Pela primeira vez um árbitro pediu desculpa por um erro em comunicado publicado no site oficial da Liga. Foi uma exigência sua?
É uma posição que dignifica a arbitragem, de grande humildade e sentido profissional.
Os árbitros ficam a saber que a partir de agora e perante erros graves vão ter de se retractar?
Os parâmetros éticos e profissionais do grupo estão definidos e vão ser cumpridos. Mas nunca disse nem direi a um árbitro para pedir ou deixar de pedir desculpa. Depende da consciência individual de cada um.
Nunca sentiu necessidade de pedir desculpa?
Em campo, pedi muitas vezes desculpa aos jogadores.
Como é que reage quando vê uma péssima arbitragem?
Sinto o mesmo que sentia quando era árbitro. Fico muito triste.
Não fica furioso?
Fico triste. Não me esqueço de que sou um condutor de homens. Vou precisar daquele árbitro para os jogos seguintes. Não posso ir ao mercado de Inverno comprar reforços. Tenho estes e só estes e em alguns casos para mais de dez anos. O meu papel é insistir sempre na formação de forma a reduzir a margem de erro.
Perante erros tão grosseiros não é humano que um jogador perca a cabeça?
A posição do Duarte Gomes e da sua equipa, de grande dignidade, está tomada. Vamos olhar para o futuro…
O Sporting e Vítor Pereira estão em guerra?
A Comissão de Arbitragem não promove guerras. Pelo contrário. Temos os canais de comunicação sempre abertos.
Já falou com os dirigentes do Sporting?
Não nem recebi nenhum pedido do Sporting nesse sentido.
O Sporting tem sido vítima de vários erros de arbitragem, ou não?
O Sporting é um dos 32 envolvidos na Liga e como todos os outros teve decisões em desfavor e terá tido decisões a favor. O nosso papel é criar condições para que a margem de erro seja cada vez mais reduzida.
Atendendo ao ambiente sensível, está com medo do dérbi do fim-de-semana?
Não. Tenho esperança de que vai correr muito bem e confiança na equipa que nomeei.
Vai dar algum conselho especial a Pedro Henriques?
Vou falar com ele. Tento sempre falar o máximo com os árbitros.
Vai ser uma conversa especial?
Este é um dos 240 jogos do campeonato. E, portanto, terá uma das 240 nomeações. Vamos criar condições a este quarteto e a todos os outros que lhes permitam estar na plenitude das suas faculdades.
Lamenta que as maiores críticas à sua actuação e à Comissão venham do seu clube?
Lamento.
Tem noção de ter prejudicado o Sporting por ser do Sporting?
Isso é uma falsa questão. Estou nisto de peito aberto e há muitos anos. Por isso é que sempre disse que era do Sporting.
A comissão está ou não a violar as leis de jogo quando diz aos árbitros para marcarem livre indirecto sempre que um jogador “atrase” a bola para o seu guarda-redes. Sempre que o árbitro julgar que a acção do jogador é intencional deve punir.
Um passe é a mesma coisa que um corte?
Um corte ou um passe são ambos pontapés. Por amor de Deus! Vou ter de passar a minha vida a explicar isto? São coisas tão básicas.
Se são básicos, qual a razão da comunicação interna?
Porque há aspectos da lei que dependem da apreciação do árbitro. Neste caso, é prerrogativa do árbitro decidir se a acção do jogador foi ou não deliberada. Deliberadamente, é a pedra-de-toque e é isso mesmo que diz a nota interna.
Na época passada não teve necessidade de fazer essa nota interna…
No ano passado fiz muitas intervenções por telefone. Tenho 77 pessoas de Viana do Castelo a Beja e é muito difícil conseguir uma comunicação global. Não são cerca de 25 pessoas com quem possa reunir de manhã e à tarde como qualquer treinador, mas tenho necessidade de conversar com elas e por isso fiz esta informação, que fosse ampla e padronizasse.
Teria marcado livre indirecto se tivesse arbitrado o FC Porto-Sporting?
