Já por diversas vezes esta questão aqui foi abordada. A dificuldade que existe em ter miúdos que espontaneamente se revêm e optam pelas nossas cores, ostentando com orgulho: Eu sou Sporting!
Para além do que é afirmado na reportagem, aponto ainda a guerra que é mantida, por vezes de forma artificial, nos media, com provocações dos dirigentes, que resulta numa focalização das paixões entre FCP e SLB.
Penso que existe aqui matéria para uma reflexão séria.
Engane-se quem pensa que o velho truque de seduzir as crianças com carrinhos de corrida ou chocolates Regina ainda assegura a continuidade da linhagem clubística de uma família. Os miúdos do novo milénio já não vão em cantigas da carochinha. Sabem opinar como os crescidos e conhecem de cor e salteado as linhas com que se cose o futebol. Em jeito de antevisão para o encontro desta noite entre Sporting e Benfica, o i foi à Escola EB N.o 101 de Alvalade tentar perceber se a depressão sportinguista e a euforia benfiquista também se sentem entre os adeptos de palmo e meio.Lição n.º 1: ganhar! Um olhar apressado pela sala de aula da professora Ana Araújo não é suficiente para adivinhar o rumo da conversa. Só depois de uma contagem mais demorada de dedos no ar é que surge a inevitável pergunta: porque é que na sala do 4.o C há mais meninos do Benfica se a escola é em Alvalade? O reboliço instala-se e a resposta sai da ponta da língua de um benfiquista. “Isso não quer dizer nada. O Sporting não ganha em lado nenhum, nem sequer aqui em Alvalade”, protesta o Nelson. O mote está lançado, prepare-se porque o que se segue é uma análise profunda e erudita dos meandros do futebol português.
Mas antes, recuemos (muito rapidamente) até ao início da longínqua época de 2001/2002 e às incertezas de uma temporada no mínimo inesperada. O FC Porto não ganhava o campeonato há três anos, o Sporting vinha de uma época de desilusões e o Benfica carregava não só o fardo de um 6.o lugar como também o peso dos problemas financeiros de sempre. O título? Repousava na estante de um surpreendente Boavista que tencionava, obviamente, repetir o feito. Por essa altura os ainda recém-nascidos meninos do 4.o C não faziam mais do que comer e dormir. É por isso natural que não se recordem da dupla João Pinto/Jardel.
Lição n.º 2: ganhar, claro! “Não há crianças do Sporting porque o Sporting nunca é campeão”, arrisca a Patrícia. Venha então daí essa teoria: “Os jogadores do Sporting passam despercebidos nos jogos… vestem–se de verde e depois confundem-se com a relva”(será que alguém já tinha pensado nisto?). Do alto dos seus 10 anos, a Patrícia não se lembra dos festejos leoninos no Marquês de Pombal em 2002. Na verdade, nenhum destes meninos se recorda da euforia verde e branca porque o Sporting não voltou a vencer o campeonato. “Toda a gente é do Benfica porque é o clube que tem mais taças. E até já ganhou um campeonato!”, remata a Joana.
Lição n.º 3: saber jogar! Numa sala onde não há lugar para empates - são 13 benfiquistas, seis sportinguistas (todas meninas) e apenas um portista - não é difícil adivinhar para que lado acaba por rolar a conversa. “Eu não gosto de dizer que sou benfiquista só porque somos os campeões. Sou do Benfica porque é um clube que joga mesmo muito bem”. O Gonçalo não tem dúvidas e, sem saber, acaba por despertar as paixões do colega Pedro: “Para mim o Benfica está ao nível do Barcelona. Se jogassem os dois ficava com o meu coração dividido. E se fosse com o Manchester United era igual…”
Não há volta a dar, a geração dos Justins Biebers, das Hannahs Montanas e dos Beyblades (os piões dos tempos modernos, dominados por espíritos de criaturas místicas - sabia?) identificam-se com o Benfica mais do que com qualquer outro clube nacional. Mas não caia no erro de imaginar miúdos alienados de outras realidades. O Benfica, já se sabe, “é o melhor porque tem bons jogadores e faz bons negócios”. “Ganhou quase 100 milhões numa só época. Vendeu o David Luiz, o Ramirez, o Di Maria…”, recorda o Pedro. Então e o Sporting? Silêncio na ala feminina das resistentes leoas. A Laura acaba por confessar que até nem gosta muito de ver futebol porque acha uma seca, e só a entrada em cena da Joana ajuda a salvar o que resta do orgulho sportinguista. “Eu acho que para ser melhor o Sporting devia contratar o melhor treinador do mundo: o José Mourinho”. Da outra ponta da sala o Gonçalo torce o nariz à sugestão: “Nem com o Mourinho vocês conseguiam ser campeões. Já tiveram o Paulo Bento e ele deu tudo pelo clube e pelos jogadores, que eu sei muito bem. Acho que no Sporting foram maus para ele”.
Lição n.º 4: saber negociar! Ordem na sala. Que entrem então os ilustres Pedro (o nosso presidente) e Rui (o nosso treinador) para refrear os ânimos. Os conselhos que se seguem são de borla, até porque nenhum dos dois pondera entrar na corrida pela presidência do clube de Alvalade. “O problema do Sporting é que vende jogadores por pouco e depois compra outros por muito dinheiro. Para além disso, os jogadores precisavam de uma repreensão como aquela que o Génova deu ao Miguel Veloso: ‘‘Ou trabalham melhor, ou adeusinho’’. E o Liedson… venderam o Liedson que é um goleador e agora não conseguem marcar”. Bola para o Rui: “O Sporting faz muitas faltas dentro da grande área e assim é fácil sofrer golos. Mas eu acho que o problema até se resolvia facilmente. Era contratar o David Villa, Lionel Messi, Cristiano Ronaldo, Fábio Coentrão e ficava tudo bem”. A sala solta uma gargalhada que faz estremecer o bairro de Alvalade e a conversa muda de rumo.
Lição n.º 5: O FC Porto é o maior! Indiferente ao debate entre os colegas, Samuel só levanta o braço para reagir à provocação da Carlota. “Eu cá não gosto nem um bocadinho do Porto. Toda a gente sabe que eles compram os árbitros”, desafia a sportinguista. As cabeças rodam imediatamente em direcção ao único portista na sala. “O Porto é o maior. Estamos à frente no campeonato e por isso não estou preocupado. Não tenho mais nada para dizer”. Alguém insiste que os dragões só ganham jogos porque “o presidente dá muito dinheiro aos árbitros antes de o jogo começar e por isso eles nunca marcam faltas nem foras-de-jogo”, nem assim Samuel perde a postura.
Do dérbi já ninguém se lembra. Só a Joana ainda batalha que “o Sporting é bom” e que na verdade “as pessoas têm é vergonha de dizer que são sportinguistas”. Os colegas já desligaram há muito tempo e a resistente Joana acaba por ser engolida pelo burburinho da sala de aula. Não estão preocupados. Agora discutem coisas mais importantes. Falam sobre o maior rival do Benfica, “o Porto, claro”.
Fonte: i online
Link: http://www.ionline.pt/conteudo/105887-sporting-vs-benfica-nao-ha-criancas-do-sporting-porque-eles-nunca-sao-campeoes