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[center]OS VALORES DA CORRUPÇÃO
E A CORRUPÇÃO DOS VALORES[/center]
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Na aflição de terem sido apanhados com a boca na botija, como se costuma dizer, as hostes do clube prevaricador desataram de imediato a desconstruir os valores das «Caixas Douradas», para tentar passar entre os pingos da chuva, arranjando somas possíveis abaixo “do permitido”.
Com o tempo, foram percebendo que a tarefa era inócua porque esbarrava sempre no facto de os valores do voucher para o Restaurante Museu da Cerveja estarem em aberto, i.e., poderem ser qualquer dentro do cardápio da casa.
Mais recentemente, a sua tentativa de iludir o valor orientou-se para a construção de uma teoria no mínimo sui generis, apresentada pelo inenarrável Pedro Guerra (Prolongamento, TVI24, 2/11/2015): o voucher não fala de restaurante, logo o convite seria apenas para visitar o Museu da Cerveja.
Obviamente, este argumentário foi destruído em menos de 2 minutos, num silêncio comprometido, engasgado por uma simples pergunta do pivot (com nome mais gasto) Sousa Martins:
“Mas dá, ou não dá para marcar para o restaurante?”
Acresce, que sabe o autor, por experiência profissional, que logo desde o caderno de encargos inicial aquele espaço de museu foi apresentado e tratado como sendo de índole comercial, como chamariz e ou distracção dos clientes enquanto esperam por mesa, ou seja, claramente subsidiário do core-business que é o Restaurante. Aliás, “Museu da Cerveja” é, nada mais, nada menos que… o nome do Restaurante!
Acresce ainda que tentar fazer passar o tema “Cerveja” como simbólico da actividade futebolística é, no mínimo risível, sem mais palavras!
E, com este folclore (ou fait divers, como preferem alguns), o país mantém-se em suspenso pelo desfecho e incrédulo pela demora das instituíções, daquilo que, já todos perceberam no íntimo, tratar-se de um caso deveras simples e evidente de corrupção.
Porque, seja qual for o desfecho das investigações judiciais e da configuração criminal que atribuam ao processo (muito me surpreenderia que conseguissem provar alguma corrupção!), o caso das ofertas das «Caixas Douradas» envolve objectivamente e de forma inequívoca uma questão de corrupção ética dos valores desportivos.
E a corrupção ética é (e deve ser) sancionável intransigentemente pela justiça desportiva.
É mesmo, talvez, a sua primeira e mais nobre função.
Ou deveria ser, se a justiça desportiva não estivesse infectada e inquinada pelo «sistema» ou pela cobardia de o afrontar», entregue a burocratas medíocres que não pestanejam em corromper e abastardar os princípios mais nobres do desporto, em nome da «real politik» dos interesses, das conivências, das influências, do tacho, do dinheiro a qualquer preço.
A situação é de tal forma grave que, com a não-decisão ou decisão num dos vários sentidos possíveis para branquear o processo, que todas as pessoas de bem receiam que se esteja a preparar (e que a inacção e o silêncio ensurdecedor das instituições denuncia!), os valores mais nobres da transparência e verdade desportiva, poderão levar uma machadada irreparável, ensombrando ainda mais e definitivamente o futuro do futebol neste país.
Recordo aqui um excelente texto de António Tadeia que, tal como tantos outros independentes que se pronunciaram no mesmo sentido e expressaram gritos de indignação e revolta com a porcaria vigente e falta de valores instalada no futebol, foi claro como água, logo no dia seguinte à denuncia (como é próprio de quem vive de princípios inequívocos e seguros):
A diferença entre cortesia e corrupção está no princípio
06-10-2015
[i]«O Benfica não reagiu oficialmente às acusações lançadas por Bruno de Carvalho sobre as ofertas que alegadamente faria a árbitros, mas fontes do clube já se desdobraram em esclarecimentos destinados a desdramatizar a situação. Que a caixa só tem um custo de produção de 24 euros, aos quais se somam as entradas no Museu Cosme Damião e os jantares no Museu da Cerveja, mas que de qualquer modo o total respeita os limites máximos impostos pela UEFA, que é de 200 francos suíços, algo como 183 euros. Acredito. Mas não me chega. O presidente da APAF, José Fontelas Gomes, apressou-se a vir defender a classe, garantindo que nenhum dos seus membros aceitava ofertas que fossem além dos tais 183 euros. Percebo. Mas também não me chega. Porque a diferença entre cortesia e corrupção não está no valor da oferta mas sim no princípio.
Nunca decidi jogos, como podem inadvertidamente fazê-lo os árbitros, mas sempre tive como muito claro que as minhas responsabilidades como jornalista não me permitiam aceitar ofertas de dirigentes de clubes, jogadores, treinadores ou empresários. E poucos saberão como me era sempre difícil explicar a familiares e amigos próximos as razões pelas quais não podia pedir sequer bilhetes para ir ver este ou aquele jogo, que já tinha lotação esgotada, mesmo que me oferecesse para os pagar – porque do outro lado podia sempre vir uma resposta como o “deixe lá estar isso: um dia destes faz-me um favor a mim”. A verdade é que nunca fiz pedidos desses e que jamais os farei. Porque a última coisa de que precisaria era de que um dia alguém me viesse recordar que uma vez lhe tinha pedido um bilhete para ir à bola, comido um almoço à conta ou aceite uma lembrança. Ora se isso é válido para mim, que – repito – não decido jogos, muito mais devia sê-lo para os árbitros, que com azar até podem fazê-lo.
É verdade que, por tradição, vários clubes fazem ofertas a árbitros há décadas. É uma questão de cortesia, alegam. Mas mais do que ir buscar o limite máximo de euros que a UEFA impõe, o presidente da APAF devia ter sido claro nas indicações a dar aos seus homens: não há razão nenhuma para que essas ofertas, mesmo sendo legais, sejam aceites por agentes que já são relativamente bem pagos para cumprirem as suas tarefas de modo profissional. Da mesma forma que não há razão nenhuma para que os clubes pensem em oferecer aos árbitros presentes cujo valor se aproxima da metade de um salário mínimo. Porque ninguém oferece presentes a juízes do tribunal antes de uma audiência. E porque não se pode bradar pela verdade desportiva, condenar a “fruta” e o “café com leite” e depois ser assim tão cortez com os árbitros. É que às vezes mais vale ser bruto.»[/i]
Mais palavras para quê?
Irá, ainda assim, a justiça desportiva permitir-se o desplante de inventar mais uma “nódoa nera sem hematoma”, acabando de vez com a sua credibilidade?
Aguardamos, mas não nos calamos!