Ponto prévio. O BdC cometeu excessos na utilização das redes sociais que pelo conteúdo das mensagens criaram clivagens, e potenciaram a ideia de estarmos perante uma pessoa instável, dando assim gás ao momento actual. Justifica o circo que envolve o clube há mais de um mês? Justifica a ideia de que estamos perante uma pessoa nefasta para o clube?
É o que tento responder nas próximas (e longas) linhas.
O modelo de negócio do futebol português estava a funcionar sobre rodas quando em Março de 2013 Bruno de Carvalho foi eleito Presidente do Sporting.
Nesse modelo, na prática, só existiam dois clubes grandes em Portugal: Benfica na capital, Porto a norte. Eram estes dois clubes que discutiam os títulos nacionais de futebol e na maioria das modalidades. Eram eles que dominavam o discurso, preenchiam o espaço mediático e tinham acesso aos milhões da Liga dos Campeões.
Quem fazia os grandes negócios do futebol português, fosse nas transferências de futebolistas ou nos acordos de sponsorização eram estes dois clubes. E como não podia de deixar de ser, eram também estes dois clubes que dividam a influência nos principais órgãos de poder do Futebol Português: Liga e FPF.
O Sporting fazia o papel de palhaço-pobre, neste circo que só permitia a existência de dois ricos. E porquê? Porque Portugal é o que é, país periférico, com um mercado pequeno e pouco poder aquisitivo. Dividir o pouco que há por dois já acarreta dificuldades, dividir por três é uma chatice e significa que a margem de erro fica mais curta.
Por isso, o Sporting de JEB e GL era perfeito. Não incomodava, não ganhava, não tinha estratégia e como sempre acontece nestas situações, tinha perdido autonomia, por isso ora encostava-se ao Benfica, ora encostava-se ao Porto, e pelo meio ia perdendo a sua identidade.
A eleição de BdC foi uma pedra na engrenagem que girava quase na perfeição há vários anos. O discurso violento, necessário para se fazer ouvir, inicialmente foi recebido com um misto de desconfiança e gozo, mas rapidamente passou a ser escutado com mais atenção e recebido como uma ameaça ao status-quo.
O primeiro choque com a nova realidade aconteceu no final da primeira época desportiva com BdC ao leme. O Sporting de Leonardo Jardim, contra todas as expectativas, por força dos constrangimentos financeiros e a recordação da pior época desportiva na história do clube, terminava o campeonato em segundo lugar e atira o FCP para fora do acesso directo à LC. Pela primeira vez em muitos anos, um dos clubes que se tinha habituado a reinar, via-se confrontado com a possibilidade real de poder falhar o pote de ouro da UEFA.
No segundo ano, agora com Marco Silva, parecia que o status-quo voltava ao normal, Benfica e Porto nos dois primeiros lugares, e o Sporting em terceiro. Mas na verdade essa aparência era falsa. O Sporting ganhava a TP, o Porto tinha mais um ano sem títulos, e o Benfica começava a conquistar um poder inusitado nos media. Além disso BdC voltava a agitar o futebol ao trazer para a praça publica o caso dos Vouchers.
Mas mais importante, quando teve inicio a guerra pelos direitos televisivos, todos julgaram que o SLB e FCP iriam dividir entre si a fatia maior do bolo, mas foi o Sporting que acabou por celebrar o contrato financeiro mais elevado, ao assinar um acordo milionário com a NOS.
Os sinais de que o Sporting de BdC tinha deixado de ser um figurante para passar a actor principal começavam a confirmar-se e ao mesmo tempo a preocupar as cúpulas que durante anos, tinham mantido com alegria a bipolarização do nosso futebol.
Importa lembrar a rabula das eleições para a Liga que juntaram SBL e FCP do mesmo lado da barricada ao promoverem a candidatura de Luis Duque, com o intuito claro de achincalhar o Sporting e o seu presidente. Mas mais uma vez BdC soube responder á altura, patrocinando a candidatura de Pedro Proença que saiu vencedora.
Mas a bomba que mudou a face do futebol português, e radicalizou o discurso nos media transformando BdC no homem a abater, rebenta no dia 4 de Junho de 2015.
Contra todas as expectativas, e risos irónicos de alguns comentadores afectos ao Benfica, Bruno de Carvalho anuncia a contratação de Jorge Jesus! Foi como se de terramoto se tratasse. Foram horas e horas de programas na televisão, a tentar explicar como teria sido possível, ao Sporting, logo o Sporting, dar tamanho golpe no Benfica e LFV o rei da negociação.
Havia explicações para todos os gostos: era dinheiro dos angolanos, era dinheiro da Guiné Equatorial que iria patrocinar o clube através da petrolífera estatal. Deputados da nação e Eurodeputados escreveram artigos a exigir transparência, e acusaram o clube de usar dinheiro sujo exigindo investigações à SAD. Da esquerda à direita, por uma vez na vida, deputados uniam-se no espanto, incredulidade e difamação.
