O leão já nem ruge

O Mestre Aurélio Pereira dá uma aula teórico-prática de Cultura Sportinguista na Academia de Alcochete.
─ Então vamos lá ver: quem é que me sabe dizer qual é o animal mais feroz da savana? Diga lá, Joãozinho.
─ É a pantera negra, mister!
─ Errado!
─ Ó mister, mas o meu paizinho, pelas razões que tem, sempre me disse que…
─ E eu, pelas razões que tenho, digo-lhe que de castigo vai ter que dar 20 voltas à pista de obstáculos! Próximo. Diga, Miguelinho.
─ É o pavão, mister!
─ Errado! 100 abdominais aqui à minha frente!
─ Mas a minha cabeleireira sempre me disse que…
─ Ai a cabeleireira disse? Então em vez de 100 vai fazer 200. Próximo. Menino Cristiano, diga lá.
─ Ó mister, isso deve ser praí o… hipotálamo!
─ Errado! Uma semana de abstinência a contar de hoje! Isto está muito mal, muito mal! Os meninos não andam a estudar as lições! Vamos lá todos prestar atenção: o animal mais feroz da savana é o leão!
─ Mister, ó mister! Não, não é! O animal mais feroz da savana é o pintam!
─ O pintam? Mas que bicho é esse, menino Bettencourt-Botton de Roquette?
─ Não sei mister, mas todos os meninos do meu colégio dizem que o leão não é tão mau como o pintam.

Este episódio é fictício? Sim, mas não se pode dizer que seja inverosímil. A piada final é seca e de mau gosto? Não digo que não, mas dá que pensar. É que de facto, quem olha para o actual estado de alma dos sportinguistas não chega a outra conclusão que não seja a de que, afinal de contas, o leão não é tão feroz como o pintam. Muitas e variadas explicações se podem tecer para justificar tal estado de alma, mas há uma que destaco acima de todas: a de que muitos sportinguistas andam confusos (ou confundidos) sobre quem são os seus verdadeiros inimigos. Passo a apresentar alguns casos concretos de forma a ilustrar esta ideia.

No início de 2009, um grupo de adeptos apresentou-se no Estádio com faixas de protesto pela situação do clube. A direcção do clube, julgando-se senhora e dona do Estádio de Alvalade, entendeu que os adeptos não tinham o direito de fazer tal manifestação numa casa que é de todos os sportinguistas. Entendeu também que a melhor forma de pôr fim a uma manifestação indesejada seria recorrer às forças de segurança pública, que efectivamente lograram terminá-la. À bastonada. Na mesma altura foram pintadas na parede da Academia palavras de ordem contra o treinador, o que motivou uma declaração pública do presidente Soares Franco e uma reacção enérgica que nunca se viu quando o clube foi prejudicado por outros clubes, pelas decisões de órgãos da Liga, ou pela Câmara Municipal de Lisboa; uma reacção enérgica em que se insurgia contra “atentados ao património do Clube” o mesmo indivíduo que anos antes havia vendido ao desbarato parcelas desse mesmo património, e anos antes havia feito a apologia de um clube sem sócios. Poucos meses depois foi a vez de Bettencourt assumir o protagonismo neste campo de tiro das incoerências em que se dispara para todo o lado menos para onde se deve. Durante o jogo decisivo de atribuição do título de Campeão de Juniores, o Complexo de Alcochete foi invadido por um bando de lampiões que vandalizaram o local e obrigaram à interrupção do jogo. No dia seguinte, quando instado a comentar os acidentes, Bettencourt limitou-se a dizer que o importante era jogar à bola e que não ia entrar em polémicas com o clube rival. Dias depois, quando foi conhecida a decisão da FPF em não repetir o jogo (donde resultava a atribuição do título de Campeão ao beifica), a primeira reacção do presidente chegou-nos via Twitter, numa mensagem telegráfica em que jocosamente dizia que “já se ganham campeonatos à pedrada”. Neste estilo se reagiu às investidas dos inimigos exteriores, vejamos agora como se reagiu às adversidades internas. Em Novembro de 2009, logo após a patética e confrangedora despedida de Paulo Bento em conferência de imprensa, Bettencourt protagonizou o inédito e impensável: tentou agredir um sócio e desafiou-o para um conflito físico por este pedir a demissão de Pedro Barbosa. Pegando nestes vários exemplos vemos uma faceta do dirigente sportinguista dos nossos dias: procura na honradez, na cortesia e em convicções e princípios a justificação para não enfrentar de forma enérgica os inimigos do Sporting e não defender com tenacidade os interesses do clube; mas quando se depara com um obstáculo interno, actua da forma mais vil e ordinária, ignorando toda a sua auto-proclamada honradez, bonomia e cortesia. Ignora-as, porque nunca as teve e só as usava como máscara para disfarçar a sua falta de engenho, falta de competência e falta de coragem. É essa a verdadeira face do leão que “ruge para dentro e mia para fora”.

