Por muito que se tente atenuar as declarações de Eusébio, justificando-as com a sua idade avançada, ou com o infeliz e conhecido problema que tem com o seu amigo Daniels, de primeiro nome Jack, a verdade é que denunciam uma enorme deselegância. A roçar, lamentavelmente, a mesquinhez.
E creio que a comunicação social tem culpa nestas comparações baratas.
Como se Cristiano Ronaldo, depois de tudo o que já provou/ continua a provar, e com todo o respeito futebolístico que Eusébio nos merece, estivesse refém de um determinado número de golos ao serviço da selecção nacional, para “conquistar” o estatuto de melhor jogador português de todos os tempos.
Naturalmente que os tempos são outros, Eusébio e Cristiano são de gerações futebolísticas completamente distintas.
É verdade que Eusébio tem muito menos jogos pela selecção nacional.
É verdade que Eusébio não tinha as condições de treino (planos físicos meticulosos e especializados, acompanhamento nutricional etc) que Cristiano tem.
E por isso, nunca saberemos até onde poderia ir Eusébio. Que outro tipo de patamar, poderia atingir o seu futebol.
Mas não nos esqueçamos que os adversários de Eusébio, também estavam condenados a essas limitações “geracionais” em termos de optimização do futebol.
Ronaldo tem hoje, condições de trabalho fabulosas e um acompanhamento diário constante, mas é preciso também não esquecer, que os seus adversários (semanais), também usufruem dessa evolução a nível de treino.
Da mesma forma que nunca saberemos até onde poderia ir Eusébio nos tempos de hoje, também não sabemos que tipo de impacto teria um jogador, como Ronaldo, nos anos 60 e 70, obcecado pela perfeição, incansável no trabalho e com as suas capacidades inatas (técnicas e morfológicas. Ambas foram potenciadas com a evolução do futebol, mas sempre existiram).
Cristiano continua a pulverizar todo o tipo de recordes, numa altura em que o futebol é cada vez mais estudado, metódico, cínico e aprofundado.
Exceptuando “um dia sim” de todas as estrelas de uma determinada equipa, são cada vez mais raras, as goleadas de 10-0, 7-0, 8-0.
Obviamente que, esporadicamente vão acontecendo. Mas não com a frequência do passado.
Isso ilustra também as assimetrias do futebol “antigo”, comparando-o com o futebol moderno.
Hoje em dia, qualquer defesa, por muito “amador” que seja, conhece e estuda as movimentações do Cristiano.
A esmagadora maioria dos defesas (seja a nível de clubes ou selecções) são inacreditavelmente mais inteligentes, menos ingénuos, mais ratos, malandros, mais cultos do ponto de vista técnico e táctico.
Por muito (à falta de melhor expressão) falhado que um defesa seja, tem uma base de observação (volume de jogos visualizados) descomunal, que antigamente os defesas não tinham.
Hoje em dia, nem sequer um jogador mediano goza da propriedade “efeito surpresa”.
Os grandes jogadores vivem do instinto, do repentismo, do improviso, e naturalmente que Eusébio também tinha isso, mas tenho sérias dúvidas que um defesa inglês, italiano, espanhol, ou até mesmo português, acompanhasse religiosamente os jogos de Eusébio (Benfica vs Olhanense, ou um Beira-Mar Vs Benfica), as suas movimentações, os seus tiques, e soubessem em rigor, a melhor forma de o marcar, de o irritar, de o anular.
Perguntar-me-ão:" Então mas o Cristiano, também receberá informações acerca dos defesas e alas que defronta".
Naturalmente que sim.
Mas não comparemos a dificuldade de criar, em pleno 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 etc, com o espaço sobrenatural que os jogadores tinham no passado.
Construir, ganhar espaços, marcar golos, fazer realmente a diferença, é hoje muitíssimo mais difícil que antigamente.
É também por isso que a figura tradicional de número 10 tem vindo, lentamente, a desaparecer.
Não por falta de qualidade/criativade de muitos centro-campistas, e não apenas pelos contornos verticais e objectivos que o desporto rei encerra.