Estava dado o mote. Era preciso travar o Sporting porque este nosso mercado não comportava três galos numa capoeira pensada só para dois, e que no futuro podia ser reduzida a um. A perseguição a Jesus por parte do benfica com o apoio da cartilha, feroz e vergonhosa, ficou espelhada na primeira temporada – 2015/16 – onde tudo foi feito para impedir o Sporting de ganhar, como agora se começa a perceber.
A contratação de JJ pela projecção e galvanização que trouxe ao clube foi o momento que marca a Presidência de BdC, mas é também nesse momento que um conjunto de forças se começa a unir para o destruir.
Importa recordar. Os três grandes estão altamente dependentes das receitas da Liga dos Campeões para equilibrar o orçamento e não estarem tão pressionados para vender as principais figuras da equipa. O FCP nos quatro anos que ficou sem ganhar praticamente nenhuma competição no futebol sénior, viu-se confrontado com uma crise financeira sem precedentes que os colocou na mira da UEFA e praticamente impediu que contratassem jogadores na época transacta.
O SLB desde que fechou a torneira do BES vive das negociatas promovidas por Jorge Mendes que somadas ao dinheiro conquistado com o acesso directo à Champions, ajudam a camuflar a gestão da SAD.
Sucede que as novas regras para esta competição apertaram. Portugal passou este ano a conseguir classificar para o quadro final da LC o campeão, obrigando o segundo classificado a disputar duas pré-eliminatórias. O terceiro classificado caiu para LE. Não tardará a chegar o dia em que o nosso campeonato só dará acesso à LC ao campeão e muito provavelmente obrigando-o a passar por pelo menos uma pré-eliminatória. Por isso, existirem três clubes grandes, para muitas cabeças é uma maçada.
Isto explica muita coisa, principalmente o tratamento que o Sporting passou a receber por parte da imprensa desde que JJ chegou ao clube e assumiu-se como legitimo candidato ao título nacional.
BdC tem sido desde a primeira hora um Presidente incómodo, pelo discurso, por ter desmascarado muita hipocrisia, mas também por ter conseguido acordar o Sporting.
O que estamos a fazer este ano nas modalidades incómoda, porque é cada vez mais difícil conseguir apoios financeiros. A possibilidade de contratar um jogador como o Ricardinho incomoda pela mossa que faz no SLB, mas pela notoriedade que empresta ao clube praticamente abafando a concorrência.
Mas o Sporting é um clube estranho que não gosta de estar bem. Alimenta à sua volta muitos grupos e grupinhos. É o Conselho Leonino, o Grupo Stromp, Leões de Portugal, ou os Cinquentenários, e por aí fora. Parece o enredo da Guerra dos Tronos, onde estão permanentemente todos contra todos.
Não ter conseguido o desejado título no triénio de JJ, trouxe ao de cima uma oposição que praticamente não têm expressão no universo do clube, como as ultimas eleições o demonstraram, mas paradoxalmente domina a Comunicação Social. Como estão sempre a falar na TV, Rádios ou a escrever em jornais, transmite-se a ideia de que no Sporting existe uma oposição legitimada que manda quase tanto como os órgãos sociais eleitos.
Esta distorção da realidade é convenientemente alimentada pela CS. Como? Simples, qualquer que seja o problema que aconteça no Sporting quem fala nas televisões e rádios, são sempre os mesmos: Madeira Rodrigues, Rogério Alves, Carlos Severino, Carlos Barbosa da Cruz, Paulo Abreu, Dias Ferreira, etc…
Ora não à liderança que se consiga consolidar se em seu redor existe ruído permanente. Mas mais grave que isso, alguns dos rostos desta dita oposição, partilham para a opinião publica o mesmo discurso que se ouve na boca do Pedro Guerra ou André Ventura.
O Presidente do clube está longe de ser perfeito. Teve momentos de desvario que hoje são responsáveis por algumas desconfianças que possam existir sobre a sua capacidade para mudar e liderar o clube. São legítimas essas desconfianças.
Porém nada justifica ter sido eleito pela facção da CS que trabalha de forma encapotada para o slb, como um alvo a abater.
A história fará o favor de um dia esclarecer o que realmente levou aos acontecimentos na Academia, no exacto dia em que o clube se viu envolvido num escândalo de corrupção manhoso, patrocinado pelo Correio da Manhã.
Assim como a história nos dirá, por que motivo em 48H a MAG e C&F se demitiram e tentaram obrigar o CD a cair. Que nexo de casualidade existe entre estes factos e a influência de Sobrinho e Ricciardi. A quem interessou que a renegociação financeira fosse travada, colocando o aumento de capital da SAD, que deixava o clube com 90% das acções, em risco.
Tudo isto aconteceu sem estar provada a culpa do clube no processo “CashBall”, ou na invasão da Academia. Agora que os arguidos presos em preventiva já são 27 e com os supostos cabecilhas também detidos, espera-se que a justiça consiga esclarecer o propósito daquele ataque, quem o liderou, e quem o planeou. E já agora o que quis dizer a advogada de Fernando Mendes, com aquela frase enigmática “sigam o dinheiro”.
