[b][size=12pt]Uma viagem à alma do Sporting[/size][/b]Academia. Em seis anos de vida, são vários os casos de jogadores que passam com sucesso da formação para a equipa principal. A ‘menina-dos-olhos’ do Sporting continua a ter resultados acima da média. O DN sport foi perceber o dia-a-dia dos jovens atletas e de quem os forma e acompanha
“O Sporting tem uma alma de futebol juvenil”, diz Aurélio Pereira com ar de quem não gasta palavras, mas as sente verdadeiramente. E se alma é um “conjunto das faculdades intelectuais e morais do homem; espírito; pessoa”, segundo os dicionários, a Academia do Sporting em Alcochete é a encarnação da filosofia leonina - uma orientação quase obsessiva, repetida exaustivamente por todos, virada para a eterna juventude de sucesso. E quase se pode agarrá-la, a alma, o que, como se sabe, é inviável. Mas, acredite-se ou não, neste caso tem a sua sustentabilidade terrena. Pelo menos ali em Alcochete, entre centenas de aspirantes a craques, dezenas de funcionários, treinadores, dirigentes, árvores, relvados, piscina, gabinetes, dormitório, refeitório, salas de convívio e musculação. Um mundo de culto físico e técnico, onde o perfil do candidato a craque é: “Ter uma boa relação com a bola.”
A viagem à alma do Sporting (um clube marcado, no futebol, pela eclosão de jovens talentos planetários como Futre, Figo, Cristiano Ronaldo, Nani ou Quaresma) pode ser um belo passeio bucólico: sai-se de Lisboa (se for o caso), cruza-se o Tejo, entra-se em Alcochete, olhos na indicação Pegões, atenção a Olho Cinzeiro - contradição maliciosa para quem quer entrar num mundo de saúde física e mental.
Na Academia, um espaço de 250 mil metros quadrados, integrado num extenso montado de sobreiros, longe da confusão citadina, há linhas-mestras que marcam a sua actividade. Uma delas: “O Sporting não quer ganhar a qualquer preço.” Outra: “Chama-se Academia [para sublinhar o cariz pedagógico, também] e não centro de estágio.” Têm força estas frases, ou não fosse Aurélio Pereira o seu autor.
E Aurélio Pereira sabe da poda - lançou Futres, Ronaldos, Figos. Há 20 anos, foi ele quem criou o Departamento de Recrutamento. “Deram-me um gabinete e um funcionário e disseram-me: ‘mãos à obra’.” A obra são os tais talentos que o mundo conheceu - e vai conhecendo. O orgulho é uma obra que foi inaugurada a 21 de Junho de 2002. Uma casa para 58 futebolistas em regime de internato, uma rampa de lançamento para centenas de jovens que lá vão aferindo a relação com a bola. E com os valores do Sporting.
Mais um exemplo, arriscado: “Mesmo no [departamento] profissional acho que o Sporting dá lições de comportamentos éticos, de cultura, de clube que gostaria de ver a indústria do futebol mais respeitada. Aí sim, o Sporting é de longe o clube português com mais razões para se sentir orgulhoso.”
Revisitada assim a alma, volte-se a colocar os pés na terra. Na Academia do Sporting, respira-se futebol - é lá que trabalham diariamente todos os escalões de formação do clube, incluindo a equipa sénior. Mas não só: há salas de estudo, um Gabinete Psicopedagógico, plataforma que sustenta os 58 internos, académica e emocionalmente (ver página 14). A alma precisa de sustento intelectual, mas de uma mão que afaga - e aqui há quatro, de duas técnicas que também fazem de mães.
“Espera, Yuri. Podes voltar daqui a cinco minutos?”, pergunta, de dentro do gabinete, Dina Rodrigues, coordenadora psicopedagógica há dez anos. Pode haver uma saudade mal gerida, uma nota escolar que perturba, é preciso conduzir. “A auto-estima e a disciplina são essenciais”, indica Aurélio Pereira.
E isso ouve-se - um funcionário, nos corredores: “Atirem-se aos livros, miúdos, atirem-se aos livros” - e vê-se: “Onde vais, já lanchaste?”, ouve-se perguntar a um jovem que não terá mais de 15 anos. “Não tenho fome”, responde. “Nem penses, anda aqui e pega na sandes, que daqui a pouco tens treino.” Há uma mão que embala, há outra que corrige os desvios.
