De Pequenino se torceu o pepino

A entrada no confessionário, o desbravar de memórias de criança, é como viver no lado obscuro das trevas, ter coragem e frontalidade para o assumir. É como estar no inferno e procurar o céu…a história do renascer para um sentimento a roçar a paixão.

Paço de Arcos, 1982…

O rapaz que inundava os joelhos com cicatrizes desgovernadas, possivelmente devido a várias quedas duma bicicleta pequena, era afinal benfiquista. Ele que nunca tinha visto qualquer jogo na televisão desse clube, foi difícil á primeira vista nascer numa família sportinguista e ser conotado como benfiquista. Essa contradição tem algum de malicioso. Mas para o rapaz o Futebol ainda lhe passava ao lado, a única vez que o futebol na sua mente era quando se colocava a foto do jogador da bola numa carica duma garrafa Coca-Cola já sem vida. Tudo o que não fosse “jogos sem fronteiras” não faziam sentido para o menino de Paço de Arcos, excelentes aquelas noites de segunda-feira quando o clube de vermelho não jogava, era um silêncio puro que reinava naquela sala, fantasmas vermelhos já não nos podiam tirar o gozo de ouvir um Eládio Clímaco. O Rapaz adorava aquelas segunda-feiras, o 4º andar da Rua de Porto Alegre cheirava a contenção desportiva naquela altura.

Pobre rapaz influenciável, Para ele o desporto fazia-se com uns famosos canudos de plástico que faziam as delícias da pequenada, ou duma bola que já não era de trapos, mas também era jogada numa pelada, mas paixão por qualquer clube era algo inimaginável naquela altura, se havia paixão por algo ou por alguém era pela sua doce e querida avó Rosa. Mas naquela casa com vista para linha do Estoril, não reinava a democracia, e o rapaz teve mesmo de ser tornar benfiquista, O pão estava sobre a mesa e a esse é difícil dizer “NÃO”. Foi-lhe comprado um chapéu com uma imagem do famoso jogador cabeludo benfiquista, o rapaz olhou para essa prenda de natal com um olhar de indiferença, mas foi logo chamado á atenção para o facto de naquele clube a história se fazer ainda a preto e branco fruto das famosas vitórias ditatoriais do Professor Salazar. Se existe algo que associo frequentemente ao Benfica é António de Oliveira Salazar…

Bruscamente houve uma mudança de ares, fruto de romances e histórias de amor pouco previstas, o rapaz voltou a acompanhar a mãe nesta jornada chamada vida. Margem sul era o seu destino, ninho de industriais viciados em jogo. Aos poucos foi-se sentindo de novo em casa, e tornou-se apaixonando pelo lado oposto do “ser vaidoso e pouco humilde”, enfim o rapaz tinha voltado quase a renascer ou seja tinha-se tornado adepto do Sporting, o Tal de Portugal. Tinha voltado quase das trevas, ser daquele clube por intoxicação motivava quase um exorcismo puro, Foi bom ter voltado á vida referiu o rapaz…
Fruto de influências desmedidas, cedo se percebeu que estaria ali um rapaz pronto a defender a sua dama a qualquer preço. Decorria o ano de 1984 quando chegou a primeira prenda ligada ao Sporting, era uma bola e um lindo equipamento do Sporting, o rapaz moreno e de sorriso rasgado já podia contar aos seus amigos que o Sporting para ele era já o melhor de Portugal. Na escola vivia-se o gozo, o gozo e a ridicularização do Sporting, afinal estávamos no auge dos 18 anos sem glória, mas o rapaz não nunca desistiu do seu amor, um amor que mesmo não sendo á primeira vista se tornou um amor obsessivo e complexo, e sempre que podia defendia-o como duma batalha medieval se tratasse.

Naquela tarde de Primavera em 1989, o pequeno rapaz moreno sentiu o Sporting como nunca tinha sentido, Fernando Gomes o bi-bota partiu para a bola com pouca convicção e tinha desperdiçado a hipótese de passagem á fase seguinte da prova europeia, algo que o fez o menino feito rapaz chorar sem limite, aquela derrota marcou o início dum amor desmedido, e hoje em dia ainda é algo que é difícil de explicar. Não se chora por um penalty falhado, chora-se porque o nome do Sporting não tinha soado alto, chora-se porque existe algo dentro de nós que nos faz acreditar numa vitória, mas também se chora porque a nossa paixão não teve sucesso…ainda hoje esse menino não consegue explicar porque chorou dessa vez. Nesse tempo ainda se chorava pelo Sporting, consumia-se lágrimas de tristeza quando perdíamos, e ousávamos desafiar quem nos queria fazer mal. Naquele tempo ficávamos viciados no nosso clube, apertávamos com força o adepto do lado quando marcávamos um golo, virávamos a cara ao jogo quando nos sentíamos puramente gozados.
Ouço agora dizer que nos vencerem pelo cansaço, e neles solto a minha raiva, choro porque o rapaz já se sente indiferente ao ver o seu Sporting, para o Rapaz já feito homem existem já momentos mais importantes do que Sporting marcar um golo, existe uma vida feita de loucuras exigentes a nível familiar, mas o Sporting estará sempre para lá duma paixão, essa paixão que ainda me consome, mas vai se tornando cada vez mais pequena…ou cada vez menos importante. Ainda choro por dentro quando me querem afastar da minha paixão…

Genial Jaimitos :clap: :clap: :clap:

Quase chorei…
Sem duvida fenomenal :clap:

História da minha vida…

Muito bom Jaimitos.