Se dentro do campo com as limitações que isso traz entendesse que existiu intencionalidade de atirar a bola na direcção do guarda-redes marcava.
Está preparado para uma época polémica?
Eu e a comissão de arbitragem não vamos sustentar polémica.
Tenho a consciência tranquila e quando chegarmos ao final faremos o balanço. Veremos se há melhor ou pior arbitragem. Estou habituado a que me dêem razão apenas alguns anos mais tarde.
Vai ficar muito mais tempo na arbitragem?
Ser dirigente não é carreira. Não vou ficar muito tempo na arbitragem.
Por vezes, os árbitros compensam um erro feito a uma equipa com outro em sentido contrário. É compreensível?
Compensam? Não sei se isso acontece, mas, a ser assim como diz, é inadmissível. É muito mais grave cometer dois erros do que só um, sobretudo quando esse segundo já consubstancia premeditação.
Quando é que um erro do árbitro não tem desculpa?
Quando é premeditado ou deliberado.
E conhece casos desses?
Não.
Os árbitros deveriam a uma flash interview?
Um árbitro deve ser discreto. Explicar por sistema porque marcou uma falta ou porque mostrou um cartão vermelho, não adianta nada.
Anunciou que a profissionalização só deverá chegar em 2011. Esse passo só faz sentido com uma nova geração de árbitros?
A profissionalização é, sem dúvida, um projecto de futuro. Mas muitos árbitros estão já preparados para dedicar a sua vida a este projecto. Em 2011 será atingido o pleno porque o início do processo está previsto para 2008. Entretanto haverá um regime de transição. O profissionalismo nunca será num regime de exclusividade… Queremos um regime prioritário e não em exclusividade. Mas não podemos é ter árbitros a pedirem para não serem nomeados para jogos às segundas, quartas ou sextas, porque o patrão não os dispensa.
Como é que vai ser feita a triagem?
A arbitragem e a carreira são um processo que culmina na primeira categoria principal. Mas o nosso modelo já vem de há muito tempo e está desajustado da realidade. Deverão ser feitas reformas a nível regulamentar que permitam ao árbitro melhor preparação do que a que tem agora. Por outro lado, os pré-requisitos de acesso serão mais rigorosos.
Um ou dois exemplos:
A formação académica deverá passar para o 12.º ano, teremos critérios de avaliação psicológica, planos de formação e desenvolvimento pessoal individualizados, etc.
Isso obriga à reforma na cooptação dos observadores…
Claro que também terá de haver uma reforma. Neste momento, um árbitro internacional que acabe a sua carreira não pode ser observador. Aí está um aspecto importante a mudar, porque estamos a desperdiçar competências.
Os árbitros são o parente pobre do jogo…
O árbitro de estar mais enquadrado do ponto de vista financeiro com a realidade competitiva onde opera.
Quais as principais dificuldades que tem sentido até agora?
Senti e estou a sentir várias. Por exemplo, não consigo arranjar tempo para falar com os árbitros. Não tenho gente profissional. Cada um trabalha das 09.00 às 18.00. E acho que nesse período não devo telefonar-lhes. Depois, da seis às oito e meia vão treinar e das 09.00 às 22.00 têm o direito a estar com a família. Quando é que eu falo com as minhas pessoas? Lamento não falar mais vezes olhos nos olhos com os árbitros. Não tenho uma equipa de suporte profissional com quem posso trabalhar à séria.
Este cargo que ocupa pode deitar a perder a imagem de homem sério?
Mantenho a competência e a seriedade de sempre. E quando esta fase terminar (ser dirigente não é uma carreira) que se faça o balanço. E não tenho medo dele.
E que balanço faz até agora?
Temos vindo aos poucos a melhorar. Os árbitros viajam hoje de uma forma mais confortável, numa carrinha com motorista, 75 dos 77 árbitros estão a treinar em campo de futebol relvado pela primeira vez na história da arbitragem. Também pela primeira vez, têm a ajuda de um preparador físico e de um técnico de arbitragem em formação directa e contínua, vamos começar ainda este mês a frequentar ginásios para os treinos de recuperação activa. Tudo factores fundamentais para a evolução.
