Naufrágios e Schettinos

O estado presente do Sporting Clube de Portugal tem levado a um descontentamento crescente das gentes que amam o clube. Muito se discute sobre qual o rumo a tomar. Nas rádios, nas TV’s, na internet, não há um dia que passe sem que nos deparemos com o assunto.

Como adepto responsável que, modéstia à parte, me considero, gosto de passar algum do meu tempo a informar-me e consultar todos os meios de informação, mesmo alguns que considero menos agradáveis, de forma a poder expressar a minha opinião da forma mais esclarecida, ponderada e informada possível. Ora, numa das minhas deambulações pelos espaços virtuais onde se discute o clube, analisava-se uma das muitas notícias referentes ao Movimento “Dar Rumo ao Sporting”. Esta iniciativa, da autoria dos sportinguistas André Patrão e Miguel Paim é naturalmente dos temas que mais discussão tem dado nos últimos dias, e o conteúdo não mais era que o habitual, com a maioria dos intervenientes a expressar o seu apoio à iniciativa e as habituais vozes a clamarem pela tão familiar “união”. A forma como a grande maioria desta segunda corrente de opinião a expressa leva a algum desgaste, mas quem está habituado a discussões sobre o Sporting aprende a lidar com isso e a responder adequadamente. Nada de novo portanto. No entanto, uma intervenção surge capaz de tirar do sério qualquer Mahatma Gandhi verde e branco. Um indivíduo (que genericamente, pela profundidade de conhecimento de navegação, ao contrário de mim próprio, decidi apelidar de Francesco Schettino) dava a sua sentença aos de menor intelecto:

“Homens de pouca fé. Quem tem simpatizantes destes não precisa de opositores. Num navio, quem manda é o comandante. Se houver afundamento, a tripulação, em vez de ajudar a salvar o navio, afunda-o ainda mais depressa, para mais depressa ir para outro navio. É o que parece. Tenham “tino” e meditem”

Depois de alguns segundos de incredulidade a apreciar a alegoria do senhor Schettino, pensei em continuar a leitura e fingir que nada disto tinha sido escrito.
O problema é que o Schettino não é um. São vários. São demasiados.

Por isso, aos Schettinos deste barco, apreciadores de alegorias, deixo aqui a minha:

[i]Em 1906 construiu-se um navio. Os construtores desde logo lhe traçaram o destino: seria um navio enorme. Tão grande como os maiores da Europa. Teria por cores o verde e o branco, simbolizando o orgulho no passado, a grandeza do presente e a esperança no futuro. O seu símbolo seria um leão, transmitindo a sua força no desbravar de todos mares que enfrentasse.
Não era um navio qualquer. Era um navio apaixonante. Pela qualidade da sua tripulação, fez-se grande. Anos após anos, as suas viagens eram fantásticas e os espetáculos a bordo davam prazer a quem nele navegava. E mesmo nos anos em que a viagem não se verificava tão boa como anunciada, as pessoas continuavam a querer fazer nele a sua viagem. Pela paixão partilhada pela da tripulação. Porque lhes dava gosto. Porque lhes dava prazer. Porque adoravam aquele navio.

Por meados da década de 90, uma nova equipa de tripulantes chegou ao navio. A sua ideia para o navio era diferente da que anteriormente vigorava. O topo da tripulação olha agora de soslaio para os passageiros que anteriormente eram acarinhados. Os passageiros mantêm a vontade de navegar durante algum tempo, apesar disso. Afinal, aquele é o Sporting, e viajar no Sporting é inigualável. Apesar disso, com o surgimento de cisões nas tripulações, com promoções e danças de lugares estranhas entre pessoal de convés e da casa das máquinas, também as viagens se tornam enjoativas, com os sucessivos capitães a mostrarem a sua falta de habilidade para a navegação. O navio bate em todos os icebergues possíveis. Começa a abrir fissuras. Mas os timoneiros nada fazem e as fissuras são cada vez maiores. Ao longo do tempo o navio vai afundando e afundando. Alguns conformam-se. “Assim até podemos ver o mar mais de perto” dizem, “Olha, um golfinho!”

Outros no entanto, desejam profundamente o regresso do Sporting ao navio que era. Então, quando a inclinação do navio começa a atingir o ponto mais preocupante de sempre, na iminência da água invadir todo o convés, alguns membros da tripulação resolvem que o rumo não pode continuar e tentam lutar contra o naufrágio. Amam aquele navio e querem que continue a cruzar os mares por muitos anos. Puxam-se cordas e pegam-se em baldes, pelo bem do barco. Pede-se aos oficiais que dêem lugar a outros que o consigam navegar. A pouco e pouco, alguns mestres, marinheiros e passageiros que partilham das suas ideias vão-se-lhes juntando.

