Poemas

Para os amantes de poesia como eu, um espaço para postarem os vossos poemas preferidos, ou mesmo os vossos poemas.

Estou sempre à espera de encontrar novos poetas, pode ser que nos ajudemos uns aos outros.

Vou começar com um dos meus preferidos, de Alfred Noyes.

The Highwayman

The wind was a torrent of darkness upon the gusty trees,
The moon was a ghostly galleon tossed upon cloudy seas,
The road was a ribbon of moonlight looping the purple moor,
And the highwayman came riding–
Riding–riding–
The highwayman came riding, up to the old inn door.

He’d a French cocked hat on his forehead, and a bunch of lace at his chin;
He’d a coat of the claret velvet, and breeches of fine doe-skin.
They fitted with never a wrinkle; his boots were up to his thigh!
And he rode with a jeweled twinkle–
His rapier hilt a-twinkle–
His pistol butts a-twinkle, under the jeweled sky.

Over the cobbles he clattered and clashed in the dark inn-yard,
He tapped with his whip on the shutters, but all was locked and barred,
He whistled a tune to the window, and who should be waiting there
But the landlord’s black-eyed daughter–
Bess, the landlord’s daughter–
Plaiting a dark red love-knot into her long black hair.

Dark in the dark old inn-yard a stable-wicket creaked
Where Tim, the ostler listened–his face was white and peaked–
His eyes were hollows of madness, his hair like mouldy hay,
But he loved the landlord’s daughter–
The landlord’s black-eyed daughter;
Dumb as a dog he listened, and he heard the robber say:

“One kiss, my bonny sweetheart; I’m after a prize tonight,
But I shall be back with the yellow gold before the morning light.
Yet if they press me sharply, and harry me through the day,
Then look for me by moonlight,
Watch for me by moonlight,
I’ll come to thee by moonlight, though hell should bar the way.”

He stood upright in the stirrups; he scarce could reach her hand,
But she loosened her hair in the casement! His face burnt like a brand
As the sweet black waves of perfume came tumbling o’er his breast,
Then he kissed its waves in the moonlight
(O sweet black waves in the moonlight!),
And he tugged at his reins in the moonlight, and galloped away to the west.

He did not come in the dawning; he did not come at noon.
And out of the tawny sunset, before the rise of the moon,
When the road was a gypsy’s ribbon over the purple moor,
The redcoat troops came marching–
Marching–marching–
King George’s men came marching, up to the old inn-door.

They said no word to the landlord; they drank his ale instead,
But they gagged his daughter and bound her to the foot of her narrow bed.
Two of them knelt at her casement, with muskets by their side;
There was Death at every window,
And Hell at one dark window,
For Bess could see, through her casement, the road that he would ride.

They had bound her up at attention, with many a sniggering jest!
They had tied a rifle beside her, with the barrel beneath her breast!
“Now keep good watch!” and they kissed her. She heard the dead man say,
“Look for me by moonlight,
Watch for me by moonlight,
I’ll come to thee by moonlight, though Hell should bar the way.”

She twisted her hands behind her, but all the knots held good!
She writhed her hands till her fingers were wet with sweat or blood!
They stretched and strained in the darkness, and the hours crawled by like years,
Till, on the stroke of midnight,
Cold on the stroke of midnight,
The tip of one finger touched it! The trigger at least was hers!

The tip of one finger touched it, she strove no more for the rest;
Up, she stood up at attention, with the barrel beneath her breast.
She would not risk their hearing, she would not strive again,
For the road lay bare in the moonlight,
Blank and bare in the moonlight,
And the blood in her veins, in the moonlight, throbbed to her love’s refrain.

Tlot tlot, tlot tlot! Had they heard it? The horse-hooves, ringing clear;
Tlot tlot, tlot tlot, in the distance! Were they deaf that they did not hear?
Down the ribbon of moonlight, over the brow of the hill,
The highwayman came riding–
Riding–riding–
The redcoats looked to their priming! She stood up straight and still.

Tlot tlot, in the frosty silence! Tlot tlot, in the echoing night!
Nearer he came and nearer! Her face was like a light!
Her eyes grew wide for a moment, she drew one last deep breath,
Then her finger moved in the moonlight–
Her musket shattered the moonlight–
Shattered her breast in the moonlight and warned him–with her death.