Claro que devemos respeitar todas as grandes figuras que o futebol mundial conheceu.
Mas “apetece-me” respeitar ainda mais o Cristiano Ronaldo e Messi, porque conseguem fazer a diferença como poucos fizeram no passado, num período da história do futebol muito específico.
Num período, onde o futebol é estudado como se de uma ciência se tratasse.
Num período, onde até os campeonatos secundários da Europa, ganham contornos profissionais gigantescos.
De tal forma que, aqui e ali, até equipas de escalões inferiores acabam por conseguir algumas proezas diante de equipas primodivisionárias.
Algo impensável, nos anos 60 e 70.
Paremos todos para pensar, e tomemos a real noção da dificuldade que é, HOJE, marcar mais de 50 golos durante 2, 3, 4 anos consecutivamente, ao mais alto nível!
O Luís Figo disse há poucos dias que no tempo de Eusébio existiam muitos grandes jogadores. No seu tempo, existiam grandes jogadores com qualidade para conquistar a Bola de Ouro, e hoje em dia, dois jogadores (Cristiano e Messi) estão num patamar demasiado acima dos restantes colegas de profissão, dando a falsa ideia que, hoje em dia a conquista da Bola de Ouro está mais facilitada. Nada mais longe da verdade.
Do meu ponto de vista, os jogadores desta geração estão longe de serem piores do que algumas gerações anteriores.
Ibrahimovic, Özil, Bale, Falcao, Ribbery, Robben, Iniesta, Xavi Hernandez, Neymar, apenas para citar alguns exemplos e cada um à sua maneira, são grandes jogadores.
A questão é que o futebol deixou de ser simplesmente um espectáculo desportivo. É muito mais que isso. Tornou-se numa indústria fortíssima, que fomenta a circulação de milhões de euros, e qualquer equipa mediana tem departamentos específicos de alto rendimento desportivo, departamentos de Scouting, e é extraordinariamente difícil, um jogador fazer realmente a diferença durante tanto tempo, como é o caso de Ronaldo e de Messi.
Bem mais do que marcar X golos em Y jogos pela selecção nacional, faço questão de realçar a excelência de Ronaldo, porque provou nos dois campeonatos europeus mais competitivos, (inglês e espanhol) que é, no seu tempo (e já estou a falar de um
período significativo), um dos melhores jogadores do mundo.
Para além de já ter conquistado uma bola de ouro, nos últimos 6 anos, Ronaldo falhou o pódio de “Melhor do mundo” por uma única vez.
Acresce o facto de Ronaldo estar a competir, segundo muitos, contra o melhor jogador do mundo de todos os tempos.
Ronaldo contribuiu decisivamente para que o Real Madrid superasse o Barcelona de Messi (também segundo muitos, a melhor equipa/ou pelo menos uma das melhores equipas de todos os tempos) numa prova longa.
Isto é, apesar da liga dos campeões ser o troféu mais desejado por todos os colossos europeus, penso que é mais difícil vencer um campeonato de 38 jornadas, onde participe “aquele Barcelona”, do que vencer, por hipótese, o Barcelona numa final, (em que também o Ronaldo foi decisivo. Taça do Rei) como fez por exemplo o Chelsea.
Sem com isto retirar mérito ao Chelsea que teve de ultrapassar diversos tubarões para conquistar o caneco.
Ronaldo vulgarizou o Barça, quando o Barça estava no seu auge. Vulgarizou o Bayern Munique quando os bávaros estavam no seu auge.
Já partiu jogadores como Puyol, Carvalho, Terry, Pique, Kompany, Nesta, Lúcio, Ashley Cole, Dani Alves, Maicon, e os seus ex-colegas Ferdinand, Vidic, Evra. Já marcou a guarda redes da qualidade de Valdes, Rui Patrício, Helton, Neuer, Petr Cech, Júlio César, Coupet.
Desde que Ronaldo actua na selecção nacional, que Portugal nunca falhou uma fase final de um campeonato do mundo ou da Europa (2004, 2006, 2008, 2010, 2012).
Desculparão, mas isto não poderá ser mera coincidência.