Mas esta falta de acuidade ou desonestidade intelectual na identificação dos verdadeiros inimigos do Sporting não está circunscrita às altas cúpulas directivas do clube. Também nas claques parece haver uma neblina que impede os seus líderes e membros de identificar os verdadeiros inimigos e agir em função disso. Como é que se explica que se faça tanto alarde pela invasão da sede de uma claque rival, ou comecem a chover pedras sobre uma camioneta de adeptos do Atlético de Madrid, mas não haja registo ou memória de um único calhau ter furado uma janela da sede da Liga? Provavelmente porque as claques já se encontram tão atoladas na espiral de violência que há anos é alimentada por ambas as partes, que se esqueceram do propósito para que foram criadas e se desviaram do essencial, que é a defesa e apoio incondicional do clube. Ou então porque muitos dos que hoje as constituem não têm tal fim em vista, ou se o têm esse é apenas secundário face a um outro que é o da promoção da violência. Seja qual for a explicação, a sensação que fica é que actualmente as claques do Sporting e a sua forma de actuação constituem um fim em si mesmo, e tudo o que ameace a sua sobrevivência, o seu orgulho e a sua forma de actuar é visto como um inimigo, muito mais do que qualquer inimigo do clube.

O que resulta da continuada canalização das energias dos dirigentes, sócios e adeptos para o alvo errado, é o enfraquecimento do clube no seu todo. Um clube que se recusa sistematicamente a confrontar os seus verdadeiros inimigos de forma proporcional e adequada, perde a sua respeitabilidade. E com essa perda mais se acentua o espírito derrotista e conformista da massa de sócios e adeptos que lhe deviam dar vida. E por isso acaba por não ser surpresa o ânimo leve com que se está a encarar aquilo que, pessoalmente, constitui um dos maiores choques que tive como sportinguista, que foi a recente transferência de Moutinho para o FCP. Na reportagem da SIC que no Sábado noticiou a transferência, as reacções dos adeptos registadas resumiam-se nisto: “estou triste com esta decisão”, “o jogador é profissional e defendeu os seus interesses”, ou “vai fazer falta, mas se fosse para o Benfica era pior”. Nem um grito de revolta, nem uma palavra de protesto, nem um pedido de explicações por esse escândalo que é a venda do capitão e, apesar de tudo, símbolo vivo do clube, a um adversário directo, por metade do valor da sua cláusula de rescisão.

Há vários anos, num daqueles habituais campeonatos em que o Sporting é sistematicamente prejudicado pelas arbitragens, em favor do rival, um grupo de adeptos propôs a realização de uma manifestação de protesto contra a falta de verdade desportiva no futebol português. O presidente veio imediatamente a público desvincular-se de qualquer responsabilidade ou apoio a tal proposta, porque segundo ele “o Sporting não é um clube de manifestações de rua”. Pois não. É, ou melhor, tornou-se num clube de ineptos, resignados e conformistas.

…Vénia…

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:clap: :clap: Mostra bem o estado a que chegou este clube…

Um clube onde poucos se importam e exigem e onde a maioria se resigna e conforma…

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SL

O que o Eddie escreveu no seu texto é, infelizmente, verdade.

Excelente texto. :clap: :clap:

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Até mesmo neste fórum, suposto bastião de críticos de JEB, a voz dominante é que “bom, afinal até é um negócio aceitável”. Não consigo imaginar outro clube em que a captura de um capitão por um rival directo a preço de saldo, com a conivência da direcção não seja motivo para protestos veementes por parte dos adeptos, quanto mais palmadinhas nas costas do incompetente que permitiu tudo.

