Eu li, e acho que é algo que qualquer pessoa em qualquer fase da sua vida pode ter pensado, até os crentes. Na minha visão da vida a religião é algo tão maior que eu, tão social e ao mesmo tempo pessoal que acho que são temas que se devem debater numa esfera diferente. Este não é certamente o tipo de texto que escolheria para ilustrar a temática.
Não sou crente de qualquer religião, e mesmo depois dessa minha ideia ter sido formada perdi pessoas que me eram queridas e algumas vezes “falei” para essas pessoas. Algo que acho que é normal (imagino que quer crentes quer não crentes o façam, mas não sei), acho que é reconfortante, que é uma forma de manter a memórias dessas pessoas vivas, de me comprometer em fazer aquilo que me ensinaram, tendo até esperança de que estejam a olhar por mim. Não preciso de ciência e nem de religião (ainda que admita que possa ser um fenómeno religioso) para fazê-lo. É algo bem racional pelo simples facto de me fazer sentir bem, e essa para mim é a racionalidade que busco e que qualquer pessoa na maioria dos casos busca.
Julgo que todos nós temos pessoas que são católicas “praticamentes” nas nossas famílias. Não acho que aquilo que foi ensinado pelos meus failiares seja diferente daquilo que todos nós desejamos para a nossa sociedade.
A reliição para além de dever passar os bons valores que deverão reger a nossa sociedade e da experiência pessoal de cada um, é uma importante fonte de agregação das pessoas e de ajuda no mundo.
Mais uma vez não vejo racionalidade que não aquela que nos faça sentir bem espiritualmente, ao nivel dos nossos valores… a ciência e a religião não têm que estar em competição eternamente por num estado mais primitivo do nosso conhecimento o terem estado.
Não me parece que “a ciência” venha algum dia a dizer “já sabemos tudo, não há mais questões a serem respondidas”. Num outro tópico o Hulk disse-me, numa das réplicas que mais gostei de ter aqui, que o que é hoje verdade na ciência amanhã pode ser mentira. E o que é mentira ajudará certamente mais tarde a encontrarmos a nova verdade, e assim se faz a evolução.
Importa apenas que aroveitemos tudo aquilo que a ciência tem de maravilhoso para nos oferecer e que cada um sempre que necessário encontre também as suas fontes transcendentais de apoio se assim o desejar, se tiver necessidade disso…
Quanto à forma como os temas são abordados não concordo nada que se pode falar sobre tudo com o meso à vontade, há assuntos que são delicados e que naturalmente merecem todos os cuidados quando são abordados e a religião talvez seja o principal deles.
Por acaso as posições e ideologias, para terem alguma validade, convém que estejam alicerçadas nalgum tipo de raciocínio coerente e científico. E se não estiverem, há duas hipóteses a considerar: estão erradas ou então apresentam uma ideia demasiadamente avançada em relação ao tempo vigente. Se a hipótese for a segunda, então cabe a quem propõe a teoria prová-la criando as ferramentas necessárias para o fazer. Se isso não acontecer, então não pode ser considerada válida.
O que não falta são histórias, ao longo dos séculos, onde ideologias, posições e teorias foram postas em causa através da ciência. Tens exemplos inclusive neste século, posso citar alguns nomes responsáveis por ideias que a ciência validou ou mostrou estarem erradas: Hitler, Kant e Rousseau. O ditador alemão construiu uma ideologia baseada na supremacia racial, algo que a ciência demonstrou estar errado. Não existem diferenças suficientes em termos raciais, ao nível da inteligência, para se dizer que existem raças superiores. Kant construiu uma teoria onde dizia que era impossível chegar à realidade em si (o númen) porque analisávamos sempre tudo através de estruturas apriori. Hoje sabemos que isto é verdade e que estas estruturas existem dentro do cérebro. Mesmo o mundo a três dimensões que pensamos ver é uma construção cerebral: o olho só “vê” a duas dimensões. É o nosso cérebro que cria a sensação de profundidade tridimensional. Por último, Rousseau elaborou uma teoria onde o Homem era visto como sendo bom desde nascença sendo corrompido a posteriori pela sociedade - o chamado “mito do bom selvagem”. Hoje, mais uma vez através da ciência, sabemos que isto não é verdade e que a nossa personalidade é moldada, em partes idênticas, pela sociedade e pelo biológico (genes).
