A discussão jurídica do processo do atraso do FCP tem sido marcada por várias falácias.
O que está em causa é saber, unicamente, se o atraso no caso concreto foi praticado com a intenção de causar prejuízo a terceiros. Se for só causado um atraso, há apenas punição com coima.
Ora, em primeiro lugar, no que diz respeito à menção “praticar com intenção”, ao contrário do que tem vindo a defender-se, a mesma o que pretende é, apenas, consubstanciar um tipo-de-ilícito de perigo abstracto, em vez de um tipo-de-ilícito de resultado. Nos tipos-de-ilícito de resultado, é necessário que, para além da acção, haja também um resultado danoso provocado pela mesma. É o caso do homicídio, por exemplo: sem morte não há crime na forma consumada. Já nos tipos-de-ilícito de perigo abstracto, não é necessário que o dano se chegue a verificar, mas apenas que, com a acção, se criem as condições para que, em abstracto, um perigo de ocorrência do dano se possa propiciar. É o caso, por exemplo, da condução de veículo em estado de embriaguez, em que não é necessária para a punição a existência de qualquer acidente.
Em segundo lugar, há quem tem dito que, no caso, nunca se poderá provar a intenção porque era impossível prever, quanto se provocou o atraso, que o FCP iria ganhar. Ou que iria haver um penalti no último minuto que traria o apuramento. Mas precisamente por isso o que a lei fala é de “intenção de causar prejuízo”, ou seja, é indiferente a produção do resultado danoso, bastando que se tenha conscientemente gerado uma oportunidade para o mesmo poder vir a ocorrer em abstracto. Caso contrário, lá está, seria impossível qualquer condenação dolosa por atrasos de início de jogo, pelo simples facto de que, antes do início, nunca ninguém pode adivinhar o resultado (supostamente, claro).
Em terceiro lugar quanto ao ónus da prova. O que se tem dito é que quem acusa tem de provar tudo e se neste caso não consegue demonstrar que houve intenção, então não pode haver sanção com derrota.
Ao contrário do que se supõe, o que se trata num processo não é de ler mentes, de adivinhar pensamentos. O que é impossível. Aliás, se fosse necessário para a prova de dolo a prova do que passou pela cabeça do acusado, então também seria inútil qualquer processo e todos seriam condenados por negligência a não ser que houvesse confissão.
A discussão da existência do dolo parte, processualmente, de outros pressupostos: não se trata de saber se o sujeito quis matar, por exemplo, mas se tendo tomado a decisão de disparar um tiro de caçadeira contra a cabeça de uma pessoa a um metro de distância poderia ignorar ou não que a matava. É com base nisso que se prova o dolo, não com base em telepatia.
E mais: nesta infracção em concreto não há sequer qualquer distinção da forma de dolo que se requer que exista para haver punição. O que significa que não é necessário dolo directo, bastando o dolo eventual. Utilizando outro exemplo: não se tem de demonstrar que o sujeito não podia ignorar que, como consequência directa de atirar uma pedra em direcção a um vidro o iria partir, bastando que se prove que não podia o mesmo ignorar que isso poderia eventualmente acontecer como resultado da sua decisão de atirar a pedra.
Mas, precisamente porque quem acusa não pode ler pensamentos, caberá a quem é acusado demonstrar que nunca admitiu como possível o resultado, ou se conformou com ele. Voltando ao exemplo do tiro com a caçadeira, quem acusa tem de provar que o acusado não podia ignorar o resultado como consequência, enquanto o acusado, para não ser condenado injustamente, tem de provar que, quando disparou, não visualizou o resultado como possível. Fazendo prova, por exemplo, de que quando carregou no gatilho acreditava que a arma não estava carregada. E, se não conseguir demonstrá-lo, isto é, se não conseguir convencer quem decide que, no caso concreto, tinha motivos para razoavelmente acreditar que a arma não estava carregada, então será sempre condenado por dolo.
Aplicando isto tudo ao caso concreto:
Na última jornada da fase de grupos, a razão pela qual os jogos têm de começar à mesma hora é apenas uma: não permitir que se possam gerar vantagens competitivas de uma equipa sobre a outra. Em qualquer outro jogo da fase de grupos, não poderia defender-se a existência de intenção de obter uma vantagem competitiva com a provocação de um atraso, já que os jogos podem perfeitamente começar a horas diferentes e isso não desvirtua em nada a regularidade da competição.
Na última jornada, no entanto, não há mais nenhuma razão para que os jogos comecem à mesma hora a não ser para evitar que uma equipa num dos jogos possa alterar a sua postura sabendo antecipadamente como acabou o outro jogo, assim permitindo que haja competitividade até final. E toda a gente sabe disso, ou pelo menos não pode razoavelmente ignorá-lo.
Assim sendo, trata-se de uma questão de bom senso: poderia o FCP ignorar que, iniciando-se o jogo três minutos mais tarde, isso lhe traria em abstracto uma vantagem competitiva em relação ao SCP?
Não podia.
E como não consegue demonstrar que fez tudo o que podia para evitar o atraso, já que não apresentou assim que pôde uma justificação, então necessariamente há dolo, e não mera negligência. O FCP não podia ignorar que ao agir como agiu iria causar prejuízo ao SCP e à regularidade da competição. Aliás as desculpas esfarradas só o provam ainda mais.