Opinião de Dias da Cunha publicada no DN de ontem:
[b]Em Defesa do 'Manifesto'[/b]Num texto saído num diário generalista na última quinta-feira - texto esse, citado, embora apenas através de levíssima referência, no “Manifesto” que no mesmo dia foi entregue na conferencia de imprensa que os Presidentes do SLB e do SCP protagonizaram, escrito este daqui por diante referido como “Manifesto” - alguém, geralmente respeitado pelo seu saber na área da sociologia política, goste-se ou não das suas opiniões, explicava à saciedade que a identificação de problemas, mesmo quando reconhecidos por todos, a ponto de se tornarem “lugares comuns”, não bastava porque “há poderes e interesses poderosos, identificáveis, nomeáveis, com cabeças individuais e institucionais, e elas estão firmes que nem uma rocha e mandam em Portugal”.
O mesmo sociólogo, sempre no texto a que me estou a referir, identificava ainda, embora a título exemplificativo, tais " poderes e interesses poderosos" - os clubes de futebol não fugiam à enumeração - e explicava também que “em democracia é natural que assim aconteça”, mas que “o que não é normal” é que, como diz ser o caso de Portugal, " seja tão difícil exercer a autoridade democrática contra eles ou para além deles quando tal é necessário pelo bem comum".
E este é o problema. O que é que tolhe a autoridade democrática quando o “bem comum” exige o seu exercício?
A resposta é simples e, mais uma vez, encontra-se no texto de que tenho vindo a socorrer-me “Os partidos políticos estão mergulhados nestes interesses a montante e a jusante e, frágeis como são, precisam de ‘comprar’ eleitorado com a promessa de que nada muda na mediocridade”.
Aparentemente, e agora a opinião já é só minha, para que os partidos superem a sua aterradora fragilidade (aterradora quando se tem em conta a crise pela qual o País está a passar) bastará que os líderes partidários reflic- tam sobre tal fragilidade e, tornados conscientes das suas causas, se decidam a libertar-se das suas clientelas, que é como quem diz, dos “poderes e interesses poderosos” que os ajudaram a alcandorar-se às posições de que neste momento usufruem.
A aparência de “sólido betão” - expressão, uma vez mais, do autor citado - dos interesses instalados não passa disso mesmo, aparência.
E, no caso do futebol profissional, aquele que conheço, a própria aparência de solidez já se desvaneceu há muito. As “cabeças individuais e institucionais” estão identificadas e, ao menos em termos de opinião pública, perderam o peso antigo.
O “Manifesto” denuncia o essencial do que está mal no futebol profissional e nessa medida nem sequer se distingue do coro que periodicamente enuncia os males do País, verdadeira ladainha de “lugares comuns”.
Mas, diferentemente do que quase sempre acontece, o “Manifesto” aponta soluções concretas que, tanto quanto julgo saber, merecem o apoio dos portugueses e, por outro lado, nada têm de ideológico, a não ser, talvez, pela escolha do destinatário - o Estado -, algo a que só o liberalismo radical se opõe (o mesmo radicalismo que não tem pejo de encontrar justificação para a economia paralela feita sempre de dinheiro sujo, quando não pela sua origem, pela fuga ao fisco, pelo menos) e por isso mesmo merecem que o poder político as considere e as faça discutir.
Mas porquê o poder político?
Porque, independentemente da impossibilidade de os clubes se entenderem sobre seja o que for - impossibilidade que é real e é consequência da rede de interesses ilegítimos instalada em torno das estruturas do futebol -, as soluções que o “Manifesto” defende supõem/impõem profundíssima alteração da legislação em vigor.
Não há Assembleia Geral da Liga Portu- guesa de Futebol Profissional, daqui por diante a Liga, que possa dotar todos os agentes do futebol (dos Clubes às SAD, da Liga Portuguesa de Futebol Profissional à Federação Portuguesa de Futebol, das Associações de Árbitros aos Sindicatos dos Jogadores e dos Técnicos, sem esquecer os agentes FIFA e as outras formas de intermediação entre os Clubes/SAD e os Jogadores) de um plano de contabilidade adequado; e não pode porque aquilo que o “Manifesto” propõe está, evidentemente, fora da competência da Liga.
Não há Assembleia Geral da Liga que possa tornar autónoma a arbitragem (autónoma de si própria, Liga, mas também da Federação Portuguesa de Futebol), dotando-a do mesmo passo de um órgão independente - Conse- lho Superior da Arbitragem - que a acompanhe e fiscalize.
Não há Assembleia Geral da Liga que possa criar um Tribunal Desportivo. Obviamente, tudo isto é… óbvio.
Por que razão, então, a publicitação do “Manifesto” deu lugar a um inusitado chorrilho de baboseiras e enormidades, para proclamar
Pedir a intervenção do poder político é confissão imperdoável de fraqueza, quando não de falência;
Discutir fora da Liga é impróprio de cavalheiros e fazê-lo mais parece tentativa de golpe de Estado, etc., etc.
A razão é simples, os “interesses instalados” querem que nada mude - o “status quo” é condição da permanência de tais interesses - e, portanto, o que lhes importa é generalizar a confusão, dizendo não interessa o quê, e insultar a torto e a direito para assim criar um ambiente propício à eliminação sem discussão das propostas do “Manifesto”.
Responsáveis políticos, não se assustem.
Os “interesses instalados” dispõem de meios de comunicação social que, objectivamente pelo menos, estão ao seu serviço - um diário desportivo (Senhor Director, a de “atirar a toalha ao chão” só tem paralelo nessa outra pérola sua, aquela que, a partir de um novíssimo conceito de Direito, ao menos em Portugal, o de “acusação bidireccional”, o leva a considerar, cito de cor, que os juízes que prestam serviço nos órgãos das estruturas máximas do futebol foram atingidos pela proibição que recaiu sobre dois dirigentes desportivos de, com eles juízes, falarem, e deveriam, por isso, oferecer-se para depor Francamente, não conheço melhor desde o tempo da fábula “não foste tu, foi o teu pai…” ou, porventura, desde o tempo da responsabilidade colectiva de tipo leninista), quiçá até de um diário generalista, e de tribunas privilegiadas (dada a qualidade dos media que as proporcionam, que não a dos tarefeiros que as aproveitam) e, eventualmente, um canal de televisão, o tal que na 5ª-feira do “Manifesto” anunciou às 2 da tarde que às 8 da noite faria a cobertura directa e integral da conferência de imprensa dos Presidente do SLB e do SCP mas, afinal transmitiu um jogo de futebol no estrangeiro.
Não obstante tudo isto, já todos percebemos que os “interesses instalados” estão maduros para serem derrubados, basta um encosto…
E, para encosto, será suficiente dar transparência às contas, contas de todos os agentes do futebol, sujeitando-as à mesma fiscalização e colocar a arbitragem acima de qualquer suspeita, autonomizando-a.
Assim haja vontade política.
António Dias da CunhaPresidente do Sporting Clube de Portugal
Aguarda-se a publicação de contributo idêntico, pela pena erudita do presidente da «instituição do sporesboabenfique». Só não se sabe se virá n’O Crime (na página dos assaltos a camiões), em separata d’O Moralista (com ilustrações de Vilhena), ou como extra do DVD com os lances polémicos do último Benfica-Sporting. :lol: