A crueldade dos números

A crueldade dos números (ou a forma como somos influenciados por esses números)

Já há algum tempo que queria escrever sobre este assunto, mas aproveito agora o jogo da passada 4ª feira em que perdemos 5-3 no Santiago Barnabéu.
Foi um resultado curioso e pouco vulgar, apesar de nos últimos meses nos termos deparado 2 vezes com esse resultado. Mas aquilo que frustou mais os sportinguistas, foram os inenarráveis 5-1 ao final da 1ª parte.
Analisando essa 1ª parte, verifica-se determinados factores que poderiam mudar um descalabro tão grande. Eu não revi o jogo (não o gravei) e a análise ao directo está muito influenciada pela incredubilidade que estava a sentir nesse dia. No entanto, lembro-me de o Real ter marcado os 5 golos nas suas 6 oportunidades na 1ª parte (a outra foi uma defesa incrível do Rui Patrício). Lembro-me também de o Sporting ter falhado pelo menos 2 golos certos. Se todos tivessem marcado nessa 1ª parte, o resultado ao intervalo estaria em 6-3.
Na 2ª parte, passou-se precisamente o inverso, com o Sporting a dominar e a falhar mais 3 boas situações para além dos 2 golos e o Real a falhar um golo certo (Tonel e Abel na linha de baliza). Se todos os jogadores das 2 equipas tivessem concretizado as oportunidades mais flagrantes, o resultado teria sido qualquer coisa como 7-8. Mas o resultado final, não interessa para nada. Era um jogo para um torneio não-oficial e ambas as equipas jogaram demasiado abertas.
Foi de facto um jogo estranho e se é horrível sofrer 5 golos do Real, também não é muito normal uma equipa marcar 3 golos no Santiago Barnabéu. Até podem dizer que o pior for ter sofrido 5 golos numa única parte, mas prefiro isso a sofrer 3 golos em cada uma das partes.

Mas serve este jogo para introduzir este factor: os adeptos costumam analisar um jogo influenciados pelos resultados e não pelas exibições. Aliás, se num determinado jogo a equipa tiver 3 oportunidades de golo e marcar 1 e ganhar o jogo, o treinador receberá elogios devido à forma como preparou o jogo e armou a equipa. Se nesse mesmo jogo, nesse mesmo dia, com exactamente as mesmas oportunidades pelos mesmos avançados, mas se o avançado que marcou o golo no exemplo anterior, desta vez não marcar, a análise ao jogo e ao trabalho da equipa e à táctica do treinador mudará radicalmente, para alguns adeptos.

Mas não são só os adeptos. Mesmo os jornalistas/comentadores analisam os jogos e a prestação das equipas influenciados pelos resultados e não pelas exibições das equipas. Claro que os resultados têm influencia directa na prestação das equipas nas competições em que participam, mas será que na análise “pura e dura” de um jogo deveria-se olhar para o resultado final. Que influência terão as palavras de um treinador no remate de um avançado? Num remate da entrada da área, a diferença de apenas um grau na posição do pé do avançado poderá fazer com que a bola entre na baliza ou passe a rasar o poste. Agora a pergunta é a seguinte: deverá a avaliação (da equipa e/ou do treinador) feita por um comentador (adepto ou não da equipa) ser influenciada por um factor tão aleatório quanto este?
Quando as televisões pedem a comentadores para analisarem um jogo, seria diferente a análise deles se na peça televisiva que lhes mostrassem, cortassem o resultado (a conclusão) dos lances perigosos (e eles não soubessem o resultado final)?
E caso isso acontecesse, seria uma análise mais justa que as análises com os lances completos e com o conhecimento do resultado?
Será mais justa uma análise baseada na quantidade e qualidade de lances perigosos ou uma análise baseada no número de bolas que entraram dentro da baliza?
E no caso de uma análise baseada nos lances perigosos, deveriam entrar para as contas dessa análise os lances influenciados por erros de arbitragem? Neste caso, lembro o fim daquela fatídica semana da época 2004/2005. No último jogo do campeonato, recebemos o Nacional e perdemos 2-4 (se não estou enganado) e perdemos o lugar na Liga dos Campeões para o Porto. Nesse jogo, aos 30 minutos estávamos a perder 0-3, com 3 golos em foras-de-jogo escandalosos. Os adeptos estavam claramente influenciados pela semana horrível e na análise a esse jogo quase não se falou nos erros da arbitragem (são factuais), mas sim no facto da vergonha que foi sofrermos 4 golos em casa.

Tentei escrever este artigo de forma a não tomar partido por nenhuma das situações, mas sim a lançar a discussão sobre uma divergência que acontece neste fórum, mas também na comunicação social. De um lado aqueles que analisam os jogos influenciados pelos resultados finais dos mesmos, e do outro lado, os que analisam os jogos sem olharem para o resultado final.