Excelente texto. Os meus parabens e para que nao te sintas incompreendido, deixa-me dizer-te que tambem eu tinha a colecção quase toda das tais caricas com jogadores de futebol e muita pena tenho de me ter desfeito delas. Mas estava convencido que eram da Sumol, julgo que as da Coca Cola foi uma ou duas épocas depois. O guarda redes do Sporting ainda era o Fidalgo?
Que memorias…

:clap:

Fabuloso (mais uma vez) :clap:

e a minha historia…em pequenino levaram me po foculporco mas nunca tve amor por aquele clube, nao vibrava sequer. quando vi o meu primeiro jogo do sporting , ai sim , vi o que era a nossa paixao…

Muito bem, Jaimitos.
A paixão pelo nosso SPORTING é eterna!

Texto Lindo :clap:

Sporting , Amor Eterno!

Caraças… É verdade… Realmente, é verdade… Querem nos afastar do nosso Sporting. O ano passado andava por lá triste, nem chateado andava… Este ano já saio f*odido da cabeça ou contente, mas realmente já não defendo as cores como antes… Embora não haja nada para contra argumentar o nosso mau momento, o Sporting é o maior, apenas porque o é! É muito mais que todas as taças e títulos conquistados…

Nota: É incrível a quantidade de gente que se revê na tua história.

:clap: :clap:

Sou o teu fã nº1 Jaimitos. Tens uma paixão imensa pelo Sporting! :victory:

Texto fabuloso e tocante! :clap:

:arrow:

Same here. Deram-me camisolas, cachecóis do fculporto e nunca consegui gostar daquilo… Via os jogos e dizia que não gostava de futebol. Levavam-me às modalidades e ia passear e atirar papelinhos aos adeptos portistas de frente. Nunca gostei da forma de estar ou de sentir o futebol deles. Só falavam em como o pinto da costa era o maior, e riam-se das “piadas/bocas” dele. Curiosamente lembro-me de sentir me sportinguista numa ocasião em que se gabavam de tanta batotice e das nojeiras que saíam da boca do Pinto, que nunca mais consegui olhar direito para quem ganha daquela forma e se vangloria. O Sporting tinha ganho um adepto. A forma como nos anos 90 o Sporting com grandes equipas e jogadores de classe mundial, mas por “sorte infortuna”, o Sporting não ganhava, davam ao Sporting uma certa aura de romance que mais nenhum tinha, derrotas e eliminações dramáticas, vitórias pírricas mas reais… Era o Clube Nobre, derrotado mas não vencido, com Adeptos que nunca desistiam. Esse Clube maravilhava-me (e ainda o faz). A crónica está fantástica. :beer:

Jaimitos em grande!
:clap:

As caricas!!! Grandes campeonatos da carica fiz com os meus vizinhos! Grandes recordações… do inicio dos anos 80.

Bem, e grandes reprimendas da minha mãe por passar tardes inteiras nessa jogatana (não havia computador, era o nosso PES , o nosso FM :lol: ). Ela sempre a esconder-me a sacada de caricas, e eu sempre a dar com elas.

LOL… acho q nunca contei isto a ninguem: tenho ideia de uma tarde ver a minha mãe deitar o saco das caricas para o contetor do lixo da minha rua :twisted: : Vá de levantar-me a meio da noite, saltar a janela de casa e ir vasculhar o contentor a recuperar as caricas mágicas. isto para aí com 10 ou 11 anos!).
As caricas “oficiais” que recordo eram só de 4 equipas (Sporting, corruptos e orcs, e os pastéis)… mas depois eram os jornais e revistas que eram avidamente passados a pente fino à procura “daquela” foto com o tamanho certo do jogador desta e daquela equipa (que era cortada e colada na carica), até ficarmos com todos os jogadores do campeonato . Lembro-me ainda de fazer a equipa da Juventus.

Viviamos o Sporting com uma intensidade! Jogava-se à bola na rua , aos Sportings-Benficas, e se aquilo era levado a sério… da minha turma da primária, em pouco tempo éramos quase todos Sportinguistas, julgo que muito por influencia do meu cartão de sócio que eu exibia orgulhosamente a todos os colegas. E naqueles tempos, numa pequena aldeia , claro que ninguem era sócio de nenhum clube. MAS EU ERA!!!

