A União (Im)Possível
Ninguém dúvida da necessidade de pacificar e unir o universo leonino. Como penso que seja
consensual a ideia, de que não é possível atingir sucesso desportivo, sem uma blindagem eficaz,
aliada à capacidade de enfrentar os desafios em arregimentação espartana. Não é por acaso
que a expressão “balneário blindado” seja tão usada na gíria futebolística. É uma das
estratégias chave. Quanto mais blindada está uma estrutura, maior é a probabilidade de atingir
sucesso.
O Sporting Clube de Portugal, cuja forma material é a sua massa associativa, está partido. É um
facto. 71 vs 29, é a corrente matemática mais fácil de fazer, se bem que as feridas se estendam
muito para além dos votantes dessa Assembleia Geral. Mas essa fractura concentra-se na sua
secção de futebol. Ou melhor, nos acontecimentos que recentemente se sucederam em
catadupa, com o culminar nas rescisões dos 9 jogadores e consequente AG destitutiva, (a 23
Junho), dai derivada.
Quando falamos num Sporting em crise, dividido, com necessidade de ser pacificado, estamos a
falar no contexto futebolístico, porque valha a verdade, nas modalidades, não existe qualquer
atrito, nem patente, nem latente. Em pleno epicentro da crise, fizeram história em termos de
títulos conquistados numa mesma época. Aqui, também será consensual, considerar que têm
sido o grande balão de oxigénio que tem ajudado, - e de que maneira -, a suportar este lodaçal,
que não permite a muitos manterem-se num equilíbrio emocional permanente.
É um clube com sucesso, mas em crise. Paradoxal!? Não. É concreto. Concreto, porque é o
futebol quem manda. Não há volta a dar. É o futebol que movimenta mais sócios, mais
adeptos/simpatizantes no clube, mais emoções, mais programas de televisão, mais artigos de
jornais, mais empresários, mais tudo e alguma coisa. E claro, mais dinheiro. Dinheiro a rodos. É
a gestão desportiva (chamemos-lhe assim) no futebol que está em causa, e é isso que arrasta
um clube inteiro para o conflito institucional e para-institucional.
Acho que já pouco importa a discussão de quem é culpa, ou a distribuição das culpas. É um
debate que já está mais que feito, e do qual não existe consenso, nem deverá haver nunca. A
colheita está feita e cada um guarda para si o que recolheu sem abdicar de um bago que seja. O
problema que isso traz, é que reduz o debate à interpretação do passado recente e afasta uma
aproximação esclarecida do que pode ser o futuro e qual a melhor estratégia para o abordar.
Claro, soltaram-se ódios e muitos fantasmas andam à solta. A doença está diagnosticada mas
ninguém se entende quanto à melhor terapêutica a aplicar. A metáfora é uma simplificação, mas
a imagem pode ser forte.
Não vou ser hipócrita, tendo em conta que a maior do texto parece impregnado de neutralidade.
Fui (e sou) contra a recente destituição, apesar de não ter votado, por ausência do país. E não é
esta solução vigente que acredito que fosse a melhor. Mas a questão a debate que se impõe gira
em torno da união/coesão da massa associativa. Quais são as possibilidades e impossibilidades.
A necessidade de pacificar e unir o universo leonino e a ideia de blindagem para o sucesso são
fundamentais, mas essa necessidade é um autocarro que de momento não sabe em que
paragens deve parar e não parar.
A comparação entre Modalidades e Futebol não é feita sem um propósito. A História recente do
Sporting mostra que é nas modalidades, especialmente no Atletismo, que se têm atingido os
maiores feitos, enquanto o Futebol vem atravessando um verdadeiro deserto de títulos,
excepção feita aos 2 campeonatos de 1999/2000 e 2001/2002, e 5 Taças de Portugal pelo meio
(1994-95, 2001-02, 2006-07, 2007-08 e 2014-15), mais respectivas Supertaças. Desde 1982 até
2018 o Atletismo (masculino e feminino) ganhou 17 títulos internacionais e 127 títulos nacionais.
Para além dos títulos individuais de Carlos Lopes, Fernando Mamede, Francis Obikwelu, Carlos
Calado, Rui Silva, Naide Gomes, entre outros. Claro, com o foco nas medalhas olimpicas de
Carlos Lopes, Obikwelu e Rui Silva, como feitos máximos. No Futsal desde 1990, ano de inicio
da competição, o Sporting foi 15 vezes campeão nacional e ganhou 6 Taças de Portugal. No
Andebol, desde 1982, contam-se 7 campeonatos nacionais e 11 Taças Portugal, sem esquecer
as 2 Taças Challenge. O Voleibol, apesar da extinção e interregno, trouxe mais Campeonatos
Nacionais que o Futebol, 4. Taças de Portugal foram 3. No Hoquei Patins, as contas são mais
fracas, apenas 2 Campeonatos Nacionais, 1 este ano e o outro em 1987/1988 antes da extinção
em 1995, mas com 4 Taças Europeias (1984, 1985, 1991 e 2015). De outras modalidades se
poderia falar, mas estas são suficientes para dar uma imagem.