A “estabilidade” - outro valor repetidíssimo -, essa, só é afectada momentaneamente pelo ruidoso sobrevoar dos caças da Força Aérea (que treinam no Campo de Tiro, ali perto). Mas por outro lado, é uma bela imagem do que ali se pretende: fazer homens que pensem, formar jogadores que voem.
http://dn.sapo.pt/2008/10/25/dnsport/uma_viagem_a_alma_sporting.html
[b][size=12pt]Duas 'mães' para mais de 50 filhos[/size] [/b]Gabinete Psicopedagógico. Carlos Martis foi dos que deram mais problemas
O Sporting faz a diferença na formação de talentos também pela via pedagógica. Dina Rodrigues (coordenadora) e Raquel Martins e Silva (psicóloga) fazem parte do Gabinete Psicopedagógico dos leões e a sua missão é educar e dar apoio psicológico, se necessário, aos jovens jogadores, com especial atenção para os moradores da Academia, em Alcochete. O Gabinete conta ainda com a colaboração de uma animadora sociocultural, Ana Ribeiro, para ajudar a passar os tempos livres (cria actividades).
Enquanto Raquel “trata de uns processos”, é Dina que dá a cara pelos “filhotes”. Elas são como uma segunda mãe para os miúdos. “Pretendemos educá-los como se fossem nossos filhos e por isso às vezes é preciso ralhar. Eles são muito ciumentos relativamente à nossa atenção”, brinca Dina Rodrigues, garantindo que “não há um perfil-tipo de bom jogador”. Formar um bom carácter para a competição é uma utopia, diz. “Lidamos com miúdos, não com máquinas que dão para formatar. O que pretendemos é formar pessoas com carácter determinado para desempenhar as suas capacidades futebolísticas com algum talento.”
Mas aos 12 anos tudo parece ser um bicho-de-sete-cabeças e ser suplente é um problema. “Tentamos passar a mensagem de que só podem jogar 11 de cada vez. E se um está triste por não jogar, sabe como fica o amigo quando ele é titular. O colocar-se no lugar do outro é muito importante.” O pior são mesmo as lesões. “Ter de ficar parado, sem treinar e ver os outros todos os dias a ir para o treino, a brincar com a bola e a jogar e eles terem de ficar no sofá é sem dúvida a situação mais difícil para eles e para nós. Só o tempo ajuda”, explica a coordenadora do gabinete, que existe há dez anos. A situação mais complicada com que tiveram de lidar foi quando o João Freitas, juvenil dos leões, que foi esfaqueado nas costas em plena escola, na semana passada. Um acontecimento sem precedentes e que chocou os responsáveis da Academia, mas o caso é agora de polícia, e isso obriga ao silêncio.
As saudades da família para quem mora na Academia é uma realidade, mas o dia está tão preenchido, de manhã à noite, que há pouco tempo para ficar sozinho e dar espaço à nostalgia. E à noite há uma animadora sociocultural antes do recolher obrigatório (23.00). A recompensa destas mães emprestadas é quando as verdadeiras progenitoras ligam. “Perguntam, o que fez ao meu filho, que ele está tão bem-comportado, até fez a cama… E nós na brincadeira dizemos sempre que as mães são péssimas educadoras de filhos rapazes”, explica Dina Rodrigues.
Na Academia há regras e castigos para quem não cumpre. "Não estamos no exército, mas quando alguém se porta mal tem de ser castigado. Se o caso é grave, então é analisado com a equipa técnica, e o jogador pode mesmo não ser convocado. Existe sempre uma colaboração entre o gabinete e as equipas técnicas em relação aos castigos. “Aconteceu isso uma vez com o Cristiano Ronaldo. Foi apanhado já depois da meia-noite no ginásio e o castigo foi ficar na Academia no dia em que o Sporting ia jogar à Madeira. Fartou-se de chorar por não ir à terra dele, mas não podíamos deixar passar”, explica.
Falando em castigos, o nome de Carlos Martins é incontornável. “É muito bom rapaz, mas tinha de ser sempre à sua maneira, teimava em não fazer a cama, por exemplo, ou então fazia mal de propósito. Foi talvez dos mais terríveis.”
http://dn.sapo.pt/2008/10/25/dnsport/duas_maes_para_mais_50_filhos.html