E o mérito de Ronaldo é maior, em termos de contribuição, se pensarmos que a qualidade da selecção nacional tem vindo a descer substancialmente.
Ronaldo “ainda apanhou” uma selecção interessante em 2004 e 2006, mas desde aí que individual e colectivamente a selecção nacional tem perdido classe.
E mesmo assim, mesmo com um seleccionador medíocre, só fomos afastados do Mundial de 2010, através de um golo irregular, frente à selecção que mais tarde venceu a prova, e novamente pela mesma selecção em 2012 através do desempate de grandes penalidades.
Não fosse o brilharete de Ronaldo, e provavelmente nem sequer teríamos ultrapassado a Bósnia no recente play-off.
Não fosse o brilharete de Ronaldo em Belfast, e a esta hora todos estariam a olhar para o calendário de Israel e o Postiga teria perdido a cidadania portuguesa.
Não fosse o brilharete de Ronaldo no último europeu frente à Holanda (2 golos e duas no barrote) e frente ao Petr Cech e onde já estaria o Paulo Bento.
Pensem em tudo aquilo que Cristiano já havia conquistado a determinada altura, aos 25 anos já estava no top 10 de melhores marcadores de sempre da selecção nacional, e mesmo assim, a imprensa nacional fazia questão de enfatizar a ideia “Cristiano ainda não fez nada na selecção”.
Já o disse, quem se lembra não me deixa mentir, e repito: bastaram dois jogos menos bem conseguidos no Europeu, e a crítica já estava a pedir banco para o Ronaldo.
Já estavam a reclamar a titularidade do jovem Nelson Oliveira!
Este texto, não tem o intuito de diminuir o jogador Eusébio.
Mas Eusébio da Silva Ferreira jogou no Benfica, maioritariamente nos anos 60.
Só alguém, movido por uma enorme desonestidade intelectual, ou dose pornográfica de facciosismo é que, não reconhecerá a protecção nacional (interesses de natureza política) de que gozavam os jogadores do Benfica.
Em termos de popularidade e aceitação nacional, Cristiano Ronaldo teve o “azar” de se ter formado no Sporting.
Não teve a “sorte” se ter formado no clube de Rui Costa.
O Rui Costa é outro exemplo. E reparem que o Rui foi um jogador que eu sempre admirei. Grande jogador.
Mas vejam tudo aquilo que o jogador Luís Figo teve de conquistar colectiva e individualmente, e o tempo que a comunicação social levou para destacá-lo categoricamente da sua geração, independentemente da classe do Rui Costa.
Eusébio teve um peso importante na história do futebol nacional e mundial, levantou bem alto a bandeira da selecção nacional e elevou o nome do futebol português.
Mas penso que o mérito de Ronaldo deve ser enfatizado, se pensarmos que Eusébio, enquanto esteve no seu auge, jogou sempre no mesmo campeonato.
Sempre na sua zona de conforto.
Durante bastante tempo, os seus colegas de selecção foram os seus colegas de equipa.
Sem retirar todo o mérito que Eusébio tem, imaginem o luxo e vantagem que não terá sido, jogar na selecção, já com bastantes processos consolidados, conhecendo muito bem todos os compatriotas, não apenas pela esmagadora maioria dos titulares jogarem na sua equipa, mas também porque nenhum jogador, naquele tempo, alinhava noutro campeonato europeu.
Entendo perfeitamente que o passado merece respeito, mas “não percebo” o receio da Comunicação social em coroar Cristiano.
Se colegas, ex-colegas, treinadores, ex-treinadores, treinadores adversários, jogadores adversários, dizem que Ronaldo é provavelmente o jogador mais completo da história do futebol mundial porquê tanta dificuldade em considerá-lo o melhor jogador português de todos os tempos?
Se Ronaldo quisesse, podia perfeitamente ter continuado no seu “cantinho” (United), onde já era rei, Bola de Ouro, com duas finais de champions, tri-campeão inglês, onde já conhecia perfeitamente a dinãmica da Premier league, os adversários, os colegas. Mas não.
