Morreu o pintor Malangatana

O pintor moçambicano Malangatana morreu aos 74 anos, esta madrugada, no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, vítima de doença prolongada, segundo a direcção do hospital.

O pintor, de 74 anos, encontrava-se internado há vários dias naquele estabelecimento hospitalar.

Malangatana vendeu os primeiros quadros há 50 anos e com o dinheiro arranjou uma casa e foi buscar a família para Maputo. Meio século depois, morreu um homem do mundo, um amigo de Portugal e um dos moçambicanos mais famosos.

Malangatana Valente Ngwenya nasceu a 6 de junho de 1936 em Matalana, uma povoação do distrito de Marracuene, às portas da então Lourenço Marques, hoje Maputo. Foi pastor, aprendiz de curandeiro (tinha uma tia curandeira) e mainato (empregado doméstico).

A mãe bordava cabaças e afiava os dentes das jovens locais (uma moda da altura), o pai era mineiro na África do Sul. Com a mãe doente e um pai ausente, Malangatana foi viver com o tio paterno e estudou até à terceira classe. Aos 11 anos começou a trabalhar porque já era “adulto” e podia fazer tudo, de cuidador de meninos a apanha-bolas no clube de ténis.

Mais do que um pintor
Nos últimos 50 anos foi também muito mais do que pintor. Fez cerâmica, tapeçaria, gravura e escultura. Fez experiências com areia, conchas, pedras e raízes. Foi poeta, actor, dançarino, músico, dinamizador cultural, organizador de festivais, filantropo e até deputado, da FRELIMO, partido no poder em Moçambique desde a independência.

Ainda que o seu lado político seja o menos conhecido, Malangatana chegou a estar preso, pela PIDE, acusado de pertencer à então FRELIMO, sendo libertado ao fim de 18 meses, por não se provar qualquer vínculo à resistência colonial.

Na verdade Malangatana viveu parte da sua adolescência junto dos colonos portugueses, os mesmos que o iniciaram na pintura, primeiro o artista plástico e biólogo Augusto Cabral (morreu em 2006) e depois o arquitecto Pancho Guedes.

Augusto Cabral era sócio do Clube de Ténis, onde trabalhava um tio do pintor. “Um apanha-bolas nas partidas de ténis era um tal Malangatana Ngwenya (crocodilo), que, no fim de uma tarde de desporto, se acercou de mim para me pedir se, por acaso, eu não teria em casa um par de sapatilhas velhas que lhe desse”, contou Augusto Cabral em 1999.

O pintor iria “nascer” nessa noite, quando Malangatana foi a casa de Augusto Cabral e o viu a pintar um painel. “Ensine-me a pintar”, pediu. E Augusto Cabral deu-lhe tintas, pincéis e placas de contraplacado. “Agora pinta”, disse ao jovem, ao que este perguntou: “pinto o quê?”. “O que está dentro da tua cabeça”, respondeu Augusto Cabral.

O jovem viria a ter também o apoio de outro português, o arquiteto Pancho Guedes, que lhe disponibilizou um espaço na garagem de sua casa de Maputo e lhe comprava dois quadros por mês, a preços inflacionados. Em poucos meses Malangatana quis fazer uma exposição e foi, para espanto confesso de Augusto Cabral, um enorme sucesso.

Nas pinturas, nessa altura e sempre, Matalana, onde nasceu e cresceu e onde frequentou a escola da missão suíça de até à segunda classe. Menino pastor, agricultor, caçador de ratos com azagaia, viria a estudar só mais um ano. Fica-lhe Matalana no pincel, a opressão colonial, a guerra civil. A paz reflecte-se numa pintura mais otimista e nos últimos anos foi um carácter mais sensual que a caracterizou.

E sempre o quotidiano. “Há sempre um manancial de temas a abordar. São os acontecimentos do mundo, às vezes tristes, outras alegres, e eu não fico indiferente. Seja em Moçambique, ou noutra parte do mundo, a dor humana é a mesma", disse numa entrevista à Lusa, ainda recentemente.

Já homem, com a pintura como profissão, confessou ao jornalista Machado da Graça que sentia grande aproximação com os artistas portugueses desde os anos 70, quando foi pela primeira a Portugal, como bolseiro da Gulbenkian.

O legado de Malangatana
Entre 1990 a 1994 foi deputado da FRELIMO e ao longo de décadas ligado a causas sociais e culturais. Foi um dos criadores do Museu Nacional de Arte de Moçambique, dinamizador do Núcleo de Arte, colaborador da Unicef e arquiteto de um sonho antigo, que levou para a frente, a criação de um Centro Cultural na “sua” Matalana.E exposições, muitas, em Moçambique e em Portugal mas também mundo fora, na Alemanha, Áustria e Bulgária, Chile, Brasil, Angola e Cuba, Estados Unidos, Índia. Tem murais em Maputo e na Beira, na África do Sul e na Suazilândia, mas também em países como a Suécia ou a Colômbia.

Contando com as obras em museus e galerias públicas e em colecções privadas, Malangatana vai continuar presente praticamente em todo o mundo, parte do qual conheceu como membro de júri de bienais, inaugurando exposições, fazendo palestras, até recebendo o doutoramento honoris causa, como aconteceu recentemente em Évora, Portugal.

