A questão do meio-campo, entre outras, enquanto problemática principal do atual Sporting

Não dando como perdidas as competições em que o Sporting se encontra a lutar, acho que é tempo, ainda assim, de refletir sobre aquilo que tem corrido menos bem nesta época, que poderá a ajudar a explicar algumas das intermitências sentidas.

Uma das maiores diferenças patentes relativamente à anterior época prende-se com a alteração produzida no meio-campo, com a saída de João Mário e a entrada no 11 de Matheus Nunes. Alteração que não sendo estrutural, não seria, à partida, significativa nos comportamentos da equipa, dado o desempenho demonstrado na amostra do ano anterior.
Contudo, desde a fase prematura da época se viu que Amorim reservava dinâmicas distintas para a configuração da zona intermédia da equipa, com o sentido de exponenciar o máximo das características do novo 8 do clube.

Matheus, médio dotado de características físicas anormais para a posição, passa a ter de fazer uso da sua passada larga em condução de bola ou em movimentos na profundidade, aparecendo nas costas da zona centro-esquerda da linha intermédia oponente, o que não só potencia as suas capacidades, como também torna difícil de anular por parte dos adversários menos cotados.
Podemos dizer que é, claramente, um jogador que beneficia bastante com o espaço para progredir, tendo sempre essa postura mais assertiva, de rotura, do que propriamente o perfil de temporização que víamos em João Mário, muitas das vezes acusado de “emperrar” o jogo, mais preocupado em delinear a organização ofensiva com suficiente controlo posicional para tal.

Aqui um exemplo da primeira ação padrão do Matheus, sempre adiantado em relação ao trinco, do que diferentemente jogar em parelha, onde aparece nas costas do bloco adversário.
Na minha perspetiva, este tipo de situações traz-nos muitas deficiências por variados motivos:

  1. Logicamente, torna a equipa mais exposta em caso de perda de bola em zona proibida, pois possibilita um espaço considerável entre o 6 e o 8 que poderá ser aproveitado pelos adversários, em transição ofensiva, ou até mesmo organização. Por exemplo, recuando até ao jogo do Ajax, uma equipa com um foco intenso no jogo interior, várias vezes vimos os criativos adversários a aparecerem isolados naquela zona do terreno;
  2. As coberturas de Matheus Nunes tornam-se de difícil execução. Em termos práticos, saindo Palhinha da posição (que dado o seu estilo de trinco, é bem frequente), é praticamente impossível ao luso-brasileiro fazer a compensação;
  3. A nossa primeira fase de construção é muito mais fácil de ser anulada. É um risco que em caso de sucesso lança maior perigo, mas a verdade é que Palhinha não é o tipo mais abnegado do mundo a construir e contra equipas com uma pressão alta e compacta, estilo Ajax ou City, a equipa fica algo limitada;
  4. Palhinha, pese embora seja um trinco de agressividade defensiva muito acima da média na recuperação e duelos ofensivos, não tem velocidade para percorrer aquela brecha de espaço toda, em caso de transição. Como variadas vezes o tenta fazer, sem sucesso, permite que a saída de posição seja capitalizada pelos jogadores adversários;

Saliento o meu foco no Palhinha, jogador que acho dos mais importantes do clube, mas que na minha opinião não combina com as características do Matheus, ou pelo menos, com estas dinâmicas que Amorim pretende imprimir.
É precisamente por essa falta de velocidade a cobrir o espaço deixado por um 8 mais subido, assim como a dificuldade (que diga-se, é normal) a assumir uma primeira fase de construção com mais jogadores dentro do bloco que fora, que eu acredito que Amorim prefira optar por Ugarte quando a escolha recai num parceiro de Matheus Nunes.
Totalmente diferente o rendimento do João com um 8 de cariz mais construtor, que jogue regularmente em parelha e assuma ele a tarefa de sair na ligação da primeira fase de criação de jogo da equipa, como aconteceu a época passada. O Palhinha torna-se totalmente mais protegido.

A segunda ação padrão mais típica do Matheus são as suas típicas jogadas em progressão, onde recebe a bola nas zonas exteriores do campo (cada vez mais na moda nas equipas de elite, em tarefas semelhantes ao “carrillero” do FM), e conduz com vista a conquistar espaço nas linhas de pressão oponentes. Provavelmente, o último médio que tenhamos visto na nossa Liga com essa capacidade absurda de penetrar o meio-campo contrário com estas correrias, tenha sido Enzo Pérez. Admito que a decisão de MN seja um pouco underrated, pois ele tem criatividade e último passe para ser profícuo no desfecho de algumas destas jogadas em condução.

No entanto, creio que a principal lacuna neste capítulo seja a falta de critério do jogador, de forma a que este tipo de solução se torne por vezes prejudicial para equipa.