He turned, he spurred to the West; he did not know who stood
Bowed, with her head o’er the casement, drenched in her own red blood!
Not till the dawn did he hear it, and his face grew grey to hear
How Bess, the landlord’s daughter,
The landlord’s black-eyed daughter,
Had watched for her love in the moonlight, and died in the darkness there.

Back, he spurred like a madman, shrieking a curse to the sky,
With the white road smoking behind him and his rapier brandished high!
Blood-red were his spurs in the golden noon, wine-red was his velvet coat
When they shot him down in the highway,
Down like a dog in the highway,
And he lay in his blood in the highway, with the bunch of lace at his throat.

And still on a winter’s night, they say, when the wind is in the trees,
When the moon is a ghostly galleon tossed upon cloudy seas,
When the road is a gypsy’s ribbon looping the purple moor,
The highwayman comes riding–
Riding–riding–
The highwayman comes riding, up to the old inn-door.

Over the cobbles he clatters and clangs in the dark inn-yard,
He taps with his whip on the shutters, but all is locked and barred,
He whistles a tune to the window, and who should be waiting there
But the landlord’s black-eyed daughter–
Bess, the landlord’s daughter–
Plaiting a dark red love-knot into her long black hair.

Homens à Beira-Mar

Nada trazem consigo. As imagens
Que encontram, vão-se delas despedindo.
Nada trazem consigo, pois partiram
Sós e nus, desde sempre, e os seus caminhos
Levam só ao espaço como o vento.

Embalados no próprio movimento,
Como se andar calasse algum tormento,
O seu olhar fixou-se para sempre
Na aparição sem fim dos horizontes.

Como o animal que sente ao longe as fontes,
Tudo neles se cala pra escutar
O coração crescente da distância,
E longínqua lhes é a própria ânsia.

É-lhes longínquo o sol quando os consome,
É-lhes longínqua noite e a sua fome,
É-lhes longínquo o próprio corpo e o traço
Que deixam pela areia, passo a passo.

Porque o calor do sol não os consome,
Porque o frio da noite não os gela,
E nem sequer lhes dói a própria fome,
E é-lhes estranho até o próprio rasto.

Nenhum jardim, nenhum olhar os prende.
Intactos nas paisagens onde chegam
Só encontram o longe que se afasta,
O apelo do silêncio que os arrasta,
As aves estrangeiras que os trespassam,
E o seu corpo é só um nó de frio
Em busca de mais mar e mais vazio.

Sophia de Mello Breyner Andresen in, Antologia - Mar

Excelente tópico, Atlantian. Adoro poesia e escrevo desde os meus 12/13 anos. Claro que comecei a escrever sobre romances falhados e tal… Mas conforme vamos crescendo as temáticas vão mudando.

Bem, aqui ficam dois poemas que me acompanham para todo o lado:

Cântico Negro por José Régio

“Vem por aqui” — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!"

[hr]

O Meu Cachimbo por António Pereira Nobre

Ó meu cachimbo! Amo-te imenso!
Tu, meu turíbulo sagrado!
Com que, Sr. Abade, incenso
A Abadia do meu passado.

Fumo? E ocorre-me à lembrança
Todo esse tempo que lá vai,
Quando fumava, ainda criança,
Às escondidas do meu Pai.

Vejo passar a minha vida,
Como num grande cosmorama:
Homem feito, pálida Ermida,
Infante, pela mão da ama.

Por alta noite, às horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para falar contigo a sós.

E a noite perde-se em cavaco,
Na Torre de Anto, aonde eu moro!
Ali, metido no buraco,
Fumo e, a fumar, às vezes… choro.

Chorando (penso e não o digo)
Os olhos fitos neste chão,
Que tu és leal, és meu amigo…
Os meus Amigos onde estão?

Não sei. Trá-los-á o “nevoeiro”…
Os três, os íntimos, Aqueles,
Estão na Morte, no estrangeiro…
Dos mais não sei, perdi-me deles.

Morreram-me uns. Por esses peço
A Deus, se Ele está de maré:
E, às noites, quando eu adormeço,
Fantasmas vêm, pé ante pé…

Tristes, nostálgicos da cova,
Entram. Sorrio-lhes e falo.
Deixam-se estar na minha alcova,
Até se ouvir cantar o galo.