É que aquela conferência de imprensa é um insulto à inteligência dos sportinguistas. Se o FC Porto tivesse batido a cláusula de rescisão, ainda percebia o discurso do ódio. Agora, quando JEB estabeleceu voluntariamente negociações e se tornou cúmplice na “traição”, atacar o jogador como único vilão da tragédia é de uma hipocrisia a toda a prova. Moutinho pôde sair porque JEB o deixou sair . Ponto final.

Em vez de perder tempo assassinar o carácter da sua ex-bandeira e com conversas da treta sobre a “formação dos homens”, deveria explicar porque é que tomou esta decisão e não outra. Porque sim, foi uma decisão. Tinha várias opções à sua disposição – encostar o jogador (como fazem os clubes normais) ou procurar outros clubes (dizer que não há ofertas quando ainda faltam dois meses para o fim da janela de transferências faz algum sentido?!). No entanto, escolheu a pior opção possível. Porquê?

Verdade
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Chegamos a este estado mas a coisa não vai ficar por aqui.
Ainda há muita gente que por mais estalos que receba continua a dormir. :-\

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Não esquecer que após o Mundial acabar, novas portas se abrem.

Vender o Moutinho ao FCP é um insulto a todos os sportinguistas. Falam em lutar pelo titulo e já estamos a reforçar uma das equipas que irá lutar connosco por esse mesmo fim, e vaga na Champions.

Saem todos mal. Moutinho como uma porcaria de gente, JEB e Costinha como infiltrados, e nós como piada nacional.

Eddie,

Mais um excelente texto.

Não podendo fazer nada contra, espero para ver o que se fará ao dinheiro.

Moutinho pôde sair porque JEB o deixou sair . Ponto final.

E para que é que o querias cá? Posso perguntar?!

Para não ir fortalecer um rival (o Porto puxa dessa a toda a hora). :mrgreen:
Mas olha, pessoalmente até acho que vai ser o flop do ano no Porto e que os portistas ainda irão deitar as mãos à cabeça pelo dinheiro desperdiçado. :shhh: :shifty:

Excelente, como sempre.

Para não fortalecer directamente um rival, para mostrar que o Sporting não cede a chantagens de jogadores e empresários e para mostrar que os nossos rivais não podem tratar o Sporting como um clube menor onde põem e dispõem.

E tu? Porque queres tanto vê-lo no Porto?

BRAVO :clap:

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Eu só não consigo compreender como só meia-dúzia vê isto. Contudo, tenho de fazer justiça ao JEB: pelos vistos ele é um encantador de serpentes ou o flautista de Hamelin. É um vendedor de banha da cobra com grande sucesso no negócio. Bastou dizer meia dúzia de larachas e atacar sem contraditório (será que vai haver?) o jogador transferido (por vontade do Sporting: JEB dixit) para que se esquecesse quem realmente fez o negócio.

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Subscrevo.

Eu não quero vê-lo no porto, queria era vê-lo fora daqui. Se vai fortalecer o porto, veremos. O Judas dos últimos 2 anos não fortalece ninguém, pelo menos para o papel que querem dele: Lucho… E contra mim falo, o Moutinho está longe de ser banal como muito pintavam. Não podemos esquecer as circunstâncias deste negócio jamais. Não houve propostas por Moutinho nos últimos 2 anos. Coisas como “Recuso-me vestir mais a camisola do SCP”, “Já dei a minha palavra ao fcp” e “Ou isto acaba bem ou” não podem ser apagadas. Além disso a situação financeira do clube também não pode ser vista como uma mera desculpa porque tem peso e muito.

Numa mente latina claro que eu também queria que ele ficasse aqui a apodrecer até 2014. E quanto é que ficava essa brincadeira? Contas rápidas a 120.000€/mês * 4 anos = 5,8M. Ou seja no fim de tudo ele saía a custo zero.

Numa mente mais fria e nórdica creio que negociá-lo, mesmo com um rival que neste caso foi quem apresentou a única proposta (não pensem que nos próximos 2 meses irião aparecer muitos clubes dar mais que 11M) , era a solução. Claro que o facto de não termos 100% do NAC e os 25% de mais valais são outra questão. Incompetência negocial pura.