Analisar os jogos e dizer que jogámos muito bem é muito bonito e enche o ego mas se isso não vier aliado à conquista dos três pontos, no fim não vale de nada.
Até pode dar para nos deixar satisfeitos durante um tempo, porque toda a gente quer que a sua equipa jogue bom futebol, mas se ao fim de 4 ou 5 jogos jogarmos o melhor futebol do campeonato e andarmos atrás de toda a gente ninguém vai achar muita graça.
O Futebol faz-se de certezas não é dos “ses”, ou do que poderia ter acontecido.

O Sporting nos últimos 25 anos ganhou dois campeonatos Nacionais, por isso, para nós mais do que para qualquer outro adepto o que queremos é vitórias. Falo por mim mas acho que não estarei muito longe do que todos pensam nesta altura.

Este ano até podemos ser Campeões a jogar o pior futebol do mundo, a criar menos oportunidades de golo que os adversários e a ganhar os jogos no último minuto… durante a época vou andar insatisfeito com o futebol praticado e a dizer que o treinador é isto e aquilo e que não põe a equipa a jogar e que não têm fio de jogo, mas no fim faço a festa… é que qualquer dia já não me lembro do que é festejar um título de Campeão Nacional.

Se isso acontecer, na próxima época, ja com a memória do título mais fresca logo me preocuparei a exigir da equipa mais do que apenas pontos, ou seja, que ganhe porque foi efectivamente melhor do que o adversário em vários aspectos do jogo e ja agora que proporcione bons espetáculos.

Os meus parabens ao Dmalmeida pela cronica, que é sem duvida bastante actual e interessante.
Sem duvida que o que conta é o resultado final, resultado esse que muitas vezes nao é fiel aquilo
que se passou em campo mas é o sistema que temos para encontrar vencedores de jogos de futebol.

Aquilo que eu gostaria de ver neste futebol que se quer moderno e justo (digo eu) era as mesmas
alterações ja feitas no Tenis ou Cricket (aquela coisa que os Ingleses jogam e a grande maioria de
vocês nao percebe) ou seja video referees .
Com esse tipo de meios á disposição talvez os numeros passassem a ser menos crueis e até mais
relevantes, já que nao iria haver tantas hipoteses para os arbitros errarem ou se deixarem corromper.

Não há momento nenhum em que os numeros sejam tão crueis como quando há um empate e se recorre
á marcação de grandes penalidades. Aí sim acho que se devia encontrar um sistema para dar
vantagem á equipa que mais atacou, que mais cantos conseguiu, menos faltas concedeu etc etc.
Seria dificil de implementar tal sistema, mas sem duvida que o futebol se tornaria mais justo e iriamos
ver menos finais de torneios importantes a terminarem com um aborrecido zero-zero.

Saúdo a qualidade da cronica apresentada mas tenho outra opinião

1- Os números não ganham jogos, quantos jogos dominamos completamente, posse de bola, remate à baliza, e perdemos. Nesse particular lembro-me de 1 jogo SCP-Poro em Alvalade em que o Porto fez 1 remate ao 89 por Kostadionov e ganhou o jogo… aí tive uma ataque de fúria pois diana era adolescente

2- Se querer particularizar,o jogo de Madrid mostrou 1 faz mais como não temos suplentes com qualidade para jogar no SCP (ronny e Pedro Silva) e que temos 1 treinador que tem que aprender a ser menos arrogante, pois não cabe na cabeça de ninguém a formação apresentada na 1º parte. Se grandes delongas sobre o PB apenas digo que o proteccionismo a alguns jogadores tem que acabar, caso contrário o disciplinador mor acaba em segregador mor.

3- Se os organismos que mandam no futebol introduzirem um critério em quando o jogo acaba empatado ganha a equipa que “tiver melhores números baseados em critérios pré-definidos fruto de 1 análise objectiva” aí sim será interessante ver como as equipas alterarão o seu tipo de futebol.

Não devem ter percebido bem a intenção do meu post.
Não estava a colocar em causa a forma de se descobrir o vencedor do jogo. Claro que tem de ser através dos golos marcados.

A questão que eu queria colocar era:

imaginando um jogo Man. United - Arsenal onde o MU tem 5 oportunidades flagrantes de golo e o Arsenal tem 2 oportunidades flagrantes de golo.