Outros, por esses cinco Oceanos,
Por esse mundo erram, talvez::
Não me escreveis, há tantos anos!
Que será feito de Vocês?

Hoje, delícias do abandono!
Vivo na Paz, vivo no limbo:
Os meus Amigos são o Outono,
O Mar e tu, ó meu Cachimbo!

Ah! Quando for do meu enterro,
Quando partir gelado, enfim,
Nalgum caixão de mogno e ferro,
Quero que vás ao pé de mim.

Santa mulher que me tratares,
Quando em teus braços desfaleça,
Caso meus olhos não cerrares,
Embora! Que isto não te esqueça:

Coloca, sob a travesseira,
O meu cachimbo singular
E enche-o, solícita Enfermeira,
Com Gold-Fly para eu fumar…

Como passar a noite, Amigo!
No Hotel da Cova sem conforto?
Assim levando-te comigo,
Esquecer-me-ei de que estou morto…

Marinheiro Sem Mar

Longe o marinheiro tem
Uma serena praia de mãos puras
Mas perdido caminha nas obscuras
Ruas da cidade sem piedade

Todas as cidades são navios
Carregados de cães uivando à lua
Carregados de anões e mortos frios

E ele vai baloiçando como um mastro
Aos seus ombros apoiam-se as esquinas
Vai sem aves nem ondas repentinas
Somente sombras nadam no seu rastro.

Nas confusas redes do seu pensamento
Prendem-se obscuras medusas
Morta cai a noite com o vento

E sobe por escadas escondidas
E vira por ruas sem nome
Pela própria escuridão conduzido
Com pupilas transparentes e de vidro

Vai nos contínuos corredores
Onde os polvos da sombra o estrangulam
E as luzes como peixes voadores
O alucinam.

Porque ele tem um navio mas sem mastros
Porque o mar secou
Porque o destino apagou
O seu nome dos astros
Porque o seu caminho foi perdido
O seu triunfo vendido
E ele tem as mãos pesadas de desastres

E é em vão que ele se ergue entre os sinais
Buscando a luz da madrugada pura
Chamando pelo vento que há no cais

Nenhum mar levará o nojo do seu rosto
As imagens são eternas e precisas
Em vão chamará pelo vento
Que a direito corre pelas praias lisas

Ele morrerá sem mar e sem navios
Sem rumo distante e sem mastros esguios
Morrerá entre paredes cinzentas
Pedaços de braços e restos de cabeças
Boiarão na penumbra das madrugadas lentas.

E ao Norte e ao Sul
E ao Leste e ao Poente
Os quatro cavalos do vento
Sacodem as suas crinas

E o espírito do mar pergunta:

«Que é feito daquele
Para quem eu guardava um reino puro
De espaço e de vazio
De ondas brancas e fundas
E de verde frio?»

Ele não dormirá na areia lisa
Entre medusas, conchas e corais

Ele dormirá na podridão
E ao Norte e ao Sul
E ao Leste e ao Poente
Os quatro cavalos do vento
Exactos e transparentes
O esquecerão

Porque ele se perdeu do que era eterno
E separou o seu corpo da unidade
E se entregou ao tempo dividido
Das ruas sem piedade.

Sophia de Mello Breyner Andersen
Mar Novo

Deixo aqui um pequeno, mas interessante poema do William Butler Yeates:

He Wishes For The Cloths Of Heaven

HAD I the heavens’ embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams.

Navio naufragado

Vinha de um mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.

É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.

Em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.

E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
As sereias leves dos cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos de videntes.