A estes pedidos, à água que galga pelo convés, a reacção parece incrível. O capitão está-se a marimbar. Ri-se dizendo que vai tentar encontrar soluções, dando indicações contraditórias à casa das máquinas a cada hora que passa, fingindo ler o manual de instruções do navio enquanto no meio das suas páginas esconde o Jornal de Negócios, convidando piratas a passearem-se nas suas suites de luxo e insultando capitães de outros navios, que já pouco interesse têm em relação ao dele. Navega à vista atingindo todos os obstáculos. Há também os restantes oficiais da tripulação que juntos poderiam ter uma palavra a dizer. Mas mesmo estes, em vez de se capacitarem que a obra centenária está a ir ao fundo e ajudarem a evitar o desastre, preferem manter os seus aposentos confortáveis por alguns momentos mais do que vir molhar-se para exterior. Como se não bastasse, uma parte da tripulação de mestragem e marinhagem parece também não partilhar da preocupação dos restantes, recostando-se em espreguiçadeiras no convés, colocando moedas nas máquinas de velinhas que existem na capela do navio enquanto insultam os restantes e debitam profissões de fé. “Palermas! Olhem que assim abanam mais o Sporting!” gritam. “Estejam quietos e tenham fé que a água vai sair sozinha” vociferam. Não percebem de maneira nenhuma que a salvação só é possível metendo mãos à obra. Só o vão perceber quando a água lhes chegar aos pulmões.[/i]

Eu não percebo nada de navegação, e abomino classificações de sportinguistas. No entanto, entre as partes envolvidas, é-me por demais evidente ver qual é a que gosta mais do navio. Ninguém quer saltar do Sporting. Para mim, como para muitos membros da tripulação, não haverá na vida mais nenhum navio, se este vier a afundar. Resta tentar salvá-lo a todo o custo, mesmo contra a cegueira de grande parte da tripulação e da alarvidade do comandante. Mas para isso tem que ser ter tino. E neste momento, ter tino é parar de meditar.

© Gonçalo M. 2012

Ganhaste… :great: :great:

Grande texto :clap: :clap: :clap:

Excelente alegoria e texto Gonçalo M.

É isso mesmo. A questão não é o barco estar a naufragar e a malta querer que vá mais fundo, mas antes inverter a rota para que não seja necessário ficar submergido.

Nesta fase já houve tempo mais do que suficiente para meditar. Agora, é preciso agir. E agir é perguntar aos sócios o que querem. Não há outra solução possível num clube que sempre primou pelo associativismo.

Gostei mesmo muito, é das melhores alegorias que tenho visto em relação ao Sporting. Muito bom GonçaloM.

Estrondoso!

A esses meliantes que teimam encher o convés de piratas e incapacitados, aos oficiais de tripulação que preferem ver a água de mais perto, espero que sejam atirados ao mar o mais depressa possível. Nem a um barco a remos fazem falta…

Chega de fazerem do barco Sporting um Titanic.

Espetacular!
:clap: :clap: :clap:

Estás lá Gonçalo. :great:

Parabéns Gonçalo!

Agora temos, todos, que formar a “armada invencível” que há-de, assim soprem os ventos, trazer o nosso Sporting a bom porto para que, após recuperação do convés, possa cruzar os mares de outrora!

Abraço

Bem, Gonçalo! :great:
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Há que agir e pôr o Barco num novo rumo, antes que vá ao fundo.

Grande texto, Gonçalo, espectacular mesmo :clap:
Estamos cá todos a tentar mudar o rumo do barco… Não vamos permitir que se afunde!

:clap: :clap: :clap:

Extraordinário texto do Gonçalo, uma alegoria que é também uma reflexão sobre o estado lastimoso do nosso Clube. Destaco esta parte que tem que ser o toque a reunir para todos os que amam o Sporting.

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Na mouche, Gonçalo.

Excelente texto, Gonçalo M.!

E tens toda a razão: sendo já tarde, terá que ser agora, antes que não haja solução!

Belo texto, parabéns :clap:

Gonçalo, parabéns obrigada por esta estrondosa prosa!

Excelente texto sem dúvida, os meus parabéns :clap: :clap:

SL

Excelente texto! Parabéns!

Sem duvida um texto que merece ser partilhado. :clap: :clap: :clap:

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