1ª situação: CR7 marca 2 golos em que um deles é um remate de fora da área colocado junto à base do poste. Adebayor marca 1 golo. MU vence por 2-1.
Luís Freitas Lobo convidado a comentar dirá algo parecido com o seguinte: “Manchester esteve muito bem, dominou o jogo e mereceu ganhar. CR7 esteve brilhante, marcando 2 golos e fazendo jogar a equipa. Alex Ferguson montou bem a equipa e não deu hipótese a Arséne Wenger para discutir o jogo”

2ª situação: O jogo é totalmente igual ao da 1ª situação em todos os momentos do jogo, em todas as jogadas, com os mesmos intervenientes. A única alteração é que aquele golo do CR7 descrito na 1ª situação, desta vez bate no poste e ressalta para as mãos do GR do Arsenal. Ou seja, resultado final será 1-1.
LFL no seu comentário: “Um jogo equilibrado, embora com algum ascendente do MU. No entanto, Arséne Wenger montou bem a equipa e acaba por conseguir um resultado justo. CR7 marcou um golo e teve uma bola no poste. Perdeu-se um pouco em fintas inconsequentes.”

Esta pequena ficção, não andará muito longe da realidade nos comentários do LFL, de outro qualquer comentador da comunicação social ou de qualquer adepto de futebol.
Ou seja, a diferença de uns centímetros num remate pode alterar um resultado de futebol e até pode alterar a justeza do mesmo. Quanto a isso, batatas - é futebol.
No entanto, também altera a visão de um comentador sobre o que se passou num jogo e é esse o ponto em que quero pegar.

Outro exemplo e mais recorrente nos jogos onde uma das equipas envolvidas é um grande é o seguinte: a equipa grande vê-se e deseja para ganhar pois a equipa pequena joga com 10 defesas. A equipa grande lá consegue marcar um golo e ganhar o jogo e o comentador dirá “Vitória mais que justa da equipa grande que nunca desistiu da vitória apesar do autocarro em frente da baliza contrária”. Caso o avançado da equipa grande não tivesse conseguido colocar a bola na baliza, os comentários seriam os seguintes: “A colocação dos atletas em campo foram brilhantes por parte do treinador da equipa pequena. A equipa grande nunca conseguiu ultrapassar a estrutura táctica da equipa pequena e o resultado é justo”.

É por isso que eu digo que os comentários ao trabalho de uma equipa ou à estrutura montada por um treinador num jogo estão influenciados pelo resultado final do mesmo, quando na minha opinião não deveria estar. Ou seja, supondo (não tenho estatísticas) que a relação oportunidades/golos for normalmente de 3/1 e se a equipa num jogo tiver 5 oportunidades, mas os avançados falharem todas, é para mim óbvio que o treinador montou bem a equipa para poder ganhar o jogo. No entanto, o mais certo é existirem comentários a dizer que o treinador não foi capaz de fazer a sua equipa ganhar o jogo.

Lembro-me de perdermos um jogo em casa contra salvo erro o Marítimo, já no estádio novo, com o resultado feito muito cedo, em que salvo erro até acabámos com menos um jogador, e em que a outra equipa quase não passou do meio campo durante quase toda a segunda parte, e que não o fez mesmo durante a última meia hora, que o treinador substituiu defesas por avançados, e mesmo com um autocarro à frente da baliza adversária, a equipa continuou a jogar rápido e a atacar por todos os lados (sobretudo pelos lados) e mais alguns.
Foi uma boa exibição, mas perdemos…

No tempo de Peseiro jogavamos bonito mas no fim 0 títulos. Prefiro jogar feio e ganhar que jogar bonito e perder. Prefiro ter uma oportunidade de golo e ganhar do quer 10 e perder.

Com Inácio fomos campeões a ganhar jogos por 1-0 e 2-1. Sem jogarmos particularmente bem, mas no fim fomos campeões. Com Robson, Jozic e Peseiro dava gosto ver o Sporting jogar, mas os títulos nunca apareceram.

Eu cá preferia as duas coisas, jogar bonito e ganhar, ou pelo menos um meio termo :wink:


Desses, o mais vulgarmente esquecido é Jozic, e é justo que se refira a qualidade do futebol então praticado.
A época seguinte prometia muito, mas ele fugiu, com uma desculpa ridícula (como Roger Spry).
Cá para mim, ou lhe deviam dinheiro (é frequente), ou estava farto da imprensa (é ainda mais frequente).

Claro que o resultado influencia a forma como se vê o jogo. Neste aspecto pelo menos , os jornalistas não são diferentes dos adeptos.

Mas acho que tocas numa coisa fundamental: a tendência para racionalizar em excesso, isto é para acharmos que tem de haver sempre uma causa “profunda” para os resultados dos jogos de futebol. Essa tendência para “racionalizar” em excesso faz esquecer-nos que o futebol é um jogo - o que significa que tem uma dose considerável de aleatoriedade

Claro que se tivermos melhores jogdores, estivermos melhor preparados e jogarmos melhor ganharemos muito mais jogos e muito mais taças - mas não todas. Na verdade, o futebol é capaz de ser a modalidade colectiva em que a pior equipa em campo consegue escapar mais vezes à derrota merecida - precisamente porque o futebol pode ser decidido num momento de sorte/génio e não precisa de um fluxo constante de golos/cestos/pontos como o basket, o andebol ou o vólei, por exemplo.

Por isso, o futebol é especialmente vulnerável ao acaso. Quem não se lembra do Sporting-Benfica da época de F.Santos, em que o Sporting massacra durante um jogo inteiro, falha golos atrás de golos - e os lamps marcam a 3 minutos do fim, com um remate do meio da rua “a ver se dá” do Geovanni, na única hipótese que têm no jogo todo. Ou do jogo com o Porto no ano passado, em que somos enconstados às cordas após chegarmos (muito cedo) ao 2-0 e eles falham oportunidades escandalosas umas atrás das outras no resto do jogo?

Nestes jogos, em 19 em 20 vezes o resultado destes jogos seria ao contrário. Mas naqueles casos concretos, não foi. Porquê? Parafraseando o Ewan McGregor no “Trainspotting”: “And the reasons? There are no reasons. Who needs reasons when you’ve got the win?”

Por isso, discordo e concordo ao mesmo tempo com o teu post. Concordo, porque de facto é irritante ver a pose sabichona de jornalistas e comentadores a justificar o que às vezes não tem justificação. Mas discordo, quando achas seria uma apreciação mais justa do jogo que considerasse todas as jogadas de perigo e oportunidades. Ambas as posições falham o ponto, porque ambas ignoram o papel da sorte - eles de má fé, tu porque fazes apelo a algo - justiça - que não pode ser aplicada. Como é que farias a coisa? Um golo vale quantas oportunidades? 3? 5? 10? O problema é esse: não há “taxa de câmbio” entre oportunidades e golos. São incomparáveis.

Petrovich, eu aqui estava mais a focar-me na diferença de análise que os comentadores (adeptos ou não) fazem, deixando que um simples pontapé pode entrar na baliza ou bater no poste.
Até podemos tomar o exemplo de hoje do jogo contra o Braga. O Postiga rematou, a bola bate no João Pereira e entra na baliza. A totalidade dos comentadores da RTP e SportTv consideraram justa a vitória do Sporting, pois soube sofrer, etc, etc.
E se a bola quando bate no João Pereira não tem ido para a baliza mas sim para fora. A vitória do Sporting deixava de ser justa?(imaginando que o resto do encontro tivesse decorrido da mesma forma como realmente sucedeu). Será que passaria o empate a ser mais justo?
A isto chamo uma análise claramente influenciada pelo resultado final.
Naqueles casos contra equipas pequenas em que os grandes se fartam de jogar, de acertar nos postes, etc mas não conseguem marcar. Na maioria das situações os comentadores dizem que o treinador da equipa pequena foi muito perspicaz, montou muito bem a equipa e acaba por levar um pontinho com justiça. Mas bastava que uma das bolas que bateram nos postes tivessem entrado para a análise ser completamente diferente por parte dos mesmos comentadores, que diriam que o treinador da equipa pequena não foi capaz de arriscar nada. E no caso da análise ao trabalho táctico do treinador da equipa grande: será que ele fez mau trabalho táctico por a equipa não ter marcado nenhum golo? - afinal a equipa teve 3 ou 4 grandes oportunidades para marcar golos mas os jogadores falharam o gesto técnico de meter a bola na baliza. Esses falhanços deverão condicionar o comentário que se faz ao trabalho táctico do treinador e à forma como ele preparou a equipa?

Claro que eu sei que isto é irrealizável, mas pergunto:
Imaginemos que pedíamos a um dos comentadores da nossa praça que não visse nem soubesse o resultado final de um determinado jogo. Depois colocávamo-lo em frente de uma TV a ver o vídeo integral do jogo, excepto o resultado das oportunidades flagrantes de golo. Ele sabia que aquelas oportunidades tinham existido, tinha visto todo o desenrolar da jogadas até aí, mas não veria o resultado da jogadas.
No fim do jogo, pedíamos a análise dele ao jogo, ao trabalho das equipas e treinadores e perguntavamos-lhe qual seria para ele o resultado justo.

Sabendo que isto é apenas um exercícioe pouco realizável, será que esta análise (não influenciada pelo resultado final) não seria mais justa?
Eu não estou a colocar em causa a justiça de um resultado de um jogo, mas sim a justiça das análises feitas.