Sophia de Mello Breyner Andresen

A Rosa do Cume

[i]No cume daquela serra
Eu plantei uma roseira
Quanto mais as rosas brotam
Tanto mais o cume cheira

À tarde, quando ao sol posto
O vento no cume beija
Vem travessa borboleta
E as rosas do cume deixa

No tempo das invernias
Que as plantas do cume lavam
Quanto mais molhadas eram
Tanto mais no cume davam

Quando cai a chuva fina
Salpicos no cume caiem
Abelhas no cume entram
Lagartos do cume saem

Mas, se as águas vêm correndo
O sujo do cume limpam
Os botões do cume abrem
As rosas do cume brincam

Tenho, com certeza agora
Que no tempo de tal rega
Arbusto por mais mimoso
Plantado no cume, pega

E logo que a chuva cessa
Ao cume leva alegria
Pois volta a brilhar depressa
O sol que no cume abria

À hora de anoitecer
Tudo no cume escurece
Pirilampos do cume brilham
Estrelas no cume aparecem

E quando chega o Verão
Tudo no cume seca
O vento o cume limpa
E o cume fica careca

Vem, porém, o sol brilhante
E seca logo em catadupa
O mesmo sol, a terra abrasa
E as águas do cume chupa

As rosas do cume espreitam
Entre as folhagens d’além
Trazidas da fresca brisa
Os cheiros do cume vêm

E quando chega o Inverno
A neve no cume cai
O cume fica tapado
E ninguém ao cume vai

No cume dessa montanha
Tem um olho de água à beira
É uma água tão cheirosa
Que a multidão ansiosa
O olho do cume cheira.[/i]

  • Autor desconhecido

John Brown went off to war to fight on a foreign shore.
His mama sure was proud of him!
He stood straight and tall in his uniform and all.
His mama’s face broke out all in a grin.

“Oh son, you look so fine, I’m glad you’re a son of mine,
You make me proud to know you hold a gun.
Do what the captain says, lots of medals you will get,
And we’ll put them on the wall when you come home.”

As that old train pulled out, John’s ma began to shout,
Tellin’ ev’ryone in the neighborhood:
“That’s my son that’s about to go, he’s a soldier now, you know.”
She made well sure her neighbors understood.

She got a letter once in a while and her face broke into a smile
As she showed them to the people from next door.
And she bragged about her son with his uniform and gun,
And these things you called a good old-fashioned war.

Oh! Good old-fashioned war!

Then the letters ceased to come, for a long time they did not come.
They ceased to come for about ten months or more.
Then a letter finally came saying, “Go down and meet the train.
Your son’s a-coming home from the war.”

She smiled and went right down, she looked everywhere around
But she could not see her soldier son in sight.
But as all the people passed, she saw her son at last,
When she did she could hardly believe her eyes.

Oh his face was all shot up and his hand was all blown off
And he wore a metal brace around his waist.
He whispered kind of slow, in a voice she did not know,
While she couldn’t even recognize his face!

Oh! Lord! Not even recognize his face.

“Oh tell me, my darling son, pray tell me what they done.
How is it you come to be this way?”
He tried his best to talk but his mouth could hardly move
And the mother had to turn her face away.

“Don’t you remember, Ma, when I went off to war
You thought it was the best thing I could do?
I was on the battleground, you were home . . . acting proud.
You wasn’t there standing in my shoes.”

“Oh, and I thought when I was there, God, what am I doing here?
I’m a-tryin’ to kill somebody or die tryin’.
But the thing that scared me most was when my enemy came close
And I saw that his face looked just like mine.”

Oh! Lord! Just like mine!

“And I couldn’t help but think, through the thunder rolling and stink,
That I was just a puppet in a play.
And through the roar and smoke, this string is finally broke,
And a cannon ball blew my eyes away.”

As he turned away to walk, his Ma was still in shock
At seein’ the metal brace that helped him stand.
But as he turned to go, he called his mother close
And he dropped his medals down into her hand.

Bob Dylan

No Alto Mar

No alto mar
A luz escorre
Lisa sobre a água.
Planície infinita
Que ninguém habita.

O Sol brilha enorme
Sem que ninguém forme
Gestos na sua luz.

Livre e verde a água ondula
Graça que não modula
O sonho de ninguém.

São claros e vastos os espaços
Onde baloiça o vento
E ninguém nunca de delícia ou de tormento
Abre neles os seus braços.

(No alto mar - Sophia de Mello Breyner Andresen)

Trova do vento que passa

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio – é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de sevidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre

O Operário em Construção

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.

Lucas, cap. V, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia…
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
– “Convençam-no” do contrário –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

Vinicius de Moraes

Saudades

Saudades! Sim… talvez… e porque não?..
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?.. Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!