As modalidades são um refúgio no que diz respeito a vitórias e hegemonia (Futsal e Atletismo),
seja na actualidade ou no passado mais recente. E quando falo em refúgio, não é de uma
maneira depreciativa, porque é nas modalidades que a máxima Esforço, Dedicação, Devoção e
Glória se impõe com maior eficácia. Á falta de resultados no Futebol, são as Modalidades que
têm dado as maiores alegrias e esse refúgio de esperança.
E é por aqui que devemos começar. Falar de união, é falar da necessidade de continuar a
assumir as Modalidades como prioridade imprescindível ao clube, tendo em conta tudo o que
deram ao clube no passado e também no presente. Nesse sentido, o desenho de modelos
apetrechados para garantir orçamentos que assegurem equipas competitivas, é um imperativo.
Bem como é importante ter o Pavilhão João Rocha dentro do clube e fora da esfera da SAD,
como salvaguarda da sua inviolabilidade e garante que as Modalidades têm o seu espaço
sagrado.
Da parte do Futebol, que é a parte que corresponde ao Sporting SAD, o Sporting não pode ser
uma oportunidade de negócios para empresários ou para outro tipo de interesses. Deve ser
unânime que é preciso garantir que o clube trabalhe para ter a maior percentagem possível de
acções da SAD e assim evitar ter que gerir a pasta com intromissões lesivas à competitividade.
Temos que ser realistas, o mercado é canibal e nenhum accionista investe sem ter em mente um
retorno especulativo. Isto pode traduzir-se em pressões para vender jogadores abaixo do seu
valor real, preferências em trabalhar com determinados empresários em detrimento de outros, ou
outros actos que prejudicam, a curto e longo prazo, o Sporting. Por outro lado, o abatimento do
passivo tem também que ser uma prioridade inquestionável. E o rácio é simples de realizar -
quanto menor for o passivo do clube, maior é a garantia de ultrapassar crises e potencializar sem
interrupções o investimento em equipas competitivas e capazes de lutar ombro a ombro com os
rivais por Campeonatos Nacionais. Isto significa ainda, ter a capacidade de trabalhar com
parceiros financeiros sem constrangimentos e cláusulas castradoras.
Há um Sporting a defender, ecléctico, competitivo e vitorioso, mas há também uma imagem do
Sporting que é preciso defender. Infelizmente, e tem sido hábito de longa data, os processos
internos têm sido expostos na praça pública de uma forma indecorosa e pouco digna. Se não é
possível conter as redacções dos diversos órgãos da Comunicação Social, todos os que têm
responsabilidades como associados do clube, principalmente os designados notáveis, pouco ou
nada fizeram e fazem para proteger o clube da violência mediática, a que teimam chamar de
informação. È urgente mudar o paradigma e criar uma capa protectora no clube. Isso significa
que a prática quanto à discussão do clube deveria ser mais reservada nos assuntos relacionados
com os processos internos do clube. Pacificar, unir e blindar passa muito por aqui. Quaisquer
que sejam as divergências, estas devem digeridas internamente com o mínimo de exposição
geral. Afinal de contas, se o clube é dos sócios, cabe a estes o seu destino e não ao público
geral. Este ponto deve ser inegociável.
O Sporting Clube de Portugal como clube que desperta paixões por todo o país, e pelos 4 cantos
do mundo, tem diversas áreas que tem que ter especial atenção. Os núcleos, penso que sejam a
mais sensível. Ter um clube forte, dinâmico, e sobretudo, integrador, é imprescindível para
manter uma presença sólida e cativadora. O Sporting não é de Lisboa, é de Portugal. Não ter
isto presente é contaminar a unidade dentro de portas.
Talvez houvesse mais a explorar. Contudo, boa parte do que é mais sensível já está aflorado. As
possibilidades e impossibilidades de unir e pacificar o clube passam pelos eixos mencionados,
sem excepção. Percorrer outro caminho poderá ser muito perigoso para o clube, e deveria existir
um pacto de regime quanto à dignificação de um clube com uma História construída e uma
História a construir. Não há 3ªs vias. Ou se luta por se manter e solidificar uma identidade, ou
perde-se, talvez com algum grau de irreversibilidade, a magia que vai renovando a Instituição
com os seus milhares de irredutíveis.
As ideias são mais importantes que as caras, que as figuras. Estas não deveriam ser
negociáveis. O risco de se ficar sentado à espera de santos milagrosos comporta perdas
significativas. Uma delas é a contínua e nefasta influência dos notáveis que se perderam num
labirinto e continuam a agir em reactividade, a olhar muito para árvore e pouco para a floresta.
Na mesma linha, deixar de ser sócio não é solução. As crises superam-se com resiliência. Com
capacidade de fazer forças das dificuldades Quem luta pode perder, mas quem não luta jamais
poderá ganhar. O slogan é roubado, mas adequa-se. Devemos estar sempre com a plena
capacidade de intervenção no clube. Devemos acreditar em nós enquanto força transformadora.
A auto-exclusão é a pior das oposições, e, sobretudo, não devemos renegar quem somos.
Viva o Sporting Clube de Portugal!