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Há anos que andava a ‘ameaçar’ ir ter com o Carlos Xavier à Quinta da Beloura para bater umas bolas de golfe com ele. Quando se acabaram as desculpas para os sucessivos adiamentos decidimos que o melhor, mesmo, era sentarmo-nos à mesa do seu restaurante, o Bar 19, por cima do club house, e revisitar os seus anos no futebol do Sporting e da Real Sociedad. Assim foi, com o antigo leão a confirmar que depois de ter sido um dos melhores médios da sua geração é hoje um dedicado cozinheiro e um golfista de emoções, que procura esquecer as memórias, tantas vezes menos boas, do futebol.
As melhores, certamente, estão centradas em dois nomes - Malcolm Allison e John Toschack. Com o primeiro ganhou o único título de campeão nacional em 15 anos ao serviço do Sporting. Com o segundo viveu o melhor período da carreira, na Real Sociedad, em Espanha. Curiosamente, foi ali que conheceu o único episódio em que teve o mesmo treinador por três épocas seguidas. Em Alvalade, recorda-se bem, o melhor que conheceu foram três ou quatro casos de treinadores que conseguiram completar uma época inteira.
“Isso era sinal de instabilidade do clube e da equipa. Na altura, quando a equipa não ganhava mudava-se de treinador, eram sempre eles que levavam por tabela. Era um ciclo vicioso, com insucesso atrás de insucesso pois não havia treinador que se aguentasse. Foi essa uma das razões de, em 15 anos, só ter sido campeão nacional uma vez no Sporting”, recorda Carlos Xavier enquanto acabamos a sopa de mariscos que ele próprio havia confecionado no início da manhã. Depois da sopa, eu e o repórter fotográfico Paulo Calado optamos pela caldeirada de lulas e o Carlos Xavier pelo esparguete carbonara.
A instabilidade de que fala não devia ter muito a ver com os treinadores que encontrou. Nomes grandes não faltam na sua lista. “Radisic foi o primeiro, que me lançou. Com Allison fomos campeões e depois começou uma roda vida de treinadores. Uma vez, com o Marinho Peres, estivemos 12 ou 13 jogos sem perder, mas à primeira derrota a equipa foi abaixo mentalmente. Foi preciso esperar pelo Paulo Bento, que esteve quatro anos no comando e mesmo não tendo sido campeão construiu uma equipa consistente e a partir daí voltaram a existir muitas mudanças”, sublinha o antigo jogador que, apesar de tudo, não deixa de sofrer pelo seu Sporting.
Real Sociedad
Olhando para trás, Carlos Xavier não hesita em dizer que a experiência na Real Sociedad foi a mais positiva na carreira, certamente porque, confessa, jogava onde queria, a seu bel-prazer.
“Mas isso só porque o Toshack confiou em mim, me ajudou e me deu liberdade,” avisa. “Já me conhecia do Sporting e foi ele que nos levou, a mim e ao Oceano, para a Real Sociedad. Hoje, se soubesse que iria acabar da maneira como acabei no Sporting, tinha ficado em Espanha. Se calhar ainda lá estava a trabalhar.”
Não foi assim e ainda hoje lamenta o regresso ao Sporting, porque o amor à camisola falou mais alto. O pior é que o fim da carreira não foi o que havia sonhado.
“Estava para fazer mais um ano de contrato, mas depois arranjaram ali um enredo em que todos foram culpados mas ninguém teve culpa. Arranjaram maneira de acabar a carreira aos 34 anos. Foi um fim precipitado. Garantidamente, podia ter feito mais um ou dois anos. Se tivesse ficado em Espanha teria jogado até aos 36 anos”, garante.
Descobridor de talentos
A carreira de treinador nunca o atraiu, garante, mas acha que podia ter seguido outras, como conselheiro ou, especialmente, como observador e descobridor de talentos. Não resiste a contar-me um caso. “Um amigo do Estoril Praia disse-me para ir lá ver um miúdo, por acaso num jogo com os juniores do Sporting. Levei lá o Bukovac e ele disse logo: liga para este miúdo já. Não consegui. Porque estava desligado e depois foi para o Benfica. Ao fim destes anos todos o Sporting queria pagar 30 milhões de euros por ele… Era o Danilo Pereira, que está agora no FC Porto.”
Casos de polícia
Ao longo da conversa, Carlos Xavier deixou escapar, diversas vezes, um sentimento de desilusão em relação ao futebol, ou melhor, em relação a várias situações que viveu dentro do meio.
“Sim, o futebol desiludiu-me muito,” confessa. “Senti muitas invejas, vivi muita podridão. No Estoril, por exemplo, quando fui adjunto do Litos, passei por uma situação incrível. O presidente deixou que a equipa descesse para a segunda divisão a troco de ir jogar com o Benfica ao Algarve apenas por causa da receita. Perdemos porque dentro do campo as coisas estavam todas feitas, ao ponto de mais tarde eu e o Litos termos sido ouvidos pela Polícia Judiciária sobre o que se tinha passado. O jogo foi comprado, ou vendido, neste caso. Os jogadores choraram no balneário.”, recorda, com tristeza.
“A partir daí deixei de ter dúvidas quanto às razões de queixa dos clubes pequenos. Os árbitros, se puderem, beneficiam sempre os grandes. E os grandes são os que choram mais e estão sempre a queixar-se. Se soubesse o que me esperava quando voltei a Portugal para acabar a carreira no Sporting tinha ficado na Real Sociedad e acabado lá,” garante.
É na sequência da desilusão com o futebol que surge a ligação de Carlos Xavier ao golfe. Na altura da escola de futebol, recorda que existiam as chamadas férias desportivas. No primeiro ano que experimentou não achou piada nenhuma e dizia que isso não era para ele. No segundo ano já achou mais graça e hoje é jogador de handicap 7,1.
“É um desporto apaixonante. Eu não treino, só jogo, muitas vezes com os amigos, às vezes sozinho, mas jogo muito. Se treinasse mais, seria ainda melhor jogador de golfe.”
Jogava com Jesus
Hoje em dia, Carlos Xavier reacendeu a esperança de ver o Sporting campeão nacional, tudo por culpa de Jorge Jesus.
“Não sei se vai ganhar o campeonato, mas tem condições para isso. É tudo efeito Jorge Jesus, que é um treinador que transmite aos jogadores vontade de ganhar. É parecido com o Allison. Se ele tivesse sido meu treinador, eu jogava de certeza, porque é daquele tipo de treinadores de que sempre gostei: exigente, sem olhar a nomes.”
Golfe e Bar 19: a sua praia
A ligação de Carlos Xavier ao Restaurante 19 começou há três anos. O local já existia mas a comida vinha de fora e isso tinha inconvenientes. Como já possuía experiência no ramo (foi sócio, com o irmão Pedro, do XXL, em Cascais) aceitou o desafio feito pelos atuais sócios, João Pedro Martins e Duarte Ferreira.
“Gosto do golfe e de cozinhar”, sublinha. “Sou eu que faço a maior parte dos pratos, que servimos em estilo buffet. Faço tudo, arroz de cabidela, feijoadas, camarões à moda da minha mãe, lá de Moçambique. Estou na minha praia - ligado ao desporto e à restauração.”
Bar 19
Rua das Sesmarias. 3, Quinta de Beloura
2710-692 Sintra. Telefone: 214662997