Há algumas considerações a tecer sobre o assunto em geral.
Não adianta estar com desculpas, pirataria é pirataria, é roubo.
Pode haver muitas justificações, muitas atenuantes, mas a questão permanece válida, está-se a deitar a mão a algo que pertence a outrem.
É tudo muito bonito, mas o facto é esse.
Não adianta a prática actual vulgar de desculpar um assassino e culpar quem lhe facultou a arma, como se o carregar no gatilho quase não tivesse acontecido, ou como se fosse quem facultou a arma a carregar no gatilho. Pior ainda, é dizer que o culpado do arrombamento duma viatura não foi o arrombador, mas sim quem deixou objectos à vista no interior da mesma.
Sejamos honestos.
E quanto às maldades das editoras, ou seja, dos proprietários dos bens roubados, vejam bem o seguinte: Acreditam mesmo que o dono dum talho explora o seu negócio por altruísmo, por preocupação em relação à fome dos clientes? Um vendedor de sapatos exerce a sua actividade essencialmente por estar preocupado com o conforto dos clientes? Um banqueiro quer que os clientes prosperem, apenas por generosidade?
Se vocês abrissem uma editora musical, fá-lo-iam apenas por amor à música?
É evidente que no início, e caso fossem ainda jovens, até poderiam ter umas ideias mais ingénuas e boas intenções, mas ao fim duns tempos é perfeitamente possível que dessem por vocês a não gostar sequer de ouvir música, e a detestar os vossos artistas, e que não pensassem senão em ganhar dinheiro.
Não adianta negar os factos, é a vida.
A razão se ser da existência das empresas é o lucro. Os títulos que colocam no mercado são produtos como quaisquer outros. Obtê-los sem pagar por eles é o mesmo que bifar num supermercado, que não pagar nas roulottes, o que quiserem.
Não há justiça nem considerações morais a tecer, trata-se de alguém se apoderar do que pertence a outrem.
Mas mesmo assim a questão das atenuantes pode ser discutida. Convém é não perder de vista que se está a roubar.
É verdade que alguns produtos são vendidos a preços excessivos. Mas isso é a essência do mercado, ganhar o máximo possível. Compete ao consumidor não consumir, caso não tenha posses para os adquirir. Se cá determinadas coisas são mais caras que no estrangeiro, não é apenas por ganância do importador, mas por muitas outras razões, a principal das quais o pequeno volume do nosso mercado (dramático no caso da banca, por exemplo).
E mesmo quanto ao suposto roubo que são os preços praticados, conheço um caso concreto em que os consumidores estão convictos que os importadores são uns gatunos, que ganham cinquenta por cento (!) nos produtos que vendem, etc. Costumo lembrar às pessoas que o tal importador tem custos que o consumidor nem sequer sonha. Há contactos que se fazem, que chegam a envolver viagens, estadias, despesas diversas, até a países bastante afastados, por vezes sem resultados comerciais. Há encomendas que têm que ser sinalizadas ou até pagas adiantadamente, seja qual for a disponibilidade financeira (pode ser preciso pedir dinheiro emprestado). Há despesas aduaneiras (e não são poucas), há armazenagem, seguros, segurança, distribuição, publicidade (com entrevistas, jantaradas, tudo pago), há despesas relacionadas com o pós-venda (por vezes é o importador que assume as garantias), enfim, tanta coisa... No caso do exemplo em questão, os revendedores solicitam equipamentos para demonstrações, que devolvem, por vezes danificados ou desvalorizados, e quem suporta isso tudo é o importador. Para o cálculo dos tais cinquenta por cento de lucro seria preciso esperar por vezes um ano inteiro para saber quanto custou realmente o produto. Será que os produtos são realmente vendidos a preços exagerados?
Mas isso já ultrapassa a questão do roubo. Voltando aos roubos, quem rouba, tem efectivamente atenuantes, é um facto. Um dos mais invocados tem que se lhe diga. Vejamos o caso concreto. Quem vende publicita, fazendo o consumidor desejar o produto. O consumidor deseja o produto, mas não tem dinheiro para o comprar. Por isso rouba-o. É tudo muito bonito, mas culpar quem fez o consumidor desejar o produto, e absolver o ladrão, é um exagero. Ou bem que se proíbe a publicidade, ou então tem que se castigar o ladrão. Porque, se não se castigar, o roubo generaliza-se.
É que uma coisa é irmos comprar lá fora (e tentarmos iludir a alfândega, se for o caso), por cá ser mais caro, outra é roubar, seja onde for.
Deixando agora estas considerações, que penso que vos vão agitar o suficiente, acrescento outras atenuantes.
Uma das coisas que mais procuro, são «produtos» bastante raros. Foram editados, vendidos, esgotaram, e não foram reeditados. Segundo a lei nada muda. Continuam a ser propriedade das editoras. Ninguém está autorizado a disponibilizar cópias a terceiros. No entanto, existe procura, que não é satisfeita, seja por que razões for (por vezes apenas resultado de ganância...). Essa procura só pode ser satisfeita por oferta pirata. Não deixa de ser roubo, mas é uma atenuante. Compete ao juiz ter a atenuante em conta, quando julgar o ladrão.
No âmbito da procura desses produtos caros, por vezes até se encontram, mas a preços exorbitantes. Aí a situação é a mesma de quem gama um jogo por ser caro de mais. Etc.
Mas o que mais me preocupa é o papel dos ISPs. Vejamos um exemplo. Um grupo de estudantes coloca os trabalhos do grupo no Emule, em vez de no Google Docs. Os membros do grupo descarregam-no e carregam-no, tudo em total legalidade, paralelamente a uma série enorme de CDs e DVDs, que outras pessoas trocam entre si. Os servidores são os mesmos, excepto no que respeita aos computadores finais. Como detecta o ISP que se trata duma ilegalidade, ou dum comportamento legítimo?