[b]Salvar a Grécia pelo bem da Europa por TIMOTHY GARTON ASH, politólogo Hoje[/b]A Europa deve salvar a Grécia. As consequências de o país permanecer na zona euro serão más, mas se sair elas seriam ainda piores. Não só as económicas, como também as humanas, geopolíticas e históricas. A Europa não voltaria a ser a mesma.
Estive há uns dias na Grécia e fiquei convencido disso enquanto contemplava a colina de Pnyx, o berço da democracia, e falava com dirigentes empresariais, jornalistas e professores, muitos deles muito críticos em relação ao governo do Syriza. No entanto, volto ao norte da Europa, Inglaterra, Bélgica e Polónia e não só vejo indiferença como também dois perigosos equívocos.
O primeiro é a ideia generalizada de que, não se sabe como, o jogo de provocações entre a Grécia e a Alemanha desembocará num arrevesado acordo típico de Bruxelas. O segundo é a opinião de que, de qualquer maneira, também não é uma tragédia assim tão grande se a Grécia sair: esta representa menos de 2% da produção da zona euro e agora existem contrafogos para impedir que o incêndio se alastre a outros países meridionais. Porque devem os povos trabalhadores do norte da Europa, que suportaram as reformas estruturais e a austeridade, continuar a pagar aos que não o fizeram? Talvez seja melhor para todos que a Grécia saia. Francesco Giavazzi, professor de economia na Universidade Bocconi de Milão, atreve-se a escrever: “Deveríamos perguntar-nos se é realmente assim tão importante que a Grécia continue na UE”.
Para começar, tudo isso pode acontecer amanhã. Os depósitos bancários gregos estão a diminuir sem cessar: mais de 500 milhões de euros num só dia, 5 de junho, depois de o governo ter cancelado um reembolso previsto ao FMI. Os ricos já tiraram grande parte do seu dinheiro do país e os pobres estão a guardá-lo debaixo do colchão. Uma nova onda de pânico nos bancos e começarão os controlos de capital e as promissórias de um governo em bancarrota para manter os salários e as pensões. Talvez pudesse salvar-se a situação com uma espécie de falência negociada dentro da zona euro, mas é uma teoria muito arriscada. Poderíamos acabar com um Grexit por Graccident.
E porque devemos preocupar-nos? Entre outras coisas, os mercados compreenderiam que a pertença à zona euro não é irreversível. O contágio aos títulos do Tesouro do país devedor seguinte não seria imediato, certamente, mas qualquer nova crise numa economia débil poderia desencadear a agressividade especuladora.
E isso sem contar com o custo económico, ou seja, humano, para a Grécia. Não serve de nada voltar a mencionar os erros do passado: há-os em quantidade suficiente para encher todos os confessionários da cidade polaca de Wroclaw (de onde escrevo). A Grécia nunca deveria ter sido membro de uma zona euro que nunca deveria ter existido com tantos defeitos de conceção. Uma situação que já era má piorou por culpa dos governos clientelistas que se endividaram com as taxas de juro alemãs durante os primeiros anos do euro, em conivência com os seus oligarcas; agravou-se ainda mais com o tratamento prescrito pela Alemanha e pelo FMI; o doente fingiu seguir o tratamento, mas não o fez e assim sucessivamente. Mas não vamos discutir isso agora.
Seja de quem for a culpa, o facto é que muitos gregos sofreram terrivelmente. Em puros números, os gastos reais caíram aproximadamente um terço em sete anos e quase um em cada dois jovens está desempregado. Um dado ainda mais terrível: o número de suicídios aumentou mais de 35% desde 2010. Não posso esquecer a história de Theodoros Giannaros, diretor do hospital Elpis de Atenas, exausto, fumando, trabalhando 20 horas diárias com recursos reduzidíssimos, que, enquanto tratava de salvar vidas, tomou conhecimento de que o seu filho de 26 anos se tinha suicidado atirando-se para a linha do metro.
Se a Grécia saísse da zona euro, ninguém sabe o que aconteceria, mas o economista e prémio Nobel Christopher Pissarides acredita que os gregos experimentariam a maior descida do nível de vida da história recente. E todos os gregos se perguntariam para quê terem sofrido tanto. Dado que ainda está em vigor o sistema político inventado na antiga Atenas, a fúria e o desespero expressar-se-iam nas urnas, das quais, caso não acontecesse um milagre, surgiria provavelmente um governo ainda mais radical, populista e nacionalista quer de direita quer de esquerda.
Isso teria graves consequências para a UE e para o lugar desta no mundo. Independentemente de, em teoria, a saída da zona euro poder ou não implicar a saída da União, tanto a tentativa de que a Grécia aí permanecesse como a possível separação implicariam anos de complicações. Entretanto, um governo radical grego poderia, por exemplo, vetar novas sanções à Rússia a propósito da Ucrânia. Ainda que Moscovo não investisse muito dinheiro, ficaria encantada por usar a cartada política da solidariedade entre duas grandes nações ortodoxas. No que toca aos milhares de refugiados que chegam de África e do Próximo Oriente, os gregos estariam desejosos de os deixar passar diretamente para esses outros países europeus mais ricos que (na sua opinião) os tinham abandonado.
Perguntei a um ex-ministro turco como reagiria o seu país. Com o “neodracma” desvalorizado, disse, a Grécia seria uma concorrência barata para o turismo turco, mas do ponto de vista geopolítico, atrairia menos outros países da UE. A Turquia tentaria converter-se numa potência regional de pleno direito.
Pelo seu lado, a China já é dona do porto industrial do Pireu em Atenas, que considera uma entrada vital na Europa dentro da sua ambiciosa estratégia conhecida como “a nova rota da seda”. Pequim, com as suas grandes reservas de divisas estrangeiras, estaria disposta a assumir os gastos e, de passagem, adquirir mais influência na UE. O antigo berço da Europa e da democracia - a frota grega que derrotou a Pérsia na Batalha de Salamina partiu do Pireu - não seria mais do que a ponta da cauda do dragão chinês. E mais tarde ou mais cedo apareceria um ferrão nessa cauda.
Por isso, ainda que não simpatizem de todo com os gregos, nem sequer com o Dr. Giannaros e o seu defunto filho, enquanto vos restar algum senso e vos preocupar o futuro da Europa, compreenderão por que razão devemos salvar a Grécia.
Timothy Garton Ash é catedrático de Estudos Europeus na Universidade de Oxford, onde dirige atualmente o projeto freespeechdebate.com e investigador titular da Hoover Institution na Universidade de Stanford. O seu último livro é Facts Are Subversive: Political Writing from a Decade Without a Name.
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=4627982&page=-1

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