“Os velhos são os culpados do estado do Sporting”, “os velhos têm de abrir os olhos” e “os mais novos fazem o que podem mas têm menos votos”. São três frases que fazem parte do quotidiano sportinguista há vários anos. Há quem acredite piamente que a raiz do problema se esvazia na variante etária. Tem um pingo de verdade (a antiguidade fez a diferença nas últimas eleições), mas o fenómeno não se esgota aí. O conflito social latente entre os sportinguistas pode ser menos consciente mas existe e tem consequências muito maiores no balanço final.
“Há que expulsar a corja da continuidade e devolver o Sporting aos sócios” é outra frase que costuma vir acompanhada da expressão “croquette da Quinta da Marinha”. Aqui existe um maior desconhecimento em relação ao passado do clube. Muito se diz que o Sporting é um clube elitista e há um enorme fundo de verdade disso. Graças ao excepcional trabalho do to-mane, um dos grandes dinamizadores da WikiSporting, confirmei uma ideia que já tinha. Destaco duas frases da “História e Factos Relevantes” que ajudam a explicar os antepassados e a origem do Sporting Clube de Portugal: sobre o Sport Clube de Belas, percebe-se que teve o rei no jogo de estreia e que o clube foi classificado como “um grupo de jovens de boas famílias”. Mais tarde, o grupo de dissidentes formou um novo clube graças ao impulso dado por José Alvalade: “Vou ter com o meu avô e ele me dará dinheiro para fazer outro clube”.
José Alvalade Holtreman Roquette foi, na verdade, o primeiro a ter uma “banca” especial e é, como todos sabemos, familiar de José Roquette, o presidente que protagonizou com a criação da SAD a reaproximação do clube a uma “banca” diferente. Curiosamente, a minha família é Roquete (um “t”) e de Cascais, mas garante-me que estes Roquettes do Sporting tinham raízes em Vila Franca de Xira e não na Quinta da Marinha. Coincidência à parte, o que é certo é que de certa forma, foram estas “boas famílias” que recuperaram o clube e que hoje ainda têm uma influência tão grande nos destinos do Sporting.
E regresso ao conflito social. Mais do que velhos e novos, estamos dependentes das origens de cada um. Não são categorias estanques, claro está. Há velhos que querem o fim da “corja”, há novos que a defendem com unhas e dentes, da mesma forma que há elitistas que defendem a ruptura. Mas, na sua maioria, até nisto o Sporting está a viver um fenómeno semelhante ao de Portugal, em que a guerra entre classes (“o povo contra o grupo de políticos corruptos e promiscuidade entre grupos económicos”) atinge novos limites a cada mês. Sejam maquinistas, médicos, bombeiros, farmacêuticos, banqueiros ou de qualquer outra profissão, há uma crítica que resiste, como se os “chulos” fossem sempre os outros e a nossa classe aquela que está a ser mais afectada. Não há união de esforços para perceber o verdadeiro problema ou, se há, faz-se pouco por isto.
No Sporting é igual. Percebo na perfeição por que razão um candidato como Bruno de Carvalho seja tão mal aceite e acredito que se os fundos fossem brasileiros, norte-americanos ou árabes em vez de russos, as últimas eleições tivessem um resultado diferente. A maior parte de nós não tem idade suficiente para perceber a propaganda anti-União Soviética que se vivia em Portugal e de que forma essa ainda resiste, mais não seja no subconsciente dos que viveram a ditadura. Mais do que isso, também temos a taxa de alfabetização. O “doutor” era uma figura prestigiada, reconhecida, que abria portas. Abanava-se a cabeça porque era doutor, enquanto a maioria não passava de um letrado (com sorte) que tinha concluído a 4.º classe para poder tirar a carta de condução. E dessas limitações nasceram o medo de se ser enganado por alguém que não se conhece, especialmente numa era em que os enganos provocados por quem nos bate à porta continuam a aumentar.
O Sporting nunca foi um clube verdadeiramente de massas. Nasceu elitista, ganhou uma dinâmica diferente com a presidência de Ribeiro Ferreira e a era dos 5 Violinos, mas nunca perdeu verdadeiramente esse ADN elitista, por mais que eu, tu ou o vizinho venhamos de contextos diferentes. É por isso que esta guerra de facções continuará a ter tudo para correr mal, especialmente se o Sporting voltar a cair nas mãos do povo. Não acredito que não haja uma oposição forte e capaz de minar o trabalho à primeira oportunidade para recuperar algo que pensa ser seu por direito. Que não é.
Não tenho candidato definido à partida. Há dois anos não votei por ainda não ser sócio mas deixei-me entusiasmar por Bruno de Carvalho. Revi a minha paixão na dele, senti o sportinguismo que me empolgava em criança. Prometi que me faria sócio no primeiro dia pós-eleições se tivesse sido eleito. Não o fiz pelas razões que se sabem mas não resisti e uns meses mais tarde fiz-me mesmo sócio. Agora posso votar e acima de tudo não quero arrependimento. Quero que todos possamos encontrar o candidato que, enquanto presidente, conseguir aglutinar sensibilidades - na medida do possível - e tornar o Sporting mais forte. Que através da sua recuperação e crescimento, consiga tirar gás à oposição, adormecê-la. Da mesma forma que a chamada continuidade nos conseguiu adormecer durante vários anos, onde nunca houve quem tenha aparecido de forma convincente e esclarecedora (SAM e PPC não tiveram mais do que percentagens residuais).
Quero um Sporting mais forte. Um Sporting dos Roquettes e dos Roquetes. Dos Lopes que são Godinhos e dos Lopes que são Zés e jogam na equipa principal. Do que vive num condomínio fechado e estuda num colégio privado e do que vai a pé para a escola desde a casa atribuída pela câmara. Do patrão e do empregado. Quero um Sporting capaz de esquecer o conflito social.
Quero um Sporting verdadeiro! Não é muito difícil.
© Stromp3 2013