Foi nomeado Artista pela Paz (UNESCO), recebeu o prémio Príncipe Claus, e de Portugal levou também a medalha da Ordem do Infante D.Henrique. Em Portugal morreria também o pastor, mainato e pintor. Malangatana. Valente.

http://www.publico.pt/Cultura/morreu-o-pintor-malangatana_1473653?p=1

DEP

Tive o prazer de conhecer este senhor quando era criança. Amigo da minha mãe, também ela Moçambicana. Senhor muito simpático, muito culto e bastante talentoso.
Tive também a honra de ver exposições da arte de Malangatana e também de ver uma peça de teatro (Musical), em Maputo, onde ele era uma das personagens principais.

Dele guardo carinhosamente alguns quadros que ofereceu à minha mãe.

Que descanse em Paz.
Condolências à sua familia.

Não conhecia o senhor em questão mas é sempre triste ver partir um artista.

Descansa em Paz.

Sem dúvida uma enorme perda para as artes de expressão Portuguesa.

R.I.P. Extensível também ao organista jamaicano Glen Adams, falecido em 17 de Dezembro, durante uma última (e definitiva) visita à Pátria Natal. Tal como Malangatana, merece ser recordado pela vibração que as suas obras transmitem. Possivelmente o seu momento mais alto foi a participação no mítico “Bangarang”, de Stranger Cole e Lester Sterling. Aqui fica.

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Comparem só o número de respostas neste tópico com o do “Carlos Castro”…

Agora tenham em atenção que a comunidade ForumSCP até é extremamente culta. Depois façam a extrapolação para a restante sociedade portuguesa e vêemm o lastimável estado em que estamos culturalmente.

Dar-se tanto destaque a um cronista social que ganhava a vida a inventar situações sobre a vida pessoal de outros na praça pública (em nada merecia a morte que teve, claro. A não ser que fosse realmente pedófilo. Nesse caso que arda no Inferno!) e quase nenhum a um polivalente artista. E eu digo isto, mas confesso, mal conhecia este pintor. Apenas quis deixar a observação

Talvez porque a morte do outro, devido às circunstâncias, é muito mais polémica…

E como bons portugueses, gostamos de um bom assunto pra cuscar… :mrgreen: (não estou a “gozar” com a sua morte mas sim com algo que eu acho que faz parte da sociedade portuguesa, eu incluído…)

Conheci-o pessoalmente,quando fiz a montagem de uma das suas exposições.

Paz á sua alma. :clap:

grande pintor, e lutador pela liberdade em Moçambique. Quando esteve na prisão lá, em condições deploráveis, fazia desenhos a sépia para vender para sustentar-se a si, á família e outros presos políticos. São os “desenhos da prisão”, simplesmente extraordinários, o meu pai que era amigo dele comprou um, é fantástico.

Confesso que não conheço muito bem a obra do pintor, mas parece-me uma grande perdida para o mundo lusófono. Por aquilo que li, era tremendamente respeitado não só por políticos como por outros artistas.

Que descanse em paz.

um link onde se pode ver algo mais sobre os desenhos da prisão:

http://group.xiconhoca.com/2009/01/06/“desenhos-da-prisao”-de-malangatana-tracos-de-sonhos-e-de-liberdade/

Eu agora poderia fazer uma piada sobre o uso que cada um dos dois dava ao pincel, mas para evitar reprimendas da moderação vou abster-me. :angel: :mrgreen:

No entanto é inevitável comentar o trajecto de Malangatana. Segundo o que tenho lido e é referido no post que abre o tópico, o que ele realmente tinha era um dom. Não foi o meio onde vivia que lhe proporcionou a carreira, mas sim a sua capacidade que o levou a esse trajecto. O que é sem dúvida notável e exemplar.

Antes de terminar o meu comentário uma crítica a um pormenor do artigo, que passo a citar:
«viveu parte da sua adolescência junto dos colonos portugueses». Não percebo o interesse da menção aos “colonos portugueses”, ou a aplicação do termo “colonos”. Acho que tanto pode ser depreciativa para o próprio Malangatana, como para os portugueses com quem ele conviveu em Moçambique.

já fizeste :rotfl:

Descanse em paz!

RIP!

:arrow:
Gosto da sua pintura de cores vivas e motivos animistas.
Também o apreciava como pessoa, calma, pachorrenta e boa, ao que dizem quem o conheceu.
Descanse em Paz, Malangatana…

Ainda não tinha reparado neste tópico, apesar de já saber do seu falecimento.

Vi-o e ouvi-o algumas vezes através do Instituto onde fiz a minha licenciatura. Lembro-me muito bem do painel de sua autoria presente no auditório principal, feito em 1995, ano da minha entrada. Por isso a obra dele esteve sempre presente (no velho auditório até estava de lado, era mais fácil “distrair-mo-nos” com todo aquele frenesim).

Diziam-me ser simpático e acessível.

É uma perda. Descanse em paz!

Parte alguém que tão bem representa a pintura e a a arte africanas (de expressão portuguesa), e a nível mundial.

Descanse em paz. Condolências à família e amigos.