Que conclusões tira do teor das escutas transcritas no âmbito do Apito Dourado?
Descrédito. Olhei para elas com tristeza.
Mas sem surpresa…
Muitas cosias não me surpreenderam. Algumas não julgava possíveis.
Porque é que sempre o acharam um homem sério?
Se calhar porque dos que errava menos, e porque tive sempre uma postura de completa independência face aos poderes instituídos. Quando fui para a arbitragem prometi ao meu filho que ele nunca se envergonharia do pai.
Vai ficar muito tempo nestas funções?
Não. Como disse, para mim ser dirigente não é carreira. Não tenciono ficar muito tempo na arbitragem.
Quem é o melhor árbitro da actualidade?
A época passada, o melhor foi o Pedro Proença.
O que sentiu quando recebeu, através de seu pai, o troféu dos 50 anos de sócio do Sporting?
Senti-me mal porque quer dizer que estou a ficar velho, mas muito feliz por o meu pai ainda estar comigo.
E triste por não ter festejado mais títulos?
Isso já é o que é.
Qual foi a última vez que se recorda de estar a sofrer pelo Sporting?
Sofrer, sofrer, não. Mas a final da Taça UEFA foi o jogo em que mais desejei que o Sporting ganhasse.
É este ano que o Sporting vai ser campeão?
Ninguém pode responder a uma pergunta dessas.
Em que equipa aposta?
Gostava que o campeão fosse uma equipa reconhecidamente merecedora.
E qual é a que joga melhor futebol?
Gostava muito que fosse a da arbitragem.
Os árbitros são jogadores de futebol frustrados?
Quantos jogadores há que não atingem a primeira divisão? E verdade que os árbitros gostam de futebol, mas isso não faz deles jogadores frustrados.
Foi o único português presente em três fases finais de Campeonatos do Mundo…
Vivi momentos muito emocionantes, nomeadamente quando me estreei no França 98. |
Foi o melhor árbitro português?
O meu currículo é público. Comparem com todos os colegas de toda a história da arbitragem portuguesa e tirem conclusões.
Foi o único português presente em três fases finais de campeonatos do mundo (duas como árbitro, França e Coreia/Japão e no Alemanha, como elemento do quadro de instrutores de árbitros)…
Vivi um momento muito emocionante quando me estreei no França 98.
Vai sair um livro seu?
É um livro de memórias em jeito de diário onde se põe para posteridade momentos que fui a única pessoa a viver. Porque quando fui nomeado para o primeiro mundial não tinha qualquer referência, não havia nada de experiências. Não sabia nada. Fui à descoberta do caminho sozinho. Este livro tenta evitar que isso se repita.
A atitude de Scolari com o jogador sérvio é imperdoável?
Não me esqueço de que Scolari fez muito mais pelo futebol português e pelo País do que muitos daqueles que agora o atacam.
Se não fosse a arbitragem, teria sido actor?
Se calhar. Fiz dez anos de teatro - de 73 a 82 e nesse tempo seguir a carreira teatral era um acto de coragem.
O teatro ajudou-o na arbitragem?
Muito, sobretudo ao nível da comunicação. Falar bem, a dicção, a
expressão corporal, a linguagem gestual, o domínio das emoções. Mas nunca fiz teatro em campo. Sempre fui genuíno. O Vítor que lidava com os jogadores era o mesmo que lidava com o filho.
Se tivesse de dar aos mais jovens um exemplo na arbitragem, que figura escolhia?
Collina.
Na perspectiva da arbitragem, um jogador modelo…
Destaco Zidanne. Cheguei a aplaudi-lo em campo após ter feito golo com um remate a 25 metros da baliza. Em Portugal é mais complicado aplaudir um jogador. Mas tenho uma consideração especial por alguns: Rui Costa, Oceano, Baía.|