Julgo que Portugal nunca viu nada como o que se assistiu aos dias seguintes aos acontecimentos mais triste da nossa história. Aquilo foi o linchamento de uma pessoa, em directo e o vivo com o patrocínio de muito Sportinguista, alguns deles eleitos pelos sócios para representar o clube.
A classe politica que do futebol só se lembra para sentar-se nos camarotes e viajar à pala dos nossos impostos, perdeu a vergonha e também ela se juntou ao pagode no jogo favorito do momento: bater no BdC.
Curiosamente ninguém ficou verdadeiramente preocupado quando o ministro das finanças e de estado, pediu a um elemento do seu staff para pedinchar bilhetes para ele e para o filho para verem o Benfica-Porto no camarote presidencial ao lado de LFV, que preside a um clube que é neste momento suspeito em casos gravíssimos e que estão nas mãos da justiça:
• Vouchers e e-mails (unificados num único processo).
• Operação LEX
• Operação e-Toupeira
• E mais recentemente o caso do Saco Azul, com suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais através da SAD.
Sem contar com os processos onde LFV é arguido, relacionados com negócios das suas empresas e o BPN, agora designado EuroBic, ou a divida monstruosa ao Novo Banco que o coloca na lista dos 10 maiores devedores.
Nada disto impressiona a nossa classe política que continua a passear ao lado de LFV como se fosse um exemplo de seriedade.
Não deixa de ser paradigmático que um Presidente que devolveu o ecletismo ao clube recuperando modalidades, dando-lhes uma casa e condições para vencer como não se via desde os tempos de João Rocha. Trouxe milhares de novos sócios, resolveu problemas crónicos como o do relvado que tantos diziam ser insolúvel. Colocou Alvalade como um dos estádios com melhor percentagem de ocupação da Europa. Criou a Sporting TV, que permite aos sócios espalhados por todo o mundo acompanharem as modalidades e os escalões de formação. E é o único Presidente desde a criação da SAD a apresentar uma gestão com saldo positivo, seja apresentado como uma facínora.
Relembro o histórico da SAD.
• JOSE ROQUETE (1997 - 2000): 21,4 ME de Prejuízo
• DIAS DA CUNHA (2000 – 2005): 91 ME de Prejuízo
• FILIPE SOARES FRANCO (2006-2009): 2,5 ME saldo Positivo
• JOSÉ EDUARDO BETTENCOURT (2009-2011): 70,5 ME de Prejuízo
• GODINHO LOPES (2011-2013): 89,5 ME de Prejuízo
• BRUNO DE CARVALHO (2013-2017): 19,5 ME saldo Positivo
Porque não dei destaque aos resultados positivo em 2.5 ME de FSF? Porque foram conseguidos, devido à venda de praticamente todo o património não desportivo, recordo: terrenos do antigo estádio José Alvalade, Alvaláxia, Edifício CUF, Edifício Visconde Alvalade. Estas vendas deram origem à enésima reestruturação financeira, com a extinção de sociedades do clube, que incorporaram o seu património na SAD, entre eles o actual estádio, recompondo os capitais da sociedade que gere o futebol.
Bruno de Carvalho herdou de Godinho Lopes uma SAD com capitais próprios negativos em 119 ME, resultado de um activo de 139 ME e passivo na ordem dos 258 ME.
Quatro anos depois a SAD tem um capital próprio na casa dos 7.5 ME, com activos que chegam aos 275 ME e um passivo de 267 ME que se justifica na forte aposta na equipa de futebol onde se incluía o salário de JJ.
Dizer que este é um clube a caminhar para o abismo é uma falácia que de tantas vezes repetida começa a parecer verdadeira na cabeça dos mais incautos.
Tudo isto atinge uma gravidade inusitada quando a imprensa que devia ter um papel independente e servir para esclarecer, optou por colocar-se quase em uníssono contra Bruno de Carvalho, manipulando a opinião pública, apresentando-o como fosse alguém que tomou de assalto o clube.
Na verdade, ser o Bruno de Carvalho no fim do dia é irrelevante, ainda que o estilo mais guerreiro e quiçá belicista ajudam à causa, porque o objectivo é reduzir o Sporting à insignificância que tão bem serviu o status-quo com JEB e GL.
Um Sporting forte significa que benfica ou porto vão passar dificuldades. Pela sua natureza e bairrismo o porto vive numa realidade distinta, por seu lado LFV sabe que está seguro enquanto for presidente do benfica. E para se manter nessa posição precisa de ganhar, combater um único adversário é diferente de combater dois.
Um Sporting sossegado, conformado, satisfeito com pouco, seria muito útil para fazer regressar a ordem “natural” das coisas ao futebol português. Sucede que esse Sporting não tem futuro. Bruno de Carvalho foi o agente que trouxe a “desordem” ao reposicionar o clube no topo do desporto nacional.
Resta saber o que nos trás o futuro, continuar a fomentar a “desordem” impondo o Sporting como parte integrante e indissociável de qualquer transformação que se pretenda realizar no desporto português, seja com BdC ou quem siga a mesmo linha orientadora, ou regressar ao rebanho.