Decidiu arriscar. Arriscou tudo!
E eu lembro-me perfeitamente dos vaticínios que se faziam na altura:
“Vai falhar”.
“O futebol espanhol não tem tanto espaço como o inglês”.
“Os defesas são mais inteligentes e não vão tanto à queima”.
Lembro-me disso tudo!.
E, ironicamente, em Espanha, conseguiu evoluir ainda mais.
Caríssimos, duas botas de Ouro nos tempos modernos, concretamente em 2007-2008 e 2011-2012, e em dois campeonatos tão distintos dos restantes, como é o caso do campeonato espanhol e inglês, é de uma dificuldade incrível.
Depois de já ter no bolso, Botas de ouro, Bola de Ouro (na concorrência está um dos melhores de sempre), Champions, título de melhor marcador do campeonato da Europa, melhor marcador de edições da champions, taça do rei, melhor marcador da taça do rei, campeonato espanhol conquistado ao poderoso Barcelona, campeonato inglês, e depois de aos 28 anos já ser o segundo melhor marcador da selecção, sem sequer jogar a ponta de lança, e onde actualmente abundam mais os jogadores medianos do que grandes jogadores, qual é a dificuldade em reconhecer Cristiano Ronaldo como o melhor jogador português de todos os tempos?
E outro “pormaior”, a pressão mediática que Ronaldo carrega às costas (imprensa “côr de rosa” a nível mundial, namorada mediática, exploração doentia dos media no seu contexto familiar, preço que o Real desembolsou pela sua contratação etc).
Nenhum futebolista no mundo, carrega a mesma pressão mediática do Cristiano.
Eusébio é mundialmente conhecido, mas não fará sequer ideia da dificuldade de jogar com a pressão mediática e sufocante de Ronaldo.
Saberá o que é jogar em ambientes adversos. Obviamente que sim.
Mas não terá jogado, sempre de 15 em 15 dias, em ambientes hostis, provocatórios e inflamados.
Cristiano será porventura, actualmente, o jogador mais insultado a nível mundial, pelas claques adversárias.
Seja em jornadas espanholas (jornadas inglesas no passado), ou em campanhas de selecção.
Não pela sua atitude, ou desrespeito pelo adversário, mas sim sobretudo, pelo receio que as pessoas têm que Ronaldo “abra o livro”.
O rendimento constante que o Cristiano apresenta, em função da pressão diária/inveja/ódio que carrega, é notável. Não existe sequer, um pingo de comparação.
Não deixa de ser curioso que, embora seja o melhor jogador português de todos os tempos, tem sido até ao momento, o jogador mais assobiado em jogos caseiros da selecção nacional!
E face aos seus números e registos, não creio que os assobios “fáceis”, se devam exclusivamente a algumas decisões precipitadas, ou excessos individuais.
Creio que os assobios têm uma enorme dose de premeditação.
Perguntei no passado. Mantenho o pedido:
Alguém que me dê um exemplo de um jogador tão completo.
- aceleração.
- velocidade.
- Força/Capacidade de choque.
- pé esquerdo.
- pé direito.
- Drible.
- jogo aéreo. Não apenas capacidade de impulsão. Cabeceia como poucos.
8 ) Capacidade de se transcender em ambientes demasiado adversos. - Bolas paradas.
- Finalização/Objectividade/Golo.
Perante tudo isto, insisto:
qual é a dificuldade em considerar Cristiano Ronaldo, o melhor jogador português de todos os tempos? Apetece-me responder.
Mesmo quando enverga a camisola da selecção, há-de ter sempre uma verde e branca vestida.
Que estranho mundo este, o da imprensa desportiva nacional.
Tal como ilustres sportinguistas já o afirmaram, a comunicação social nunca teve problemas em comparar Peyroteo e Eusébio, jogadores de diferentes gerações.
E agora “deixou de fazer sentido”? Agora passou a ser incomparável?
Uns são Reis, outros são Príncipes de Florença.
E outros, eternos bastardos.
Em Portugal, Cristiano nunca receberá uma Coroa de Louros. Mais depressa, terá uma de espinhos.