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O relato feito na primeira pessoa pela actriz norte-americana Angelina Jolie sobre a remoção das suas duas mamas para reduzir a probabilidade de vir a ter um cancro (um procedimento conhecido como mamoplastia redutora de risco ou mastectomia bilateral profilática) está a gerar reacções bastante diversas e muita surpresa. Contudo, especialistas ouvidos pelo PÚBLICO dizem que o procedimento é cada vez mais comum, mas apenas para casos com critérios clínicos muito bem definidos.
Aos 37 anos, Angelina Jolie, num artigo que publicou nesta terça-feira no New York Times, explica que optou pela mastectomia a pensar nos seus seis filhos, justificando que a sua mãe morreu depois de “lutar contra o cancro durante quase uma década”. A actriz adianta que fez testes genéticos que demonstraram que era portadora de uma alteração no gene o BRCA1, que aumenta exponencialmente a probabilidade de desenvolver um tumor maligno na mama.
O oncologista Jorge Espírito Santo confirma que a mastectomia profilática é um procedimento preventivo que está também instituído em Portugal mas sublinha que, “como em qualquer intervenção cirúrgica tem critérios clínicos muito bem definidos”. O antigo presidente do colégio da especialidade de oncologia da Ordem do Médicos refere-se sobretudo aos casos em que as mulheres têm precisamente alterações nos genes BRCA1 e BRCA2, precursores da doença e “histórias familiares muito pesadas”. Estima-se que a transmissão hereditária de tumores da mama possa representar cerca de 10% dos casos totais.
Casos excepcionais além dos genes
Também Celso Cruzeiro, director do serviço de cirurgia plástica do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, salienta que há “indicações muito específicas” para as cirurgias como a que Angelina Jolie recorreu e que são reconhecidas pelo Serviço Nacional de Saúde. Além dos casos destacados por Jorge Espírito Santo, Celso Cruzeiro acrescenta situações em que “há predisposição aumentada”, ou seja, mulheres que têm sucessivos tumores benignos da mama e que por ser difícil com exames complementares perceber quando é que se tornam malignos acabam por ser sujeitas a várias cirurgias. Nestes casos o cirurgião adianta que por vezes também se opta pela mamoplastia redutora de risco – um termo que cientificamente diz ser mais correcto do que mastectomia bilateral profilática.
O cirurgião refere também casos muito pontuais da chamada “cancerofobia” em que o medo do doente ter cancro é de tal forma elevado que perturba muito a sua vida diária e condição psicológica – pelo que todos os casos são trabalhados por equipas multidisciplinares.
Só 10% hereditários
Em Portugal, surgem todos os anos cerca de 4500 novos casos de cancro da mama e registam-se 1500 mortes, o que significa que apenas cerca de 450 dos novos tumores teriam origem hereditária. Jorge Espírito Santo refere que, mesmo assim, cada caso é analisado de forma detalhada, até porque é uma técnica “radical” ainda que com níveis de eficácia que podem estar acima dos 95%. Uma vigilância mais apertada ou outro tipo de terapêutica podem ser outras alternativas a ter em consideração.
Em geral, Jorge Espírito Santo diz que a proposta da remoção parte do próprio clínico e não da procura de mulheres com historial familiar, apesar de estas estarem cada vez mais atentas à doença e ao que pode ser feito para a evitar. Quanto à idade ideal para optar pela mastectomia bilateral profilática, Jorge Espírito Santo refere que terá sempre de ser antes do aparecimento do tumor ou, no caso de já existir numa das mamas, avaliar os riscos e benefícios de remover a que está saudável. “A última palavra é sempre da mulher”, reforça.
Melhorias nas cirurgias
Por seu lado, Celso Cruzeiro acrescenta que o actual estado da arte, com menos riscos e melhores resultados, e o facto de ser possível fazer a remoção das mamas e a colocação de implantes na mesma cirurgia faz com que se “tenham ultrapassado preconceitos” que se criaram sobre esta abordagem. Quanto ao sucesso, o cirurgião plástico refere que se reduz muito o risco do aparecimento do tumor. Mas ressalva que ao se deixar a auréola, o mamilo e algum tecido que é sempre impossível de remover há sempre a hipótese “remota” de o cancro se desenvolver.
Em Portugal não há dados concretos sobre este tipo de opção. Contudo, para os Estados Unidos alguns dados indicam que anualmente já recorram a esta forma de prevenção cerca de 700 mulheres. Há ainda mais de 100 que depois de um tumor numa das mamas optam pela chamada mastectomia contralateral que consiste em remover o lado que ainda não foi afectado. Tendo em consideração o tipo de sistema de saúde norte-americano, onde muitas vezes estes procedimentos estão de fora dos planos de seguro, estima-se que o número possa ser ainda maior mas que as cirurgias sejam registadas de outra forma.
De acordo com um estudo divulgado em 2011 pelo Annals of Surgical Oncology, nos Estados Unidos o número de doentes com cancro da mama que optou por remover o lado não afectado cresceu dez vezes entre 1998 e 2007. Um outro estudo de 2010 publicado no Journal of Clinical Oncology avançou que até 2006 o número cresceu ainda mais nas mulheres mais novas, com 15% das doentes entre os 18 e os 39 anos a optaram pela remoção da mama saudável.
Quanto a sintomas a que tanto homens como mulheres devem estar atentos, o cancro da mama apresenta-se, muitas vezes, como uma massa dura e irregular que, quando palpada, se diferencia do resto da mama pela sua consistência. Mudança no tamanho ou forma da mama, alterações de sensibilidade, textura e cor, retracção do mamilo e corrimento são alguns dos sintomas mais comuns, e que não dispensam os exames de rotina.