Se, por um lado, o golpe assinou - para alegria de todos, pois só mesmo uns quantos dinossauros queriam a perpetuação daquele regime tal e qual ele estava quando o golpe aconteceu - o fim de um regime decomposto que não soube reinventar-se devidamente após a morte do seu fundador, e que já manifestava sinais de decadência evidentes após a revisão constitucional de 1971, na qual Caetano não conseguiu satisfazer os “liberais” do regime; por outro lado, desprendeu um dos processos mais obscenos da história de um país com tantos e tantos anos de vida, a descolonização (não pela ideia em si, mas pela condução do processo, que hoje sabemos ter sido sabotada invariavelmente pelo MFA), e quase impingiu ao país um modelo económico – comunista - que faria o Estado Novo/Estado Social parecer um paraíso. Caetano precisava de mais tempo - precisava que o fóssil Américo Thomaz saísse de cena, em primeiro lugar - e não faria mal algum se tivesse substituído Salazar 5 anos mais cedo, pelo menos.
O 25 de Abril que hoje é celebrado não corresponde ao 25 de Abril que Portugal viveu – fim da ditadura e sua substituição pela anarquia económica e política – e que só findou, de facto, quando Cavaco Silva consegue a maioria absoluta em 1987, pois até esse ano Portugal viveu amarrado a um sistema económico baseado num Estado todo poderoso que todos os rendimentos capturava e num sistema de amizades empresariais – bancos e empresas públicas - que têm o coitado do contribuinte e a iniciativa privada como suas primordiais escravas, realidade em que hoje nos encontramos novamente. O 25 de Abril, na realidade, é muito mais do que o “dia em que conseguimos a liberdade”, pois pouco faltou para que pudesse ter representado o começo de um período garantidamente mais autoritário que o anterior.
Essa visão – 25 de Abril lindo, todos em sintonia, nada de confusões – é falsa, mentirosa, e já só vive na mente de uns quantos.
25 de Abril real não foi nem a manifestação romântica que a Esquerda portuguesa afirma ter sido, nem a sinistra, encapotada traição que a Direita mais idosa e radical afirma. Foi um golpe militar – iniciado por insatisfações de uma certa classe militar, propiciadas pela desatenção do regime anterior – que rápido degenerou, à boleia das várias contradições que viviam no seu seio, numa maluquice que demorou anos a estabilizar e a corrigir.
Aliás, os espanhóis, quando chegou a sua vez, olharam para o nosso país e aprenderam rapidamente como não tentar a mesma palhaçada. E foi esse admirável acordo, essa capacidade de unir, a bem da pátria, gente de certa tendência com gente de outra tendência oposta, que nos fugiu: uma transição liderada tanto pelos elementos do regime, para impedir reacções de violência, como pela oposição democrática, para impedir o resvalar para um sistema à Europa do Leste ou à Grécia da ditadura militar. Salientar dois termos: oposição e democrática. Aqueles que mais gritavam “MFA” eram muita coisa, mas não era democráticos.
Um agente económico conseguiu perfurar intacto a Revolução: o Estado despótico e preponderante. Se durante a ditadura o Estado praticamente controlava toda e qualquer iniciativa económica de alguma envergadura (mas não tocando na pequena iniciativa privada), depois da Revolução o Estado passou a corporizar essa iniciativa económica, quando tudo de dimensão importante foi nacionalizado – e, quando o dinheiro que se encontrava na banca nacionalizada findou, destruído, dando azo a casos de manifesta miséria social como aquela que flagelou a Margem Sul, particularmente Setúbal.
Pudemos conhecer heróis como o Salgueiro Maia, mas pudemos conhecer também vilões da pior espécie como o Almirante Vermelho, e este último simbolizou muito mais o pós-25 de Abril que o primeiro, que se afastou de cena após cumprir a sua missão – derrubar a ditadura.
O MFA que faz a revolução não é o mesmo MFA que conduz a revolução. E assim se explica o 25 de Abril e o que aconteceu posteriormente.