destruir de novo para recomeçar é exactamente o que está a acontecer. Se tivesses muita paciência, mas muita mesmo, ias ao link na minha assinatura chamado Empire without Emperor, que é, em 50000 palavras, aquilo que eu penso, aliás o que pensava em 1999. E continuo a achar que estava correcto.
mas vejamos, um ponto muito pequenino disso (talvez 1% da minha ideia geral), e que explica o que quero dizer com "destruir de novo para recomeçar", é:
- os exércitos de recrutamento universal, em que todos os homens eram chamados, na idade moderna, foram criados por Napoleão. O objectivo foi conseguir vencer os exércitos profissionais dos restantes países, tendo um país mais pequeno do que os outros juntos. Falhou, e uma das razões foi porque às tantas, não dando nada às famílias que viam os seus homens ser levados, começaram a resistir ao recrutamento.
- a segurança social foi criada por Bismarck para resolver esse problema: a Prússia repescou a ideia da recruta universal, mas deu direitos às mães, mulheres e filhos dos soldados. E ganhou.
- com a WWI e WWII, nações inteiras combateram umas contra as outras, com toda a população envolvida no combate ou directamente ou na produção dos meios de combate. Foi necessário, depois, recompensá-los e garantir o seu apoio, sendo criado o estado social.
- Hoje, por razões complexas que também posso explicar, as guerras já não envolvem nações inteiras. Com inteiro, voltámos aos exércitos profissionais, pequenos, altamente equipados e treinados.
- A produção também foi deslocalizada para outras paragens.
- Como consequência, fatias grandes das populações do 1º mundo já não são necessárias nem para lutar em massa, nem para produzir em massa. Essas fatias também não são precisas para consumir, já que o seu consumo é facilmente substituído pelo consumo dos países emergentes.
- Assim, fatias grandes da população, pura e simplesmente deixam de ter utilidade (para o sistema capitalista).
- Antes, tínhamos o mundo dividido em centro-periferia (ou 1º mundo / 3º mundo, se preferires), em que o centro não tinha casos numerosos de pobreza profunda, e a periferia tinha talvez 0.1% ou menos de ricos e ultra-ricos (necessários para gerir o sistema, que é gerido melhor por pessoas do próprio país do que por oitências directamente colonizadoras)
- Agora, pode-se reintroduzir, com vantagem (para o sistema capitalista), a periferia de volta ao centro. Vamos ter, no antigo 1º mundo, qualquer coisa 2/3 de "centro", ou seja pessoas a viver como primeiro mundo, e 1/3 de periferia - ou seja, pobres e excluídos, que pura e simplesmente não têm qualquer utilidade (para o sistema).
- E, na periferia, podemos ter 5% de "centro", ou seja, por ex. engenheiros ou contabilistas na Índia a ganhar 500 euros, o que lá os mete na classe média e podem comprar um carrinho. Mas como 5% de 3000 milhões é muita gente, isto corresponde a muitos empregos perdidos na Europa e USA.
O que se está a destruir é o estado social, porque deixou de ser necessário, porque já não há grandes guerras para populações inteiras lutar e porque a produção e parte do consumo foi deslocalizada. As pessoas já não são necessárias, muitas delas. O que se está a construir é um império, o qual não tem uma nação dominante, algo de novo na história da humanidade. A natureza imperial das novas estruturas capitalistas é uma parte importante das tais 50000 palavras - mas dá muito trabalho ler e requer muitos conhecimentos. Para além disso, eu escrevo de forma muito chata, como podes constatar.
À parte a luta contra o novo sistema, que é uma coisa que podíamos discutir mas outro dia qualquer, põe-se a questão de saber se queremos ficar nos 2/3 que vão viver mais ou menos bem ou no 1/3 que vai ter muitas dificuldades. Nota que este 2/3 e este 1/3 vão coexistir, vão viver nas mesmas cidades, nos mesmos países (isto tem implicações para aumento de violência urbana, condomínios fechados, etc etc).
A sua distribuição não vai ser uniforme: na Alemanha, vais ter se calhar 90%/10%, e em países que se auto-excluam do processo, como os Balcãs o fizeram com as suas guerras civis, vais ter 5% de mafia e 95% de escravos.
A Grécia, se se auto-destruir, vai ter também 5 ou 10% de donos e 90% de servos.
Em Portugal será 80/20, se tivermos sorte, que é mais ou menos como estamos agora, e é onde nos queremos manter. Se as coisas correrem mal, vamos deslizar para talvez 50%/50%, e se seguirmos o caminho da Grécia, vamos parar aos 10% de ricos e 90% de desgraçados.
O que estou a dizer é que o mundo está a mudar, e não é nas ruas da Grécia que se trava a batalha. A batalha travou-se já há uns 20 anos, fora das noticias, sem ninguém notar, e já está decidida. Já há um novo sistema em andamento, e esse novo sistema não precisa para nada nem dos Balcãs, nem de país pequeno nenhum. Os gregos que estão a combater, acham que estão a lutar o sistema antigo - é um moinho de vento, porque esse sistema antigo já lá vai há muito tempo.
Acho que os gregos se estão a suicidar de cada vez que destroem as suas próprias cidades. Ninguém as vai reconstruir por eles. Quando chegar o momento de reconstruir, não vão ter capital próprio para o fazer, nem ninguém lhes vai emprestar, porque ou ficam no euro e cumprem as regras, ou se tornam inúteis para o sistema que lhes poderia emprestar o capital que necessitariam. Ficarão, cada vez mais, parecidos com os seus vizinhos Albânia e Skopje-Macedonia.