a goleadas humilhantes, a assistir ao afastamento dos adeptos e a ouvir o discurso derrotista e conformista daqueles que deviam ser os primeiros a cultivar a mentalidade de vitória e a perpetuar o sonho do fundador. Portanto parece-me que a referência terá que ser alguém que saiba apontar o caminho em frente e quebrar o círculo, alguém em que os sportinguistas possam confiar e com o qual se identifiquem; numa palavra: um líder. Não sabendo quem será esse líder, nem sabendo que caminho terá que ser tomado, acredito todavia numa coisa: da mesma maneira que um caminhante no deserto, apesar de desorientado, percebe que o caminho não passa por ficar de pernas cruzadas à espera de boleia, tem que se perceber que no caso do Sporting o caminho não passa apenas por “mais um bocadinho de treino” ou por esperar por “mais uma pontinha de sorte”. E o presidente que não perceber isso não tem os requisitos mínimos para ser o líder que o Sporting Clube de Portugal precisa nesta fase da sua história.
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