Sendo ainda cedo para fazer uma avaliação próxima da definitiva do trabalho de José Peseiro, transcrevo para o Fórum um artigo do pasquim de hoje que eu, à excepção da frase sobre o gestor de activos (que suspeito não fazer nenhum tipo de ginástica, muito menos mental), poderia ter escrito (elogios ao Dias da Cunha incluídos ):
CREIO poder incluir-me no restrito grupo que desde o anúncio da contratação de José Peseiro sempre considerou ter sido uma boa solução tomada pelo Sporting, por tratar-se de um treinador culto, educado e sabedor, com uma carreira construída a pulso, sem sobressaltos , mas com firmeza e competência.
Começou por baixo, com a discrição e a serenidade de quem recusa a via do atropelo para chegar mais alto. Foi subindo com os anos e hoje já serão poucos os que se recordarão do magnífico trabalho que desenvolveu no Oriental, em que a promoção lhe escapou sobre a meta. Fez escola no Nacional da Madeira e recebeu honras de trabalhar com Carlos Queirós no Real Madrid, onde, rodeado de estrelas, foi marcando o seu espaço sempre com inatacável respeito pelas fronteiras da sua área de influência.
Tornava-se evidente que estávamos em presença de um técnico projectado para o futuro, com ideias e sentido de progresso. O Sporting reparou nele e, insisto, em boa hora o cativou, não por aquilo que ele está a fazer mas pelo muito que ainda se espera que faça de verdadeiramente marcante.
O problema no futebol é que as boas intenções valem pouco ou mesmo nada em função da força demolidora dos resultados, promovendo-se a míngua desportiva e financeira dos clubes com uma leviandade assustadora. Dois ou três resultados vestidos de cinzento bastam para arruinar qualquer projecto sólido e maduramente edificado. Este fantasma perseguiu violentamente José Peseiro nos primeiros meses de actividade no Sporting, ao ponto de se chegar a alimentar uma gigantesca onda de contestação que exigiu a sua demissão, afrontou a posição da Direcção e, inclusivamente, chegou a forçar um cenário de eleições. Tudo porque fatia mais intolerante da massa adepta leonina não aceitava sujeitar-se à dureza dos números que registavam, à passagem da quinta jornada da SuperLiga, o magro pecúlio de cinco pontos contra os 13 que o Benfica, na mesma altura, contabilizava.
A estrutura abanou mas não caiu, na medida em que, em ambiente de crise, Dias da Cunha, agarrando-se à sua longa experiência de vida e também às suas convicções, resistiu à turbulência com coragem, ciente de que, independentemente de agitações de ocasião, o caminho a seguir era o que fora traçado e não outro.
Quando o Sporting jogou com o Estoril já o algoz afiava a lâmina para a eventualidade de outro fracasso desportivo. Imagino a angústia de Peseiro, acusado de muitas coisas, entre elas a de não gerir devidamente os valores do plantel.
Não sei se foi assim. Creio que, por uma questão de personalidade, tentou desencadear a sua própria revolução da forma mais pacífica possível, o que se reveste sempre de uma extrema complexidade, dada a sensibilidade que assinala qualquer alteração no quotidiano de um grupo de profissionais medidos por diferentes estatutos. Peseiro lutou e a verdade é que venceu a barreira da desgraça.
Aos poucos, dentro das limitações que envolvem a matéria prima disponível e quase sem se dar por isso, lá vai mudando, rectificando, evoluindo, e hoje, à entrada do novo ano, está lá em cima, no primeiro lugar, agora com mais três pontos que o Benfica.
Apesar da comodidade da situação, ele sabe muito bem que ainda nada ganhou e que a relatividade deste estado de graça se assume apenas como espécie de aspirina que lhe alivia temporariamente a dor de cabeça que irá acompanhá-lo enquanto a bola rolar e a sua imensa cruzada durar, a qual espero coberta pelo sucesso, o que não significa qualquer tipo de preferência quanto à ordenação final da SuperLiga, tão-somente o desejo de ver reconhecido o mérito de um treinador português que se habituou a pensar pela sua cabeça e demonstra que a nova geração não se esgota em José Mourinho.
Do ponto de vista pessoal reúne todos os condimentos para singrar, embora reconheça que sozinho não consegue mover montanhas. Tem a felicidade, porém, de beneficiar do apoio presidencial, que é público, explícito e inequívoco, e conta junto dele com um gestor que, não podendo oferecer-lhe prendas caras, esgota-se em ginástica mental para acudir às primeiras necessidades. Apesar de não me ser autorizado conhecer o interior dos cofres de cada um, creio não errar muito se disser que a quantia despendida pelo FC Porto na aquisição de um determinado jogador corresponde, mais euro menos euro, ao orçamento global do Sporting para esta época.