                 Florbela Espanca

MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, in Mensagem

Os Lusíadas

Canto I

As armas e os barões assinalados
Que,da Ocidental prais Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Tapobrana
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino,que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reisque foram dilatando
A Fé,o Império,e as…

Luís de Camões, in Os Lusíadas

Um clássico:

The Tiger

By William Blake

Tiger, tiger, burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?

In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand dare seize the fire?

And what shoulder and what art
Could twist the sinews of thy heart?
And when thy heart began to beat,
What dread hand and what dread feet?

What the hammer? what the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? What dread grasp
Dare its deadly terrors clasp?

When the stars threw down their spears,
And water’d heaven with their tears,
Did He smile His work to see?
Did He who made the lamb make thee?

Tiger, tiger, burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?

E agora a prodigiosa tradução do Vasco Graça Moura :o:

O Tigre

tigre, tigre, chama pura
nas brenhas da noite escura,
que olho ou mão imortal cria
tua terrível simetria?

de que abismo ou céu distante
vem tal fogo coruscante?
que asas ousa nesse jogo?
e que mão se atreve ao fogo?

que ombro & arte te armarão
fibra a fibra o coração?
e ao bater ele no que és,
que mão terrível? que pés?

e que martelo? que torno?
e o teu cérebro em que forno?
que bigorna? que tenaz
pro terror mortal que traz?

quando os astros lançam dardos
e seu choro os céus põem pardos,
vendo a obra ele sorri?
fez o anho e fez-te a ti?

tigre, tigre, chama pura
nas brenhas da noite escura,
que olho ou mão imortal cria
tua terrível simetria?

Tradução de Vasco Graça Moura, in “Laooconte, rimas várias, andamentos graves” (Quetzal Editores, 2005).

A cidade é um chão de palavras pisadas

A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.

A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.

A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.

A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.

José Carlos Ary dos Santos

A Cidade (por José Afonso)
[url]Zeca Afonso - A Cidade - YouTube

Cântico Negro

“Vem por aqui” - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.

  • Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
    Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?..
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou

  • Sei que não vou por aí!

José Régio

Cântico Negro de José Régio (declamado por João Villaret)
[url]- YouTube

Jardim do Mar

Vi um jardim que se desenrolava
Ao longo de uma encosta suspenso
Milagrosamente sobre o mar
Que do largo contra ele cavalgava
Desconhecido e imenso.

Jardim de flores selvagens e duras
E cactos torcidos em mil dobras,
Caminhos de areia branca e estreitos
Entre as rochas escuras
E, aqui e além, os pinheiros
Magros e direitos.

Jardim do mar, do sol e do vento,
Áspero e salgado,
Pelos duros elementos devastado
Como por um obscuro tormento:
E que não podendo como as ondas
Florescer em espuma,
Raivoso atira para o largo, uma a uma,
As pétalas redondas
Das suas raras flores.

Jardim que a água chama e devora
Exausto pelos mil esplendores
De que o mar se reveste em cada hora.
Jardim onde o vento batalha
E que a mão do mar esculpe e talha.
Nu, áspero, devastado,
Numa contínua exaltação,
Jardim quebrado
Da imensidão.
Estreita taça
A transbordar da anunciação
Que às vezes nas coisas passa.

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Antologia Mar

Eu sei que este poema não se compara aos que postaram anteriormente, mas mesmo assim gostava de o partilhar convosco. Foi escrito por mim durante um teste de Português, em 10 minutos :stuck_out_tongue:

Ser Poeta

Ser poeta é,
não pensar com a cabeça
mas sim com o coração

Usar uma pena para escrever
em vez de caneta,
pois a pena é leve
leve como uma canção.

Não é escrever
tristeza alheia
pois essa não toca no coração.
É relatar a nossa própria tristeza
com toda a dedicação

Ser poeta é ser marinheiro
num mar de palavras,
é saber nadar primeiro e
só depois mergulhar.

É andar como quem voa
neste céu bem azulado,
é fazer parte de uma tela
na qual o pincel é mergulhado.

Ser poeta é saber observar
as cenas do dia-a-dia,
é entrar em transe quando se escreve
como um monge numa abadia.

É saber escrever com sentimento
e mesmo sem talento
sentir o que se está a escrever.

Tiago Alves

TigaSCP continua o bom trabalho… :great: