Pelas peças que vão saindo em alguns pasquins e pelos comentários que se vão lendo aqui, está-se mesmo a ver que a máquina propagandista de Franco está bem oleada e continua a dar frutos.
É óbvio que toda e qualquer tomada de posição contra o actual estado do futebol português e todo e qualquer acto de revolta e mudança são bem-vindos e devem ser apoiados por todos. Agora, não contem comigo para ser mais um carneirinho a bater palmas de cada vez que um dirigente do Sporting abre a boca (repito: abre a boca, porque falar é fácil) para criticar o sistema, apoiado pela mesma imprensa que lhe dá espaço para uma dúzia de entrevistas em vésperas duma AG. E sobretudo não contem comigo para ajudar a elevar a heróis, mártires e paladinos da justiça e do fair-play pessoas que ao mesmo tempo que clamam por mudança e por futebol limpo, não se coíbem de negociar e pactuar com aqueles que durante anos infectaram o futebol português, se impuseram de forma suja em prejuízo do Sporting e montaram o sistema que agora se quer ver desfeito. Heróis são tipos como um Marinho Neves, que, sozinho, deu literalmente o couro e arriscou uma carreira para expôr os podres do futebol português.
Vir dizer em retrospectiva que o Sporting nunca actuou antes por ter telhados de vidro, por não ser assunto da sua competência ou porque o sistema era inexpugnável, são desculpas caquécticas de quem nunca soube reconhecer as verdadeiras causas para termos deixado isto chegar ao ponto que chegou:
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falta de coragem: para enfrentar um polvo com tentáculos por todo o lado. Para enfrentar os efeitos negativos de curto prazo (para o clube ou para as pessoas), que poderiam advir de tal empreitada. Para pôr em risco carreiras, relações sociais e interesses exógenos ao futebol.
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falta de interesse: em terminar de vez com um império batoteiro e maligno e com isso devolver o Sporting ao lugar que, com a melhor escola de futebol, os melhores adeptos e a postura mais nobre, decididamente seria seu: O Primeiro.
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falta de convicção: que era possível desencadear a mudança sem ser preciso mover montanhas. Que os príncipios nos quais o clube foi fundado lhe conferiam esse direito e essa responsabilidade.
Para quem cresceu a sofrer com o Sporting e já acompanha futebol há quase 15 anos, tornou-se frustrante, para não dizer humilhante, ver a luta do Sporting limitada a actos fúteis como o “luto” e os “votos de protesto” ou a intenções patéticas como a da manifestação pelas ruas da cidade. Nem o Manifesto de Dias da Cunha se safou, porque mesmo tendo sido provavelmente a medida de conteúdo mais relevante para acabar com o Sistema, teve a infelicidade de ser promovida de braço dado com o Orelhas, o que gerou anticorpos até dentro do próprio clube. E quando assim é, nada feito.
Por isso, desculpem lá, eles bem podem rabear o que quiserem nos jornais e nas AGs da Liga, podem pedir os pareceres de magistrados que quiserem para alterar os regulamentos e podem anunciar que vão abandonar a direcção da Liga, mas já vêm tarde. Estas repentinas movimentações deviam ter sido a causa, não a consequência, dos Apitos Dourados, Apitos Finais e Pitos das Carolinas. Vir ostentar a bandeira da justiça agora que as conclusões dos processos foram reveladas e vir arrogar-se de promotores da mudança agora que foram expostos e dissecados em público os fabulosos regulamentos da Liga, é muito fácil. Quando a direcção de Franco tomou posse e se fez representar na Liga, há 2 anos, não sabiam que os clubes só eram condenados por corrupção consumada se fosse demonstrado benefício? Quem foi o dirigente do Sporting nos últimos 2 anos que deu um pio que fosse sobre o Sistema ou advogou as mudanças que agora se propõem?
Nunca houve coragem, interesse ou convicção senão agora. Nunca se procurou um diálogo sistemático com os clubes, por mais pequenos que fossem, nunca se formaram alianças coesas e sérias para promover as mudanças que o futebol precisava. Nunca se deu um murro na mesa da Liga. Nunca se disse: “Meus amigos, os regulamentos e a maneira como a Liga está estruturada não são compatíveis com a transparência que se exige ao futebol e são susceptíveis de favorecer a corrupção e tráfico de influências. Enquanto isto não for alterado, não contem connosco para participar na competição, porque as regras do jogo devem ser iguais para todos e os princípios em que este clube foi fundado não nos deixam jogar segundo as vossas".
Sempre compactuámos com o Sistema por inércia, ao mesmo tempo que fomos comidos e perdemos o comboio para nos tornarmos um dos maiores clubes da Europa. Os batoteiros não tiveram os castigos que mereciam, o Sporting foi sempre o mais prejudicado e devemos isso a todos aqueles que tinham poder para mudar as coisas e não o fizeram. Por isso, agora que se resumam à sua insignificância e façam aquilo que têm a fazer sem grande alarido, pois tamanho barulho e busca de protagonismo por algo que pouco mérito tem e já devia ter sido feito, só os envergonha mais. E a nós.