O Sporting torna-se um pouco mais previsível, havendo simultaneamente menos bola em zonas de criação para criativos puros como Sarabia ou Pote, colocando obstáculos a que tenhamos um verdadeiro controlo de jogo com bola, pois estamos em constante rotura, ao invés de temporizar, esperar pela chegada do resto equipa, a fim de se tornar mais compacta, e tentar criar jogo numa situação mais sustentada para tal. Este ano, podendo cair no erro de ser uma mera apreciação minha, sinto que em muitos jogos não temos o verdadeiro controlo do jogo, tornando isto num “bola cá, bola lá”.
A própria contrapressão torna-se inócua, pois as perdas de bola acontecem numa fase em que o bloco ainda não está verdadeiramente compacto e em modo “organização ofensiva”.

Pegando no jogo do Porto, confesso que o nosso meio-campo não foi a principal causa para que o jogo não tivesse tido o desfecho pretendido, mas foi seguramente uma das 3 principais, que eu enuncio:

  1. Porto a defender com um bloco muito compacto, curto e pressionante, pronto a retirar o tal espaço que beneficia o Matheus Nunes. Tinha feito muito mais sentido, por exemplo, jogar Bragança a 8 e Matheus no lugar do Pote;
  2. Se o jogo interior pouco existiu, a jogar por fora, nunca tivemos oportunidade para lançar velocidade nas alas, seja por incapacidade de meter rotações de flanco, seja pelas próprias características dos jogadores utilizados. O ano passado tínhamos Nuno Mendes, Jovane, jogadores com as características de conseguir ganhar metros nas costas adversárias, pela linha. Este ano não temos rigorosamente ninguém. Não percebo o planeamento do plantel do Amorim. O próprio Edwards, sendo algo mais rápido que Pote ou Sarabia, está longe de ser um velocista e este plantel necessita de um jogador estilo Samuel Lino;
  3. Não conseguindo sair curto ou por fora, podíamos sempre procurar o jogo direto para o pivot, na frente. Para isso era necessário que tivéssemos um avançado capaz de ganhar um duelo aéreo a alguém. Gosto do Paulinho, nunca o escondo, admiro a sua capacidade de ganhar de jogar no apoio na primeira bola, mas do ponto de vista do jogo aéreo é completamente ridículo. O Porto tem 3 avançados capazes de ganhar lances aos centrais adversários, literalmente sozinhos, e nós não temos nenhum;

Nem tudo é mau, naturalmente o trabalho de Amorim tem sido hercúleo, mas a verdade é que há vários aspetos a melhorar. Reitero que isto não é um juízo de qualidade sobre o Matheus Nunes, mas sim apenas o constatar, numa opinião pessoal e subjetiva, do reverso da medalha em relação à opção tomada pelo modelo de jogo atual.

Pessoalmente, acredito que o jogador terá ainda mais margem para crescer, sobretudo quando ele e o seu treinador perceberem que é possível oscilar esta postura de “todo-o-terreno” com um tipo mais cerebral e puro construtor de jogo. Enquanto isso, temos um Daniel Bragança que é tudo aquilo que o JM era na época transata, e ainda mais algumas coisas. Para mim não é de admirar que os jogos com ele a titular tenham sido os jogos em que a equipa controlou melhor o jogo, precisamente por o meio-campo ter sido mais estável…

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Não percebo nada de bola.

Mas já alertava para algo como isto o ano passado. Jogador da moda para grande europeu. Para uma equipa que se quer sólida como a nossa não o consigo enquadrar.
A não ser que consigamos dar um salto do crl para a próxima temporada, em termos de qualidade e nível de jogo, preferia outro tipo de jogador.
Estamos muito mais “partidos” este ano e também passa muito pelo nosso meio campo.

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O Matheus Nunes para mim será sempre uma solução e não um “problema”.
Este ano, entre vários fatores, importa realçar que estamos mais mandões no jogo, ou tentamos estar. Mas também que temos tido muitos jogadores impedidos em partidas importantes e, se em algumas delas, a resposta foi brilhante, noutras nem tanto.
O regresso do colinho também não pode ser descurado. Com árbitros como o de ontem, estaríamos na frente do campeonato.
Mas, focando-me neste tema, concordo que um médio como Ugarte encaixa melhor no jogo de Matheus Nunes. Com Palhinha a seu lado, gostaria de ver a opção de um jogador atrás dos dois avançados e não um trio na mesma linha.
Temos 4 médios incríveis e é difícil que coabitem no mesmo plano de jogo. Claro que o M. Nunes pode ser deslocado para uma das faixas ou o Bragança pode jogar atrás dos avançados (sim, gostaria mesmo de ver mais vezes essa fórmula ), no entanto essa tem sido uma dificuldade inesperada em relação ao último ano. Este excesso de qualidade nem sempre é fácil de gerir, até porque estamos cada vez mais exigentes.
Enfim, o que sei eu?
Obrigado pelo texto.
SL