Por isso, como vês, a ciência é fundamental para ajudar a compreender o mundo. Através da validação ou negação de várias teorias, chegamos um pouco mais próximo da verdade. Quanto à questão da moral ou dos valores, a ciência também nos dá respostas sobre isto. Por exemplo, quando se fala de compaixão, solidariedade ou empatia, a Antropologia já nos deu respostas sobre isto. Sabemos que sociedades onde estes valores não estão presentes se desintegram muito mais rapidamente. Em relação ao incesto, sabemos que a procriação com pessoas da mesma família origina descendentes com problemas muito graves. Sabemos também a maior parte das sociedades tem estratégias para combater a cópula fora do casamento por duas razões: em primeiro lugar, a estadia do macho no seio familiar garante protecção e prolonga a capacidade de sobrevivência devido ao sexo feminino ter menos força física. Em segundo lugar, quando se inicia algum tipo de actividade sexual com a parceira de outrem em vários elementos pertencentes à mesma sociedade, isto provoca problemas ao nível da organização social. Tudo dados provindos da maravilhosa ciência antropológica. Por fim, em relação aos valores familiares, também não preciso da religião: a Psicologia já demonstrou que crianças com um meio familiar estável, onde as rotinas estão presentes dando um sentimento de segurança aos mais novos e onde os pais demonstram interesse nas actividades dos filhos, têm uma menor probabilidade de desenvolver doenças mentais e têm maior auto-estima. E para estes dados não preciso de religião.
Quanto à questão da exclusão de uma divindade. continuo a afirmar o mesmo: a probabilidade de qualquer religião estar certa é idêntica à probabilidade de existir um Deus chamado “Flying Spaghetti Monster” (e com isto não pretendo ofender ninguém). E porquê? Porque para a ciência não interessam dogmas, não interessa há quanto tempo determinada ideia existe nem a sua influência na população (a não ser ciências que estudem estes fenómenos, mas com outros objectivos). Interessa antes se existem evidências para suportar determinada ideia. Quando um cientista apresenta uma nova teoria, tem que a alicerçar com factos. Se eu dissesse, perante uma plateia, que acredito na existência de um hotel no centro do Sol e que era impossível alguém dizer que não está lá (não há forma de saber exactamente o que está dentro do Sol), não seria com certeza levado a sério. No entanto, é este tipo de raciocínio que é utilizado pelas diferentes religiões: acreditem em algo que nunca viram, que nunca cheiraram, que nunca ouviram porque sim. Porque nós dizemos que está lá. E isto, na minha opinião, não faz sentido nenhum. E é por isso que acaba por altamente improvável que exista algo superior a nós.
Engraçado como tenho vontade de te começar a responder sempre pelo fim.
E começando pelo teu último parágrafo, posso usar um argumento simples: já viste Úrano? Eu nunca vi, assim como, muito provavelmente, 90% da população, mas foi-nos ensinado que estava lá para cima, entre Saturno e Neptuno e a gente nem duvida. Ou seja, embora não tenhamos observado, aceitamos. Aliás, se formos questionar tudo, desde as bases, nunca avançamos, porque perderemos o nosso tempo a certificar-nos de que tudo o que foi feito anteriormente está correcto. Também as religiões se baseiam no conhecimento passado, que se traduz numa vivência do presente. Acreditam em algo que nunca viram, nunca cheiraram, nunca ouviram, mas que alguém ouviu, cheirou e viu!
Contudo, a noção de Deus, como o Romero disse e bem, não tem de estar em competição com a ciência. E sinto-me perfeitamente à vontade para dizer isto porque sou biólogo e católico dos ditos praticantes e, acredita, conheço grandes cientistas muito beatos que, como eu, sem verem, ouvirem ou cheirarem, o sentem.
E mais, também a ciência tem dogmas, Winston. Também a ciência para avançar precisa às vezes de se basear no que não pode, ainda, provar. Por exemplo, sem o Dogma Central da Biologia Molecular o século XX teria sido muito diferente!
Indo ao início do teu texto, deixa-me só “emendar a mão”. O que eu queria dizer era “nem todas as posições e ideologias têm de ser alicerçadas na ciência”. E, na minha opinião, a ciência é um instrumento útil, uma ferramenta necessária, mas é falível e facilmente manipulável. É uma resposta, não a resposta para tudo. Ainda bem que há muita coisa que se constrói com base na ciência, ainda bem que se vai evoluindo, mas caro Winston, a ciência está em constante mudança (o que hoje é mentira, amanhã é verdade). Tantas teorias com validade científica, construídas à base dos dados obtidos, se revelaram mais tarde erradas à luz de novas interpretações e novos dados. E tanta ciência séria que se contradiz mutuamente! A ciência não é a verdade porque isso contraria a sua própria essência. Fundear tudo na ciência é inevitavelmente perigoso.
Deixa-me ainda pegar num excerto teu:
Por último, Rousseau elaborou uma teoria onde o Homem era visto como sendo bom desde nascença sendo corrompido a posteriori pela sociedade - o chamado "mito do bom selvagem". Hoje, mais uma vez através da ciência, sabemos que isto não é verdade e que [b]a nossa personalidade é moldada, em partes idênticas, pela sociedade e pelo biológico (genes)[/b].
Tanto quanto sei, essa é uma questão bastante polémica e está longe de estar resolvida. Não é de todo a minha área de trabalho, mas não me parece que o que tu afirmas tenha sido provado (principalmente o que se refere a “partes idênticas”).
Esta discussão, embora salutar, não vai alterar os nossos pontos de vista. Permite-me concordar em discordar e desejar-te um feliz feriado de 25