PS: e enquanto escrevia, o Born_a_lion também debitou um belo comentário :clap:

Grande texto Jaimitos.

Revejo-me completamente no que escreveste e senti-me transportado para a minha infância, recordando-me da alegria e fascínio que sentia sempre que via as camisolas verde e brancas do nosso clube em campo. E aquela ansiedade antes dos grandes jogos que me levava literalmente a tremer de nervos :lol:
Já para não falar do dinheiro que o meu avô me ofereceu para eu me “mudar” para os lampiões (não me lembro quando, mas deviam ser 30 moedas de prata :mrgreen:). Mas o meu amor pelo SCP já na altura era demasiado forte…
POr isso é realmente triste que as sensações que o Sporting (pelo menos o seu futebol) me desperta actualmente sejam principalmente de raiva, frustração ou nalguns casos até indiferença…
A incompetência está progressivamente a matar a nossa paixão pelo clube isso não há dúvida, espero que estes senhores que nos dirigem actualmente ganhem vergonha e se demitam o mais rapidamente possível. Pior é impossível.

O texto é excelente. Acho que quem não sente algo ao lê-lo não é sportinguista. Infelizmente, hoje em dia um gajo no dia a seguir já se esqueceu da derrota do Sporting…estamos (e incluo-me aí) todos a deixar o Sporting morrer aos poucos.

Parabéns!o texto é muito bom mesmo…

Eu tenho esperança que vamos dar a volta por cima.

Embora ande desiludido, continuo a ver os jogos do Sporting com a mesma vontade. Dou por mim a perguntar à minha mulher “Eu não sei porquê que vou ver o jogo, já sei que vai ser mais do mesmo!” Mas a verdade é que vou sempre ver. Dou por mim a abdicar de certas coisas importantes, para ir ver o jogo, quando estamos, literalmente, na pior fase da vida do Sporting Clube de Portugal. Mas não desisto…e como eu há centenas de milhares de Sportinguistas…Isto é ser Sporting…sofrer…sofrer sempre! :slight_smile:

O meu Sportinguismo é de terceira geração, a " lavagem cerebral " que me fizeram começou muito cedo, de tal forma que em 82, com 8 anos, já vibrava com o título de campeão… com um avô e um pai sportinguistas ferrenhos, o meu sportinguismo é quase genético.

Vivo na zona metropolitana do Porto, relativamente longe da família e uma preocupação que tenho é " trabalhar " um pequeno sportinguista de 5 anos ainda demasiado influenciável, obviamente… numa região de poucos sportinguistas e com o clube no estado actual não vai ser certamente fácil. Para já é um trabalho com sucesso, tem uma enorme quantidade de brinquedos e roupas relacionadas com o clube e quando está com o resto da família, especialmente do lado materno, entre tios e primos direitos, são uns 30 leões, muitos deles também doentes pelo SCP… já conhece vários dos jogadores e seus números… não querendo agoirar, acho que vem aí outro leãozinho ferrenho em potência… um sportinguista de 4ª geração!

Essas mesmas, com os “quatro grandes”. que naquela altura ainda incluía os Pasteis (que nos meus “campeonatos” acabavam sempre em segundo, a frente das outras duas equipas criminosas, equipas que curiosamente passavam o campeonato todo sem jogar entre elas (eu lá ia perder tempo num jogo entre Porco e Lampiões)

Também fiz varias equipas, a diferença é que eu “pintava” as cores das camisolas e os nomes dos jogadores (sacados d’A Bola que o meu cota me comprava), aliás na altura do Mundial de 82 até fiz selecções e tudo ;D

Também era sócio, aliás tu também deves ter tido um daqueles cartões que ainda diziam infantil, lembras-te?

Mais uma vez um texto excepcional do Jaimitos, na senda do que já nos vem habituando, muitos parabens.
Incrivel a quantidade de gente que se revê nos escritos do Jaimitos, o que demostra a enormidade do nosso Sporting e o modo como a grande generalidade anda descontente com este estado de coisas.
Moro numa aldeia perto da Capital, esta é uma terra de Sportinguistas, tanto assim que o clube cá da terra, não é " associação desportiva e recreativa, nem união desportiva, nem não sei quantos futebol clube, não o Clube chama-se Sporting Clube do L…
Lembro-me que quando eu era mais novo só havia 7 benfiquistas, eram bastante conhecidos, 1º por serem tão poucos e 2º por viverem numa terra do Sporting.
Os tempos mudaram e muito, os mais antigos continuam, sendo do Sporting, mas hoje em dia os jovens já só quase por imposição dos pais e pouco mais é que conseguem entender o que é ser Sporting.
O nosso Clube tem que voltar a ser o que era e com a ajuda de todos nós e com a colaboração do Jaimitos e de outros como ele temos que mudar o actual estado de coisas.
Viva o SPORTING