Que se lixe
MIGUEL ESTEVES CARDOSO
Pronto. Que se lixe. Levem lá a taça, que a gente continua cá, se não se
importam. Vamos ali fazer um piquenique com os alemães e voltamos já.
Poça, já se sabia que tinha de ser com o raio dos franceses e que Portugal
jogar mal ou bem seria irrelevante. Mas tanto?! A ironia, muito francesa
porque é daquelas pesadas e óbvias que não têm graça nenhuma, é que
Portugal jogou muito bem e a França não jogou nada. Aliás, quanto melhor
jogava Portugal, mais aumentava a probabilidade da França ganhar. É azar. É
esse o termo técnico, exactamente.
Não foi só o árbitro, embora este tudo tenha feito para ser a estrela
principal da partida. Não, é o azar que os franceses dão. Mesmo quando
estão cabisbaixos e amedrontados, cheios de vontade que o tempo passasse e
os poupasse, dão azar.
E porquê? Porque os portugueses também dão azar aos franceses, coitados.
Dão-lhes o azar de pô-los a jogar mal. E o azar de fazerem figura de tontos
e medricas. Os franceses também não mereciam tal azar. Tanto mais que cada
jogo com eles traz uma vingança pré-fabricada: depois desta meia-final, já
ninguém poderá dizer que Zidane e os “bleus” renasceram milagrosamente.
Onde? Quem? Não, o milagre foi só um: o de não terem perdido.
Em contrapartida, os franceses dão aos portugueses o azar de perder. Bonito
serviço. Assim não dá gosto; não se pode trabalhar; nem há condições para
jogar; é escusado. E quando jogarmos outra vez com os franceses, vai
acontecer a mesma coisa. O azar existe e o azar reincidente e metódico, no
caso da França, existe mais ainda. Antes fosse ao contrário? Talvez não.
Mais vale perder como perdemos, a jogar como campeões, do que ganhar a
jogar como os franceses, como perdedores natos, receosos e trapalhões, sem
saber o que se passa ou o que se vai passar. Fizeram má figura e ganharam.
Que os italianos lhes sejam leves!
Dirão uns que não faz mal, que já foi muito bom chegarem às meias-finais.
Mas não é verdade. Para chegarem às meias-finais foi preciso pensarem que
podia ser campeões do mundo. E agora custa um bocadinho - um bocadinho
nobre e bonito mas muito custoso - voltar atrás. Se a esplêndida selecção
portuguesa tivesse pensado que bastaria chegar às meias-finais nem tinha
ganho ao México e muito menos à Holanda e à Inglaterra.
Foi bonito saber, como ficou sabido e comprovado, que não é assim tão
difícil Portugal ser campeão do mundo. O próximo Mundial, em 2010, parece
muito mais apetecível por causa disso. É ganhável - como era este. Não se
pode subestimar a segurança que o Mundial 2006 trouxe à selecção. Já não se
pode falar em sonhos como se fossem delírios. Não: os sonhos agora passaram
a objectivos, altamente práticos e alcançáveis. É obra.
Portugal já não é o “outsider” que era nos primeiros dias do mês passado.
Por muito que isso custe aos detractores e inimigos (que utilizaram esse
estatuto marginal para nos marginalizar ainda mais), a partir de agora
Portugal é não só um campeão potencial como um campeão provável.
Tanto crescemos que finalmente ficámos crescidos, adultos, senhores. É bom
que os outros senhores do futebol comecem a habituar-se à presença e à
ameaça constantes dos novos senhores. Porque os antigos menininhos
portugueses, que eram tão giros e que tanto jeitinho davam, desapareceram
para sempre.
Este Mundial já está ganho. Que se lixe. Venha outro!
Foi isto que Scolari trouxe meus amigos, ser campeão passou a objectivo muito claro da nossa selecção…