Resposta da União zoófila:
[b]Olá boa noite,
Apesar de tardia aqui vai a resposta à questão que nos colocou sobre os cães que o seu amigo tem e as queixas apresentadas pelo vizinho.
Aqui existem duas situações jurídicas relevantes que são: por um lado, o ruído do ladrar dos cães e os processos de contraordenação a que isso pode dar origem pelas sucessivas “queixas” do vizinho; por outro lado, o(s) crime(s) de maus tratos por parte do vizinho relativamente aos cães.
Quanto à primeira questão, o que tem a dizer-se em primeiro lugar é que se a casa for do senhor ou for arrendada, mas o senhorio tiver permitido que os cães habitem a habitação, o senhor tem o direito de os ter lá.
Depois, relativamente ao ladrar, aplica-se o Regulamento Geral do Ruído (DL n.º 9/2007), de acordo com o disposto no seu artigo 2.º, n.º 2.
Quanto à parte prática da questão, como sabemos, é muito difícil evitar que um cão ladre, principalmente quando se aproximam pessoas do local onde está, ainda para mais, sendo a sua casa. O ideal seria manter os cães no interior (eventualmente, insonorizado), pelo menos, durante a noite, como, pelos vistos, o senhor já fará, e inscrevê-los numa escola de treino positivo, de forma a tentar diminuir a tendência que eles têm de ladrar quando se aproximam pessoas. É, também, importante tentar compreender se os cães estão a ladrar mais por stress causado pelas atitudes do vizinho ou por falta de exercício físico, por exemplo, e é nisso que o treinador poderá ajudar, igualmente.
Quanto à parte jurídica, existe uma colisão de direitos que são: o direito do tutor dos cães a tê-los em sua casa e o direito do vizinho ao sossego.
O artigo 24.º do Regulamento Geral do Ruído, estabelece a competência das autoridades policiais para ordenarem a cessação da produção de ruído feita entre as 23h e as 7h (n.º 1) e para fixarem um prazo para o produtor do ruído feito entre as 7h e as 23h o fazer cessar (n.º 2). Tendo os polícias notificado o senhor e dependendo do conteúdo dessa notificação, ao não cumprir aquilo que ficou estipulado na notificação, o senhor poderá incorrer na contraordenação ambiental leve prevista no artigo 28.º, n.º 1, alínea h) ou alínea i), consoante e se a notificação se tenha referido a ruído feito durante o período das 23h às 7h ou das 7h às 23h, respectivamente.
As coimas relativas a contraordenações ambientais leves encontram-se previstas no artigo 22.º, n.º 2 da Lei 50/2006 (Lei Quadro das Contraordenações Ambientais), sendo que se for considerado que apenas houve negligência, a coima poderá ser entre €. 200,00 e €. 1000,00, mas se for considerado que houve dolo, a coima poderá ser entre €. 400,00 e €. 2000,00.
No caso de o senhor vir a ser notificado da prática de uma contraordenação e para pagamento da respectiva coima, tem 15 dias úteis para apresentar defesa escrita, nos termos do artigo 49.º, n.º 1 da Lei 50/2006, podendo requerer a redução da coima.
O pagamento voluntário da coima efectua-se pelo valor mínimo, nos casos de contraordenações leves e graves, nos termos do artigo 54.º, n.º 1 da Lei 50/2006, desde que a prática da contraordenação tenha cessado, mas este pagamento voluntário equivale a condenação, para efeitos de reincidência (artigo 54.º, n.º 4 da mesma lei).
É conveniente consultar um advogado aquando da recepção da notificação para que este o possa aconselhar e elaborar a defesa escrita, ressalvando os interesses e direitos do senhor e dos seus cães. Inclusivamente, na defesa escrita, o senhor poderá, por exemplo, alegar que os seus cães ladram muitas vezes porque o vizinho lhes atira objectos e os maltrata e que o ladrar deles é uma reacção a esse facto. Além disso, o ruído, neste caso, o ladrar, tem de ser perturbador da tranquilidade da vizinhança ou da saúde pública, através da sua duração, repetição ou intensidade. Nos termos do artigo 1346.º do Código Civil, o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de ruídos provenientes de prédio vizinho, sempre que tal importe um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resulte da utilização normal do prédio de que emanam. Como deter um animal numa moradia recai no âmbito de uma utilização normal desta, o conflito de vizinhança só pode considerar-se se os ruídos provocados pelos animais causarem um prejuízo substancial para a casa do vizinho.
Atenção que o incumprimento de ordens ou mandados legítimos da autoridade administrativa transmitidos por escrito aos seus destinatários corresponde a contraordenção leve, nos termos do artigo 25.º, n.º 1 da Lei 50/2006, mas se a pessoa continuar a incumprir a ordem, isso poderá levar a aplicação de coima correspondente à prática de contraordenação grave.
Se for praticada uma contraordenação grave ou muito grave, pode ser aplicada a sanção acessória de apreensão dos animais, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, m) da Lei 50/2006, se os animais tiverem sido utilizados para a prática da mesma (artigo 31.º, n.º 9 da mesma lei).
Relativamente à segunda questão, do crime de maus tratos praticado pelo vizinho contra o cão, a recolha de provas é fundamental, de facto. As provas que poderão ser apresentadas são, por exemplo: o relatório do médico veterinário que o senhor referiu; o chumbo retirado do olho do cão, para poder ser enviado para análise forense; fotografias do olho do cão com o chumbo; fotografias de chumbos ou vestígios de chumbos no chão, dentro do terreno da casa do senhor; testemunhos de vizinhos ou pessoas que estivessem em casa do senhor ou a passar na rua e que tenham ouvido ou visto algo relevante para o caso, entre outros. Seria positivo se o senhor pudesse instalar videovigilância na sua casa, de forma a poder ter registos fotográficos, áudio e/ou vídeo dos maus tratos praticados pelo vizinho.
Os maus tratos a animais de companhia são crime, previsto e punido, nos termos do artigo 387.º, n.º 1 do Código Penal, sendo que se os maus tratos causarem privação de órgão (neste caso, o olho), a moldura penal é agravada, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
Na apresentação da queixa, o senhor deverá juntar o máximo de meios de prova possível e, de preferência, ser acompanhado por um advogado que conduza a questão de forma a salvaguardar os direitos e interesses do senhor e dos seus cães.
Depois de apresentada a queixa, o procedimento criminal é iniciado e o Ministério Público inicia a investigação, para depois deduzir acusação contra o vizinho, caso reúna provas suficientes contra ele, daí a importância de juntar o máximo de meios de prova possível.
Se os cães do senhor estão em risco, seria importante tomar algumas medidas que evitassem que o vizinho conseguisse agredi-los e maltratá-los, como colocar sebes ou muros mais fortes, altos ou compactos, a videovigilância já referida, maior vigilância humana, menor acesso dos cães aos locais do terreno onde é possível aceder-lhes pelo exterior da casa, por exemplo, criando cercas dentro do próprio terreno, para garantir a sua segurança.
Cumprimentos
União Zoófila
www.uniaozoofila.org[/b]